Os pais que são mães

Vânia Mesquita Machado, colunista em O MINHO.

Dedicado a todos os bons pais.

Um fim de manhã abafado, o sol traiçoeiro a rasteirar o adolescente asmático, os pólens em coreografias invisíveis no céu muito azul, a crise de falta de ar já se adivinhava nas últimas noites, a falta de medicação de alívio a agravar o estreitamento dos brônquios, o peito a arder como nessa noite as sardinhas assariam nas festas saojoaninas.

O pai catalogado como pai importante pois vinha recomendado por um colega, estava paradoxalmente tranquilo, despido de exigências, aparentava preocupação pelo estado do filho que não tinha estado com ele nos últimos dias pois era divorciado, depositava confiança na médica que o questionava sobre a doença.

Não, não sabia se a mãe lhe tinha dado a medicação.

A médica rapidamente percebeu que a crise era grave, o sangue não estava bem oxigenado, chamou a interna e a enfermeira para agilizarem o tratamento.

Em pouco tempo o rapaz estava a iniciar nebulizações, e repousava na sala de observações, o pai era a sombra do filho, não o largava um minuto sequer.

Algum tempo depois uma senhora bem arranjada e vistosa abordou a enfermeira a perguntar pelo seu filho, seguiu então impecavelmente direita do alto dos saltos agulha como se desfilasse numa passerelle em direção à cama do rapaz asmático,saindo minutos mais tarde de porte altivo e olhar distante.

A tarde arrastou-se com lentidão, era véspera de São João, na sala de observações o pai não arredava pé, mantinha-se ao lado do filho que entretanto adormecera exausto, os pulmões inflamados a roubarem-lhe o sono nas noites anteriores.

A enfermeira sugeriu ao pai que fosse comer qualquer coisa, o menino estava estável, este agradeceu gentilmente mas não deixava o seu filho sozinho apesar de o saber em boas mãos, não era mesmo capaz.

O odor intenso a sardinha infiltrava-se pelas frinchas das janelas do hospital, a noite caíra, ao longe o barulho dos martelinhos, a festa popular a contentar miúdos e graúdos, as tristezas esquecidas nessa noite em que ninguém levava a mal.

O adolescente a levar a mal porque a mãe se recusara abandonar a sardimhada para ir ter com ele novamente, o adolescente a tirar uma selfie dele deitado numa cama de hospital com máscara de oxigénio e a publicar no seu mural de facebook, os comentários a choverem no post, a mãe a ligar-lhe nos minutos seguintes a exigir que retirasse a fotografia porque o estava a envergonhar. O pai cansado sem almoçar e sem jantar mantinha-se firme à cabeceira do filho, mais aliviado porque se notava que o rapaz estava muito melhor e em breve iriam para casa.

A mãe desfrutou do resto da sardinhada e da noite de festa.

O pai abraçou com força o filho quando a médica lhe deu a alta, ouvindo atentamente as recomendações para o tratamento nos dias seguintes em casa.

Era um pai que era mãe…

 
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