“No parque apenas restou o carro do museu… E se tivesse água, juro que até esse sairia”

Artigo do comandante dos Bombeiros Voluntários de Braga sobre os incêndios de 15 de outubro de 2017
Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

Pedro Ribeiro
Comandante dos Bombeiros Voluntários de Braga

Nunca poderei esquecer o dia 15 de Outubro de 2017, sobretudo porque continua a ser dos maiores incêndios que afetaram Braga e, claro, o restante país. Nesse mesmo ano, todos estávamos ainda a recuperar do choque ocorrido com os incêndios de Junho em Pedrógão. Tínhamos a noção que o alerta adivinhava algo grande. Recordo-me que, na noite anterior, sentia-se um clima bastante quente. Do quartel, tinha vindo uma mensagem para alerta na Serra do Carvalho e logo no início contava já com bastantes meios para o combate. Como a madrugada não tinha sido fácil e logo pela manhã, foram mobilizados mais meios para lá. Uma área grande com bastantes habitações em risco, tinha já ardido, e os Bombeiros estavam desgastados. Ainda assim permaneciam nas suas guarnições, com vontade de combater. Esta zona tinha já sido exemplo de grandes incêndios em 2005 e 2011. Nessa tarde recordo, apesar de todos os esforços, de alguns populares, que se insurgirem contra nós. Homens e Mulheres lutam muitas vezes por um punhado de terra e ainda assim são mal tratados.

“Homens e Mulheres lutam muitas vezes por um punhado de terra e ainda assim são mal tratados”

Bombeiros Voluntários de Braga tentam apagar incêndio numa casa em Fraião. Foto: Paulo Jorge Magalhães / Arquivo 2017

Surge então um novo pedido para apoio num incêndio na zona da Morreira, mais concretamente numa casa devoluta. Toca a arrumar o material e seguir para nova ocorrência. Lembro-me de estar a passar em S. Paio d’ Arcos e a Santa Marta estar muito calma, sem actividade. Na verdade chegamos ao TO [teatro de operações] e já várias corporações de Bombeiros combatiam um outro incêndio vindo do Monte da Sr.ª da Saúde. Após ter extinto o incêndio na casa devoluta, foi-nos dada nova missão. Apesar de estarem outros camaradas na mesma situação, sem almoço ou jantar, sem descansar, aceitamos e fomos para junto de Esporões, nos Marinhais, no caminho de acesso à Santa de Marta. Ficamos incrédulos com o cenário. Parecia 2011, mas desta vez era bem pior… Pedi imediatamente meios, mas não havia… Definimos então a estratégia de defender as habitações… Mas só havia um carro com 2.800 litros de água e 5 operacionais.

Guimarães e Barcelos mais tarde juntaram-se a mim (para além de Sapadores, Taipas, Famalicenses, Terras de Bouro, Amares) e tentaram passar para cima, mas apesar do esforço, não era possível. Tinha pessoas a chorar e a rezar à minha beira. Pediram-me para ir para a esquerda, direita, em frente, mas não tinha como.

Que sensação de impotência!!!

Foto: Paulo Jorge Magalhães

Fomos fazendo um verdadeiro milagre de afastar as chamas das habitações. Ao fim de muitas horas tivemos que ir abastecer o veículo com combustível e foi aí que ficamos ainda mais sobressaltados ao ver o cenário geral. Desde a cidade víamos toda a Santa Marta e em direcção ao Sameiro e Bom Jesus, tudo a arder… Meu Deus!!!

“No parque apenas restava o carro de museu… E se tivesse água, juro que até esse sairia”

Chegados ao quartel, fomos rendidos. No parque apenas restava o carro de museu… E se tivesse água, juro que até esse sairia.

Depois de 5 anos, muito foi investido, no entanto sem alteração da legislação por parte do Governo. Os terrenos continuam por ordenar e os incendiários muitas vezes por identificar. Quanto a nós, Bombeiros, temos que nos preparar para incêndios cada vez mais violentos, característicos do século 21 e suas alterações climatéricas.

O nosso lema é Vida por Vida.

 
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