A Fundação Franz Weber, Organização Não Governamental (ONG) internacional manifestou-se hoje contra a eventual classificação da “Vaca das Cordas”, em Ponte de Lima, como Património Cultural Imaterial.
Para aquela ONG, fundada em 1974 na Suíça pelo jornalista Franz Weber, e com estatuto consultivo junto de organismos como o Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas e a UNESCO, “esta proposta, que vem da Câmara Municipal, nem sequer é original”.
“É a estratégia seguida pelo lóbi tauromáquico em Portugal, Espanha e França, bem como em vários países americanos, para tentar manter artificialmente os acontecimentos violentos fora dos avanços sociais e legislativos que estão a ocorrer”, considera, em comunicado enviado a O MINHO.
A organização alega que “a repetição de ações no mesmo sentido não constitui, por si só, uma necessidade de proteção institucional ou governamental”.
Salienta também que Portugal ratificou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e foi objeto de alertas por parte do Comité dos Direitos da Criança, pelo que a proposta de Ponte de Lima procura legitimar a presença de crianças e adolescentes em eventos tauromáquicos. “Assim, a FFW considera que a sua declaração também não é aceitável”, pode ler-se.
A ONG suíça diz ainda que o “crescente desinteresse do público pelos espetáculos ou eventos tauromáquicos, que se consolida em cada estudo sociológico, põe em causa a própria sobrevivência da tauromaquia” com uma declaração muito concreta para procurar o seu escudo jurídico contra propostas abolicionistas ou novas regulamentações.
“A isto junta-se a importante rejeição internacional, mesmo de territórios vizinhos como a Galiza, onde as touradas estão confinadas a um único município durante dois dias por ano”, acrescenta.
E, posto isto, conclui: “Assim, e perante três argumentos fundamentais: as tradições não justificam a proteção institucional, existem alertas internacionais e o carácter minoritário per se não implica a proteção da violência exercida sobre os animais como elemento patrimonial, a FFW solicita a recusa desta declaração de património”.
Tradição remonta a 1646
O Património Cultural irá decidir sobre o pedido de inventariação no prazo de 120 dias após a conclusão do período da consulta pública.
A tradição da “Vaca das Cordas”, que se realiza em junho, na véspera do feriado do Corpo de Deus, obriga a que o animal saia para as ruas da vila, pelas 18:00, conduzido por cerca de dezena e meia de pessoas e preso por duas cordas.
É levado até à Igreja Matriz e preso à janela de ferro da Torre dos Sinos, sendo-lhe dado um banho de vinho tinto da região, “lombo abaixo, para retemperar forças”, conforme reza o costume local.
Dá depois três voltas à igreja, sempre com percalços e muitos trambolhões à mistura dos populares que ousam enfrentá-lo, após o que é levado para o extenso areal da vila, dando lugar a peripécias, com corridas, sustos, nódoas negras e trambolhões e até pegas de caras amadoras.
Nas ruas do centro histórico irá cumprir-se, madrugada dentro, a confeção dos tapetes floridos, por onde irá passar a procissão do Corpo de Deus.
Depois daquele ritual, o animal será abatido no matadouro. A carne será vendida num talho de Ponte de Lima.
A mais antiga referência que se conhece da “Vaca das Cordas” remonta a 1646, quando um código de posturas obrigava os moleiros do concelho (ministros de função) a conduzir, presa por cordas, uma vaca brava, sob condenação de 200 reis pagos na cadeia.
Mais tarde, segundo o Código de Posturas de 1720, a pena agravava-se para 480 réis. Diz a lenda que a Igreja Matriz, da primitiva vila, era um templo pagão dedicado a uma deusa, simbolizada por uma vaca.
Posteriormente, este templo foi transformado em igreja pelos cristãos que retiraram do seu nicho a imagem da “deusa vaca” e com ela deram três voltas à igreja, após o que a arrastaram pelas ruas da vila.
Daí virá o costume da “Vaca das Cordas”, um ritual que foi interrompido em 1881 pela vereação, tendo reaparecido por volta de 1922, para não mais deixar de se realizar.