Natalya Zherzherunova e a filha Varya encontraram em Braga um porto seguro para levarem uma vida o mais normal possível, sem pensarem na guerra na sua Ucrânia natal, muito graças à integração no basquetebol do SC Braga.
Ambas chegaram a Portugal há um mês, fugindo da guerra no seu país e vindo ter com o filho e irmão mais velho, Bogdan Isachenko, guarda-redes integrado nos sub-19 bracarenses poucas semanas antes de a guerra começar, após um período de testes.
“Quando a guerra começou e a minha mãe foi forçada a sair, a única pessoa que a podia receber era eu. Com a ajuda de um grande clube como o SC Braga era muito mais fácil poder trazê-la e à minha irmã”, contou à agência Lusa o jovem guardião de 18 anos, que traduziu partes da conversa com as familiares.
Natalya, 43 anos, tem um passado importante como atleta: foi jogadora profissional de basquetebol e internacional pelo seu país durante oito anos, tendo terminado a carreira em 2011. Passou mais tarde para a Federação ucraniana de basquetebol e, desde há cinco anos, integra também o Ministério do desporto daquele país.
O clube ‘arsenalista’ integrou-a na secção de basquetebol e a ucraniana dá agora apoio no treino das equipas de minibasquete, o setor com mais jovens na modalidade no SC Braga, referiu o coordenador da secção, Miguel Moura, à Lusa.
“Não senti dificuldades na adaptação e tudo tem sido fácil para mim aqui graças à forma como o clube me ajudou e à minha família”, contou Natalya Zherzherunova à Lusa pouco antes de mais um treino.
Para a ex-jogadora, foi fundamental nesta sua nova vida fora da Ucrânia continuar “ligada ao basquetebol”, modalidade que pratica desde tenra idade e com a qual sempre permaneceu relacionada.
“Faço o que gosto. Quando acaba um treino, estou logo a pensar no próximo. Estou entusiasmada por trabalhar aqui e fazer parte do basquetebol deste clube. Não penso no futuro, só no agora, e estou muito satisfeita por poder ajudar os treinadores e os jovens jogadores”, disse.
Conhecedora de várias seleções portuguesas e da forma como essas equipas jogavam, Natalya Zherzherunova considera que a maior diferença entre o basquetebol dos dois países tem a ver com questões de mentalidade e até culturais.
“Em Portugal, há mais brincadeira com as crianças, na Ucrânia é mais estrito, mais disciplina. Nos primeiros anos, os nossos treinadores tentam fazer com que os jovens gostem da modalidade, depois disso, pelos 12/13 anos, torna-se como um trabalho e não é possível brincar com o basquetebol, é preciso disciplina, senão não consegues; se vires isto como um ‘hobby’, é melhor sair porque estás a perder tempo”, explicou.
Segundo Natalya, na Ucrânia, o “governo exige resultados, talvez aqui o Governo não exija isso”.
A filha, Varya, de nove anos, tem aulas todos os dias via Zoom com os seus professores em Kiev, pelo que os três treinos semanais são o único contacto que tem com os colegas portugueses, o que Natalya considera “muito importante” por poder estar com outras crianças.
Tímida e só a saber algumas expressões básicas em português, a menina surge na sala da entrevista e refere estar “muito feliz” por estar em Braga e “satisfeita com os treinos e com os treinadores”.
“Ela joga há cerca de dois anos e quero que, quando regressarmos à Ucrânia, ela esteja a um nível superior. Não quero pensar nisso, mas se ficarmos muito mais tempo cá, ela tem que preparar-se. Nos tempos livres, temos treinos extra, eu treino-a nos campos de basquetebol de rua, em Braga. O meu treino é mais intenso e sou mais estrita para ela”, contou Natalya, entre sorrisos.
Para Miguel Moura, a participação e integração de Natalya e de Varya têm sido “muito positivas”.
“Obrigou-nos a pensar o minibasquete de maneira diferente, a Natalya traz uma ‘mão-de-obra’ qualificada, sendo que em Portugal temos muito poucos recursos e a nível feminino ainda temos menos. Traz alguém que já competiu a alto nível como jogadora, que já fez parte de uma federação mais ou menos ao nível da nossa e que chega com espírito livre. É um exemplo para nós e pode ajudar-nos a elevar o nosso nível”, disse.
Salientando o papel social do clube, o responsável revelou que a ideia “é alargar a participação” de Natalya “e integrá-la num projeto de visita às escolas”. “Queremos levar o basquetebol a cerca de 2000 crianças das EB1 e EB2,3 do concelho”, completou.
Sobre Varya, nota a timidez potenciada pelas naturais dificuldades na comunicação, “mas basquetebolisticamente falando tem muito talento”.
“Tem nove anos, mas compete com os sub-12 e tem uma capacidade fora do normal. Tem muitos recursos. Na Ucrânia, eles não têm cestos pequenos, ela já treinava cinco vezes por semana nos cestos grandes, tem muito a ver com a mentalidade daqueles países e a forma como veem o desporto. Aqui, há muito a vertente lúdica, lá é para ser o melhor”, avaliou.
O marido de Natalya também está ligado ao basquetebol e era o treinador da seleção ucraniana da variante 3×3 (já experimentada nos Jogos Olímpicos Tóquio2020), estando agora a “defender o território” ucraniano.
“Tenho outras possibilidades para continuar a minha vida, mas a nossa família decidiu que, em princípio, ia ficar em Braga até as escolas reabrirem as portas para as crianças na Ucrânia”, porque isso significará também que “a guerra acabou”, concluiu Natalya.
Reportagem de Guilherme Soares, da agência Lusa.