Artigo de Rui Maia
Licenciado em História, mestre em Património e Turismo Cultural pela Universidade do Minho – Investigador em Património Industrial.
No dia 30 de junho de 1878, inaugurava-se em Viana do Castelo uma das mais notáveis obras de arte da Casa Eiffel & Cia, desenhada pelo punho de um dos mais brilhantes engenheiros de todos os tempos – Alexandre Gustave Eiffel – que a considerou a sua obra-prima.
A faustosa Ponte Eiffel, ou “ponte velha”, epíteto que ganhou na cidade, é sustida por onze pilares de alvenaria e cantaria (em forma sub-circular), em que dois desses pilares se situam nas margens – pegões-encontro.
Não obstante, Eiffel empregou pela primeira vez em Portugal o processo da fundação – pilares – através de caixões de ar comprimido, a profundidades que variavam entre os 20 e os 23 metros. Além disso, pelo menos até 2011, a Ponte Eiffel de Viana do Castelo constituiu-se como a maior ponte contínua em todo o mundo, cujo tabuleiro foi colocado através do método de “empurre”.
A obra de arte caracteriza-se pela sua expressiva extensão, espraiando-se por uns impressionantes 736 metros, entre a margem norte – Viana do Castelo – e a margem sul – em Darque, observando, naturalmente, os dois viadutos de acesso.
A sua feitura é de tal modo requintada, que até mesmo os tradicionais trajes minhotos se podem emparelhar com o belo rendilhado de ferro pudlado, como se de vestes de “mordomas” se tratassem. A velha Ponte de Eiffel não precisa do ouro para mostrar a sua opulência, ela cintila nas águas do Lima, como se de fototipia se tratasse.
A superestrutura é uma maravilha da ciência e da técnica, cujas memórias se fazem transportar para lá dos horizontes de uma cidade.
Aos que partiram em busca de uma vida melhor abandonando este país – essa diáspora pulverizada pelo mundo – carregaram certamente nas retinas e nos seus corações essa ponte, pois, ela é caminho de partida e de chegada, de tradição e de memória, elemento fundamental da paisagem urbana cingindo-a com todo o seu esplendor, vincando a identidade de uma região.
Além do seu papel na construção da cultura regional, a Ponte Eiffel extravasa o seu próprio berço, pois, ela internacionaliza-se, na medida em que representa o apogeu de um tempo, de um paradigma – o das construções em ferro – numa simbiose entre imaginação, arrojo e concretização, sendo levada e projetada por esse mundo fora, sobretudo pelos turistas que, muitas vezes, a sabem apreciar melhor do que as próprias comunidades locais.
Na região do Minho a Ponte Eiffel de Viana do Castelo é o pináculo do património industrial rodoferroviário, caracterizada por uma complexidade construtiva impressionante, constituindo-se como a obra de arte mais importante na Linha do Minho, seguida pela Ponte Internacional de Valença do Minho – Tui (1886), sob o rio Minho, também rodoferroviária – a de Viana do Castelo contempla no tabuleiro superior a rodovia e no inferior a ferrovia, precisamente o inverso da de Valença do Minho – Tui.
Ao fim de quase uma centúria e meia, e com uma vontade de ferro, a Ponte Eiffel de Viana do Castelo proporciona uma das mais belas panorâmicas da cidade para quem a atravessa. O caminho, suspenso, mas firme e convicto, é razão e vida para as comunidades locais e outras, cujos destinos se entrelaçam com o arrojo e os progressos de Oitocentos, num tempo de metamorfoses, em que o século XXI nada mais é que a continuidade do ontem, com todas as ruturas e inovações que isso possa implicar.
Trata-se de um elemento que marca um tempo, uma época, um período regenerador, que se manifesta nos inúmeros melhoramentos materiais de que Portugal ansiava, tais eram as suas contingências antes da adoção dos Caminhos de Ferro (1856) – porventura o empreendimento mais transformador do século XIX português.
A colossal Ponte Eiffel de Viana do Castelo, aguarda desde 2019 (Diário da República – Anúncio n.º 105/2019, de 17 de junho), pelo desfecho do seu processo de classificação como Monumento Nacional, ato que deveria ter ocorrido há muitas décadas, mas que, mais vale tarde do que nunca.
Em 2018, aquando da comemoração dos 140 anos, lancei o repto à autarquia local para que criasse um centro de interpretação da Ponte Eiffel, e de todo o património industrial ferroviário de Eiffel na região, como as extintas pontes do Neiva, Cávado, ou até do Âncora, que apesar de não se ter extinguido, vai-se extinguir pela inércia política que envolve um processo de resgate em que está envolvida.
Há um documentário da RTP (2023) onde se pode perceber de forma mais profunda a vida e a obra de Eiffel em Portugal. Hiperligação: Eiffel & Cia em Portugal: Vontade de Ferro
Todavia, há todo um património industrial ferroviário – cultural – que se podia conjugar na Linha do Minho, até a cidade do Porto, onde se encontra a Ponte Maria Pia, ou a Ponte Luís I, cujo potencial é enorme no âmbito do turismo industrial, mas que Portugal não sabe / não quer aproveitar, ao invés do que sucede em Inglaterra, onde tudo se aproveita e potencia, dinamizando a economia, a cultura, etc.
No entanto, em analogia, para se perceber a fome, é condição sine qua non senti-la, o mesmo se aplica stricto sensu ao património cultural – não se sente, não há gente.
Todo o Minho é oiro,
é gente, é sorriso.
Romaria, fogo, alarido,
fé e procissão, amor perdido.
Em ti, Minho meu,
berço do meu ser.
Aqui cheguei tenro,
aqui irei apodrecer.
Ungindo a terra de sentidos,
de suspiros que me deste.
Desses segredos escondidos,
obras do Santo Mestre.