O primeiro recurso ao Tribunal Constitucional, a nível nacional, invocando inconstitucionalidade, por alegada discriminação, em função do limite de 30 anos de idade, para aplicar a Amnistia Papal. Alega ser ferido assim o princípio constitucional da igualdade e partiu, esta semana, de Braga, a propósito do principal processo português sobre as cartas de condução falsificadas.
Segundo apurou O MINHO, o recurso seguiu já esta semana ao mais alto tribunal português, após a Relação de Guimarães ter negado provimento às pretensões de duas advogadas de Braga, sobre uma matéria que está a dividir profundamente os juristas.
É que a eventual declaração de inconstitucionalidade da amnistia concedida aquando das Jornadas Mundiais da Juventude, no mês de agosto de 2023, em Lisboa, iria alterar as decisões judiciais envolvendo milhares de arguidos de centenas de processos.
Em termos práticos, questiona-se se as Jornadas Mundiais da Juventude, que motivaram a Amnistia Papal, num Estado Laico, têm força constitucional para beneficiar só os jovens, em detrimento de todas as outras faixas etárias, nomeadamente os idosos.
Se a questão do limite da idade é genérica, já no caso do processo “Carta Branca”, o da falsificação de cartas de condução, as advogadas referem que deveria haver um ano de desconto das penas aplicadas por corrupção, pois os clientes não são políticos.
As advogadas, em resposta à decisão da Relação de Guimarães, da qual recorreram agora, já para o Tribunal Constitucional, afirmam que a repulsa dos cidadãos contra crimes de corrupção, tem a ver principalmente quando são cometidos por políticos.
Referem, no seu recurso, que o legislador ao desenhar a Lei da Amnistia Papal, terá violado os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, alegando haver crimes que não podem ser excluídos da aplicação do perdão de um ano das respetivas penas.
“Os critérios que presidiram à lei do perdão ultrapassaram as fronteiras dos limites do poder discricionário do legislador à luz da Constituição”, ainda segundo a Defesa dos arguidos do caso “Carta Branca” refere o recurso, a que O MINHO teve acesso.
“Uma vez que a clemência de um ano de prisão nas penas de prisão não é absolvição, em consequência, o legislador ter-se-á excedido nas excessivas restrições aos crimes não abrangidos pela clemência meramente de um ano”, entendem as advogadas.
O caso do processo “Carta Branca”
As duas advogadas bracarenses não se conformam também com a não aplicação aos arguidos do Caso “Carta Branca” de tal amnistia, sustentando ainda que lhes deveria ser aplicado o desconto de um ano de prisão, tendo em conta os crimes em causa.
Nesse recurso, fundamenta-se que apesar do Tribunal da Relação de Guimarães não ter acolhido a tese das duas advogadas, o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, manifestou logo dúvidas quanto à constitucionalidade da amnistia.
A amnistia só abrange arguidos até 30 anos de idade, o que tem originado sentenças contraditórias, na interpretação dessa lei de perdão, além de reservas já manifestadas pelas estruturas representativas dos juízes e dos magistrados do Ministério Público.
O princípio constitucional da igualdade e não discriminação ficará “ferido” com tais limitações etárias, se não incluir arguidos com mais de 30 anos de idade, segundo referem, no seu recurso, as advogadas Ana Eduarda Gonçalves e Bárbara Silva Soares.
“Toda a discussão desta matéria de inconstitucionalidade encontra-se já bastante acesa nos nossos Tribunais da Relação e em todos os Tribunais nacionais, sendo chegada a hora de ser o mais alto Tribunal a decidir, de uma vez por todas, a discussão nacional que já se arrasta desde setembro de 2023”, explicam as duas advogadas de Braga, clamando por uma uniformização.
No recurso, destaca-se que “o Tribunal Constitucional reconhece que o legislador tem larga margem para decidir, mas quando se constata que há arbitrariedade, então aí cabe aos Tribunais estancar, por via da declaração de inconformidade constitucional, a exclusão de uns em detrimento de outros”, referem as mesmas causídicas, pedindo a aplicação de equidade, a nível nacional.
“Não é constitucionalmente admissível que sejam abrangidos pelo perdão de um ano de prisão crimes contra a realização da justiça e por contraposição se tenha vedado a aplicação de um ano de perdão a crimes contra o Estado, quando é o próprio Estado a conceder esse mesmo perdão”, ainda de acordo com a perspetiva explanada no recurso pelas duas juristas bracarenses.
“São bem mais gravosos os crimes cometidos contra a realização da justiça do que crimes contra o Estado”, acrescentam as duas advogadas, chamando ainda a atenção para a desproporcionalidade e irrazoabilidade do legislador quando contemplou uns crimes em detrimento de outros, com critérios que são desconhecidos e altamente questionáveis”, salientam as advogadas.