O enguiço do Prédio Coutinho (Viana do Castelo) e o Mercado Municipal

Prédio Coutinho. Foto: Joca Fotógrafos / O MINHO

ARTIGO DE OPINIÃO

Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia

Licenciado em História, mestre em Património e Turismo Cultural pela Universidade do Minho – Investigador em Património Industrial

Esta poderia ser uma história de ficção, um filme de Harry Potter, ou até mesmo uma novela ao estilo brasileiro, repleta de suspense, intrigas, amores e ódios. Porém, trata-se de uma série de episódios de um verdadeiro drama que roça a psicose, tal é a insanidade inscrita no guião. Toda a trama começa com a venda de uns terrenos do antigo Mercado Municipal de Viana do Castelo (funcionou entre 1892 e 1965), a Fernando Coutinho, em 1972, para a construção de um edifício de habitação com treze andares.

Todavia, no início deste século, o então autarca de Viana do Castelo apresenta o programa Polis (2000), visando entre outras coisas, demolir o Prédio Coutinho. Passados cinco anos (2005), é publicada em Diário da República a declaração de utilidade pública para expropriação do Prédio Coutinho, com a bênção de um dos maiores atores de outra trama, cujo epílogo estará para chegar aos cinemas, ou, como quem diz, aos tribunais. Desde então, o processo entra na via judicial, em que a VianaPolis gladia com os moradores, sucedendo-se uma catadupa de ações, como providências cautelares, arrastando-se nos tribunais até 2017, altura em que é lançado concurso público para a demolição, cifrada em 1,7 milhões de euros. Todavia, em 2018, o enguiço entra em ação e, mais uma vez, nova providência cautelar, atrasando a revelação do desfecho de tal façanha. Porém, em 2019, a VianaPolis inicia o processo de desconstrução das frações até então desocupadas que, todavia, havia de padecer de novo enguiço, desta feita por mais uma providência cautelar interposta pelos denominados “resistentes” que ainda permaneciam nas suas legítimas frações.

Em 2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julga improcedente a última tentativa de travar o processo de desconstrução do Prédio Coutinho movida pelos últimos moradores. Nesse mesmo ano, é lançado novo concurso público para proceder à desconstrução do edifício pelo exato valor do concurso anterior, arrancando de seguida as obras de desconstrução efetiva do Prédio Coutinho.

Ora, a novela continua, desta feita com concursos públicos que visam adjudicar a construção do novo Mercado Municipal, porém, ao que parece, o enguiço é de tal ordem movido pelas energias do universo que ninguém lhe pega. A Câmara Municipal lançou concurso público em 2023, em 2024 e este ano, cujo prazo foi inclusive dilatado, mas mesmo assim, nada, nem uma luz bruxuleante ao fundo do túnel. 

Quem sabe se trate mesmo de um enguiço, movido pelos Deuses a pedido dos que ali viviam e que se finaram, para castigar o poder temporal, que um dia levou a efeito semelhante maldade. A política tem destas coisas, que não sucedem por acaso, são a conjugação de ações que, confrontadas com as entidades superiores, saem sempre derrotadas e espezinhadas.

Até o Sr. Coutinho se deve rir, pois, tanta pressa em desconstruir o Prédio Coutinho, para quê? Não o poderiam deixar estar altaneiro, mantendo-se o lar de muitas famílias? Podia, naturalmente que sim. 

Ao recordarmos que nessa trama até circo tivemos, não admira que os bilhetes se tenham esgotado, e agora já ninguém passa cartão a um chão queimado após tanta brincadeira. E, se o subsolo está impregnado de água, será porventura para amenizar o inferno que em cima ardeu e se viveu.

A terminar, lembremos que, após o 25 de abril de 1974, António Alves da Cunha (1923-2005), o primeiro presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo eleito democraticamente concretizou ao longo de três anos do seu curto mandato mais de 1500 casas para habitação social. Ao passo que, desde então, nenhum outro o igualou como estadista e benfeitor, antes pelo contrário, preferiram destruir e derreter dezenas de milhões de euros por capricho, por desamor e desrespeito pelo erário público e pelo país – sobretudo num tempo em que há uma falta gritante de habitação.

No meio de toda a trama, importa lembrar que seria de toda a justiça atribuir a uma rua de Viana do Castelo o seu nome, ou erguer-lhe uma estátua, com a finalidade de trazer alguma pedagogia aos que auspiciam tomar o leme dos destinos da autarquia. 

Oxalá Paulo de Morais seja o próximo timoneiro, seria uma aragem, um novo paradigma, tempo de novos tempos e de novos projetos para uma Viana do Castelo enguiçada em vários níveis da sua vida social, económica e territorial.

 
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