Postal da América — Entrevista

Postal da américa — entrevista

Ricardo Gonçalves, 49 anos, mudou-se para Miami, Florida, Estados Unidos há cerca de ano e meio para assumir o cargo de relação públicas de uma cadeia de restauração. O período eleitoral por que o país e, por extensão, o mundo passaram pela voz de um vimaranense em entrevista ao Duas Caras.

Texto originalmente publicado no Duas Caras

Qual era o seu candidato preferido?

Para começar há que dizer que o facto de não ser cidadão americano e não poder votar foi uma espécie de benesse nestas ultimas eleições. Nenhum dos dois. Penso que nas segundas escolhas dos partidos estavam, quer de um lado, quer do outro, melhores opções. No entanto foi esta a escolha dos partidos republicano e democrata, o que determinou que, se tal fosse o caso, me teria de abster.

Como viveu o ano pré-eleitoral?

Este período eleitoral (que aqui se arrasta por um par de anos, com primárias dos partidos, etc.) coincidiu mais ou menos com a minha chegada aos Estados Unidos. Fui acompanhando, até porque na generalidade os americanos são bastante informados e politizados e vão partilhando ideias e pontos de vista, o que me obrigou a ter uma ideia mais aproximada do processo. Penso, no entanto, que o processo eleitoral norte-americano, para além de ser bastante – e friso – bastante mais complexo e longo do que, por exemplo o nosso em Portugal, reduz significativamente a escolha de governo. De todas as formas fui acompanhando como pude e muitas vezes com bastante interesse.

Como acompanhou a noite das eleições?

De forma tranquila. Fui jantar e estive num bar a acompanhar as projeções e a evolução da votação atá mais ou menos à meia-noite (05h00 em Portugal). Apercebi-me então que algo de diferente se estava a passar com os números todos de todas as cadeias de televisão a apontar para uma vitória de Donald Trump. De qualquer forma fui dormir ainda convencido que o resultado seria outro. Despertei pelas 02h30 com uma mensagem de uma aplicação do telemóvel (Miami Herald) a anunciar a vitória de Trump. Fiquei obviamente surpreso, mas já estava de certa forma preparado para o resultado em função do evoluir quer das sondagens quer da própria votação.

A forma como foi noticiado o período eleitoral – que sempre apontou Hillary Clinton como vencedora – foi dissonante em relação à realidade vivida nos EUA? Acha que havia uma perceção errada sobre o que realmente se passava?

Acho que o que se passou aqui não foi substancialmente diferente do que se passou um pouco por todo o Mundo. Verificou-se uma diferença substancial entre o discurso e as previsões dos media e a realidade. Não creio que a perceção fosse errada porque foi baseada em tudo que a imprensa transmitiu acerca do processo e dos candidatos desde a primeira hora.

Algo que evidentemente se sentiu de forma diferente por aqui foi a minha constatação do facto de que a administração Obama não tinha por cá a aceitação que os europeus pensam. Os últimos dois mandatos de Obama têm muitos críticos internos e que baseiam o seu descontentamento em factos concretos que afetaram a vida quotidiana de muitos americanos, nomeadamente a nível de impostos e do sistema de seguros de saúde. Há também um desfasamento grande numa certa América desencantada (apesar de a taxa oficial de desemprego ser de 4,7%, há cerca de sete milhões de americanos que já não constam das estatísticas porque simplesmente desistiram de procurar trabalho). Outros que pensam que a posição da América no Mundo sofreu um retrocesso com a agenda internacional de Obama, e isso é algo que é muito importante para os americanos, que têm uma preocupação quase obsessiva com a segurança e o papel de liderança dos Estados Unidos a nível mundial.

Para resumir, sim, há um certo número de assuntos, dos quais só toquei em dois ou três que diferenciam a realidade vivida do lado de cá do que se percebe visto da Europa. O que posso, no entanto, dizer é que a surpresa com o resultado foi a mesma vista daqui.”

Como é a comunidade em que está inserido no seu dia a dia profissional?

A comunidade em que trabalho e vivo (trabalho num grupo de restaurantes português) permite-me manter contacto com alguma da comunidade portuguesa residente aqui em Miami (há que dizer que não somos muitos, estima-se que seremos cerca de 2000 portugueses em Miami, o que não é quase nada numa cidade de cinco milhões de pessoas). Mas convivo no trabalho e fora dele com a realidade multicultural de Miami que é composta de uma mistura de latino americanos, mas também de bastantes americanos. Creio que trabalho no meu dia a dia com pessoas de cerca de quinze países diferentes onde se incluem alguns europeus também.

Quanto tempo pensa ficar nos Estados Unidos e de que forma é que este resultado vai afetar o seu dia a dia no futuro?

Para a primeira pergunta ainda não tenho resposta. Depende de muitos fatores ainda. Não penso regressar num futuro próximo. Este resultado vai afetar o meu dia a dia na medida em que afeta a economia. A emigração só faz sentido se a economia no país de acolhimento estiver pujante e justificar a mudança. Creio que ainda é muito cedo para dizer seja o que for. No entanto, acredito que o sistema de governo norte-americano, assente numa divisão de poderes entre as duas câmaras (Senado e Congresso) e o poder judicial, que aqui efetivamente funciona, produz um escrutínio apertado da ação presidencial (o que aqui se designa “checks and balances”). Penso que não se vai passar nada de substancialmente diferente do que tem sido a vida normal por aqui. Por cá estaremos a ver que tal.

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