O presidente da Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos (OVAR), Almeida Santos, criticou hoje os governantes portugueses dos últimos 40 anos por não cumprirem tratados e convenções internacionais sobre os direitos nas prisões.
“Portugal é sistematicamente condenado pelo Conselho da Europa e pelas Nações Unidas, porque não cumpre os tratados e as convenções internacionais que assina e a que está obrigado”, afirmou Almeida Santos, defendendo que “quem devia estar nas prisões é quem desempenha funções de responsabilidade e tem obrigação de dar o exemplo no cumprimento das leis”.
Falando numa das conversas de café do evento “Terra Justa”, que está a decorrer em Fafe, moderada pelo jornalista Hernâni Carvalho, o presidente da OVAR insistiu que, apesar dos governantes violarem “conscientemente e alertadamente tratados e convenções internacionais, ainda são premiados pela população que os elege”.
Muito crítico em relação à situação do sistema prisional português, Almeida Santos apontou vários indicadores que colocam Portugal nos piores lugares da Europa, sinalizando o tempo médio de cumprimento de pena, de 32 meses, quatro vezes mais do que a média da União Europeia.
Considerando que “as prisões são um inferno,” o conferencista exortou os presentes a um “escrutínio” das pessoas em quem votam.
“Quem viola a lei e se considera acima daqueles que condena, reclamando para si o estatuto de imunidade, não deve merecer o nosso voto”, reforçou, referindo nunca ter visto “nenhum ministro ou deputado a ser preso”.
“Andamos a reclamar direitos humanos, mas depois somos inimigos da humanização de todas as estruturas prisionais”, destacou ainda, criticando a comunicação social por ter, por vezes, um “papel de incitamento à vingança, ao ódio e ao castigo”.
Numa alusão implícita à sobrelotação das cadeias portuguesas, acentuou que o país tinha menos reclusos quando vivia em ditadura do que tem em plena democracia.
Indicou, a propósito, que em 1972 havia 3.405 reclusos, número que foi crescendo até a população prisional atingir cerca de 14.000, em 2014.
“Então a democracia põe mais gente nas prisões?”, perguntou aos presentes.
O presidente da OVAR referiu, depois, que 80% dos presos tem a ver com problemas ligados à droga, a maioria jovens, defendendo, por isso, um novo enquadramento legal para o problema.
“Se houver um enquadramento legal das drogas, acaba-se isto e permite-se fazer uma grande campanha de prevenção e de dinamização do conhecimento para os perigos da toxicodependência, como se fez com o tabaco e com o álcool”, declarou.
Almeida Santos aludiu, também, ao problema de o trabalho nas prisões em benefício de empresas privadas ser mal remunerado, referindo casos de pessoas a receberem dois euros por cada oito horas de trabalho.
Para o dirigente da OVAR, trata-se de “aproveitamento de trabalho escravo” envolto “em opacidade”.
Ainda sobre o quotidiano das prisões, alertou para a má qualidade da comida servida aos reclusos, observando que um dia de alimentação de cada cidadão preso, incluindo todas as refeições, custa ao Estado 3,70 euros, valor que disse ser demasiado baixo.
A Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos foi fundada em 1969 e recebeu, em dezembro, o Prémio Direitos Humanos 2018, da Assembleia da República.
No programa de sexta-feira do “Terra Justa – Encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade”, dedicado ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), vão ser homenageados o ex-diretor-geral da Saúde Francisco George e o pai do SNS, António Arnaut, a título póstumo.