Precariedade e democracia pioraram nas universidades após aplicação do regime jurídico

Saúde
Foto: DR / Arquivo

O funcionamento democrático das universidades e politécnicos degradou-se desde a aplicação do regime jurídico das instituições de ensino superior, em 2007, segundo um estudo divulgado hoje que também registou o agravamento da precariedade entre docentes e investigadores.

O estudo foi promovido pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) com o objetivo de traçar um retrato das instituições desde a entrada em vigor do regime jurídico, que deverá ser revisto num processo negocial que a tutela pretende iniciar em 2023, 11 anos após o prazo previsto na lei.

“Neste estudo, podemos encontrar um contributo para essa avaliação da lei, com dados e factos sistemáticos para analisar as implicações que o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) teve em termos do modo como funcionam”, explicou à Lusa a presidente do sindicato.

De acordo com o relatório, que será apresentado hoje e entregue à ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, essas implicações foram negativas num conjunto de domínios, desde logo nas condições de trabalho.

“Desde que começou a ser implementado, houve uma deterioração significativa das condições de trabalho e emprego”, referiu Mariana Gaio Alves, indicando que os níveis de precariedade aumentaram, bem como o número de investigadores contratados por instituições privadas sem fins lucrativos.

Os investigadores nessa situação, atualmente mais de cinco mil, colaboram nas unidades de investigação das universidades, mas são contratados por elas e, por isso, a dirigente sindical alerta que além de se tratar de um vinculo precário, esta forma de contratação através de instituições privadas tem também implicações ao nível do funcionamento democrático.

Isto porque, muitas vezes, esses investigadores não podem participar nos processos eleitorais para os órgãos das instituições de ensino superior, bem como os docentes que não integram os quadros.

Segundo as estimativas apresentadas no relatório, há mais de nove mil docentes e investigadores excluídos dos processos eleitorais, o equivalente a 32,2%.

Por outro lado, houve uma diminuição generalizada da participação, com taxas de abstenção nas eleições para os conselhos gerais a fixarem-se, quase sempre, acima dos 50%.

“A democracia interna das instituições está cada vez menos saudável e observamos mais práticas muito autocráticas”, alertou Mariana Gaio Alves, acrescentando que esse quadro contraria os objetivos do RJIES, que introduziu mudanças no sistema de governo das universidades e politécnicos que pretendiam “garantir maior responsabilidade e capacidade”.

Contra isso, acrescenta a presidente do SNESup, contribuiu também a obrigatoriedade de incluir membros externos às instituições nos conselhos gerais, uma vez que, segundo o estudo, a maioria desses membros são representantes do poder legislativo e executivo e dirigentes, diretores e gestores executivos.

“São pessoas que não têm conhecimento quotidiano e estão estreitamente vinculadas aos dirigentes máximos. É importante garantir participação externa, mas não para tomar decisões estratégicas à vida das instituições”, defendeu.

Para o SNESup, estes aspetos são fundamentais na futura revisão do RJIES, para a qual o sindicato estabelece quatro princípios fundamentais.

Além da redefinição da composição, competências e funcionamento do Conselho Geral e do reforço da representação e a participação de professores, investigadores, não docentes e estudantes na vida quotidiana e na tomada de decisão das instituições, o SNESup sublinha também as questões de financiamento e de autonomia científica e pedagógica.

Sobre o financiamento, o sindicato defende o aumento da responsabilidade efetiva do Estado e a extinção do regime fundacional, e a impossibilidade de universidades e politécnicos poderem criar instituições privadas sem fins lucrativos, que deverão transformar-se em unidades orgânicas.

Quanto à autonomia científica e pedagógica, Mariana Gaio Alves argumenta que os professores e investigadores “têm de ter liberdade para tomar decisões sobre o que ensinam e investigam, não podendo estar condicionados pelo facto de não saberem se no ano seguinte têm ou não contrato”.

Essa valorização implica o fim da precariedade, através da atualização dos estatutos das carreiras de docentes e investigadores, bem como a regulamentação do trabalho desses profissionais em instituições de ensino superior privadas, acrescenta a presidente do SNESup.

 
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