A candidatura do “Pai Velho”, tradição do Entrudo da aldeia do Lindoso, em Ponte da Barca, como Património Cultural Imaterial será registada, em junho, no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, informou hoje o autor do estudo daquela tradição.
Contactado pela agência Lusa, na sequência do anúncio, hoje, pela Câmara de Ponte da Barca da apresentação, em maio, do estudo que vai suportar a candidatura, Álvaro Campelo classificou aquela manifestação popular como “ritual único” em Portugal, que terá origem em práticas de “sacralização do território”.
“É um ritual que tem origem e transporta uma tradição que vem de tempos imemoriais. Não há uma datação para definir o seu aparecimento. O seu caráter excecional não é só pelo uso de carros de tração animal, como pela figura do Pai Velho, como o famoso carro das ervas. Seria um ritual que percorria o lugar de Castelo para sacralizar e fertilizar as terras, no momento, em que o inverno põe em causa a sobrevivência”, explicou o antropólogo.
Na freguesia de Lindoso, lugar de Castelo, em pleno coração do Parque Nacional da Peneda Gerês (PNPG), a festa do Entrudo dá pelo nome de “Enterro do Pai Velho” e é organizado pela associação Amigos do Lindoso.
“É dos rituais mais arcaicos da celebração de Carnaval em Portugal. Tem a ver com o ritual de fertilidade, do fim de ciclo de inverno e de sacralização das terras, de renovação da comunidade e da natureza”, especificou.
A tradição, única no país, assinala o início do ano agrícola nas povoações da serra. Trata-se de um cerimonial ancestral que representa a despedida do inverno e dá as boas-vindas à primavera.
“No passado não sabia se a terra iria ou não dar fruto, novos alimentos. As comunidades tinham essa preocupação de, através de rituais mágico-religiosos, levar o sagrado aos terrenos a fertilizar”, especificou Álvaro Campelo.
Segundo o investigador, a figura do “Pai Velho” personifica “o mundo velho, o inverno, o passado, que se queima e elimina para que surja um novo”.
Há mais de 15 anos que Álvaro Campelo estuda aquela tradição ancestral, sendo o responsável pelo estudo contratado, em 2020, pela Câmara Municipal com a intenção de o inscrever na Lista Nacional do Património Cultural Imaterial, após a apreciação da Direção Geral do Património Cultural.
Segundo Álvaro Campelo, “não existe outro ritual igual em Portugal”, afastando semelhanças com as celebrações rituais como os Caretos de Podence, em Macedo de Cavaleiros [em Trás-os-Montes], Património Cultural Imaterial da Humanidade, nem com a Festas dos Rapazes ou de Santo Estevão, em Ousilhão-Vinhais e Grijó de Parada, no distrito de Bragança.
A tradição do “Enterro do Pai Velho” começa com um cortejo pelos caminhos da aldeia em que participam apenas dois carros de bois: um com o busto de madeira do “Pai Velho”, que representa o inverno, e um outro dito “das Ervas”, representando a primavera.
Segundo a tradição, o carro do “Pai Velho” deve ter rodados de madeira de nogueira, chiando ruidosamente.
Atrás dos dois carros, seguem os tocadores de concertina, acompanhados em coro pela população, que vai entoando letras antigas locais.
Um ritual que se repete na terça-feira de carnaval. O desfile volta a sair às ruas, pela manhã, enquanto de tarde se realiza um baile animado por tocadores e cantadores ao desafio.
A festa termina perto da meia-noite com o “Enterro do Pai Velho”. A figura do “Pai Velho” é queimada numa grande fogueira, no centro do lugarejo, e é feita a leitura do testamento por ele deixado, onde satiriza publicamente situações que, durante o ano, andam na boca do povo, não poupando ninguém.
Apesar de toda a encenação, o busto do “Pai Velho”, em madeira de castanho, não é queimado, ficando guardado em local secreto, a cargo dos mais velhos da aldeia, até à festa do próximo ano.