Um médico do ACES (Agrupamento de Centros de Saúde) de Braga terá de quebrar o sigilo profissional, a mando do Tribunal, e depor como testemunha num inquérito que corre no Ministério Público de Braga, por suspeita de crimes de peculato e de tráfico de produtos estupefacientes agravado.
Em acórdão de janeiro, os juízes da Relação dizem que, “apesar de ter sido legítima a recusa em causa”, a quebra do sigilo médico é exigível face “à preponderância do interesse da administração da justiça”.
Segundo o acórdão, o inquérito “iniciou-se com uma participação da ARS Norte noticiando que, numa consulta médica, um utente ex-toxicodependente, durante a investigação de algumas queixas álgicas, revelou que faz uso de morfina subcutânea que “uma amiga” que trabalha no Hospital local “lhe dá”, descrevendo, detalhadamente, quer a embalagem da morfina quer o procedimento, inclusive com uso de agulhas subcutâneas que a mesma “amiga” lhe fornece”.
Nessa sequência, considerou o MP que tal factualidade, em abstrato, pode integrar a prática dos crimes de peculato, um crime de trafico de produtos estupefacientes agravado.
Médico recusa
“Iniciadas as diligências de investigação, foi inquirido o médico, que, nessa consulta, obteve tais informações, o qual confirmou a situação, mas, instado no sentido de identificar o utente e a citada amiga que trabalhava no Hospital, invocou o dever de segredo ao abrigo do Estatuto da Ordem dos Médicos e do Código Deontológico”, lê-se.
Então, o Ministério Público solicitou a necessária autorização à Ordem dos Médicos, que conferiu legitimidade à posição do clínico, não autorizando o levantamento do sigilo profissional.
A magistrada titular do inquérito considerou que, sem essas informações, “não se consegue identificar os suspeitos dos crimes, nem desenvolver quaisquer outras diligências de investigação, sendo imprescindível, para a descoberta da verdade material, o depoimento do referido médico onde este identifique o citado utente”.
O juiz considerou legítima a recusa e determinou a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Guimarães.
O artigo 135 do Código de Processo Penal é agora invocado pelos juizes, o qual, ao aludir ao “Segredo Profissional” no seu nº 1, prevê que “os médicos podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo”, dizendo o nº 3 do mesmo normativo que a intervenção do “tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional”.
Sublinham que isso pode acontecer “sempre que se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos”.
“Assim, o dever de segredo profissional não é um dever absoluto, isto é, não prevalece sempre sobre qualquer outro dever que com ele entre em conflito”, concluem.