A opereta “Maria da Fonte”, de Augusto Machado, com novo libreto e encenação de Ricardo Neves-Neves, direção musical do maestro João Paulo Santos e a meio-soprano Catia Moreso como protagonista, vai ser apresentada no Multiúsos de Fafe no sábado.
Com um cariz cómico, a opereta baseia-se no facto histórico que foi a revolta popular das mulheres minhotas de Fonte Arcada, na Póvoa de Lanhoso, em 1846, contra as decisões legislativas do Governo constitucionalista liderado por António Bernardo Costa Cabral que instituíam normas de recrutamento militar dos jovens e a proibição dos enterramentos nas igrejas, mas em cemitérios afastados das povoações, por razões sanitárias.
A opereta, com libreto original escrito por Batalha Reis, Gervásio Lobato e João Francisco de Eça Leal, estreou-se em 1879 no Teatro da Trindade, em Lisboa. As partes não cantadas da versão original estão dadas como perdidas e foi necessário um trabalho de reconstrução desse texto dramático, que ficou a cargo de Neves-Neves, que teve em conta as características deste tipo de opereta, nomeadamente as piadas às situações coevas.
“As operetas viviam muito do contexto [da época] e havia piadas só entendidas [nesse] quadro sociocultural”, explicou Ricardo Neves-Neves em 2023, aquando da apresentação da opereta em Lisboa.
No novo texto surgem referências à ação da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), às marchas do orgulho LGBT, a Karl Marx (1818-1883), a bebidas contemporâneas e até às celebrações do centenário do Parque Mayer, em Lisboa.
No ano passado, também a propósito da estreia em Lisboa, João Paulo Santos elogiou o trabalho de Neves-Neves e afirmou: “Se não fosse com o Ricardo Neves-Neves eu teria dito que não”.
Referindo-se à opereta, João Paulo Santos disse: “Só há as partituras que põem alguns problemas de recuperação, mas isso é o natural, e as partituras têm o texto cantado, não têm nada do que se passa entre cenas, a não ser uns apontamentos escritos à mão pelo Augusto Machado, que os utilizou com certeza para a estreia, e que são ‘deixas’ para fazer sinal à orquestra que se ia tocar. De resto tinha de se inventar uma história a partir do que se podia perceber do texto cantado e arranjar um texto para a união de tudo”.
O maestro reconheceu que organizar as partituras foi “um puzzle”.
As partituras foram encontradas na casa da bisneta do compositor, disse o maestro, acrescentando que havia uma partitura para canto e piano, que foi por onde Augusto Machado começou, uma outra que terá utilizado para as récitas, “que, como de costume, a partir do meio está escrita à pressa e é de difícil leitura”, e há uma cópia a limpo “que devia ser boa, mas está incompleta”.
Todas as partituras do compositor Augusto Machado (1845-1924) foram doadas pela bisneta à Biblioteca Nacional, onde se encontram, atualmente, disse João Paulo Santos.
A trama da opereta envolve Maria da Fonte, o seu amante Ludovino, um agricultor rico, e a sua irmã, Joana, com fortes suspeitas de traições amorosas, e uma conspiração entre o administrador local, Vilar, e o abade Cortições, que se subentende ser pai de Maria da Fonte e de Joana, a quem Neves-Neves acrescentou um namorado. O administrador e o abade procuram congeminar uma forma de enviar os rapazes para o exército e combater o povo.
No palco do Multiúsos de Fafe vão estar o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, a Orquestra Sinfónica Artave e os solistas Cátia Moreso, Luís Rodrigues, Marco Alves dos Santos, Inês Simões, Eduarda Melo, João Merino e Tiago Matos.
“Maria da Fonte”, é o segundo título recuperado pelo Laboratório de Ópera Portuguesa, criado em 2022.
O primeiro foi “Cortes de Júpiter”, uma adaptação da tragicomédia de Gil Vicente, também por Ricardo Neves-Neves, com música de Filipe Raposo, apresentada em fevereiro de 2022 no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.