Como cuidar de um familiar em casa que apresente dependência por motivo de doença? Esta é uma dúvida que assola muitas famílias a braços com alguém internado e que se prepara para regressar ao lar. Sem apoio de enfermeiras, médicos e auxiliares, o trabalho pode-se complicar longe do hospital. Mas, no Hospital de Braga, é possível ganhar competências sobre como cuidar de um doente, tanto em doenças de rápida recuperação como as que são para a vida toda. E, para isso, os familiares podem estar todo o dia no hospital, numa espécie de formação para cuidador informal.
O MINHO ouviu a enfermeira-chefe Elisabete Dias Pinheiro, rosto do projeto do Hospital de Braga para cuidadores informais “Cuidar em Parceria”, a propósito do Dia Mundial do Doente, que se assinala na sexta-feira. Graças a este projeto, os familiares podem passar todo o dia com o doente internado e aprender os métodos mais práticos junto de enfermeiros, médicos e auxiliares. “Este tipo de informação não pode ser dado no momento da alta. Tem de ser com acompanhamento enquanto está internado”, defende. E, depois da alta, o hospital ainda fornece um contacto para apoio.
Elisabete explica que o projeto começou a ser ‘desenhado’ em 2017, entrando em funcionamento no ano seguinte. Até chegada da pandemia, em março de 2020, auxiliou “mais de 300 pessoas” que passaram a ter desde logo uma formação básica de cuidados informais. “Uma das áreas para o plano de gestão do hospital era o envolvimento precoce da família no plano do tratamento do doente”, relembra a enfermeira-chefe, a propósito do início deste projeto, onde foi nomeada responsável “para desenvolver iniciativas e constituir um grupo de trabalho”.
Elisabete conta que, inicialmente, a ideia não foi muito bem aceite pelo ‘staff’ do Hospital. Queixavam-se que, para além de todo o trabalho que já tinham, ainda iam ter de estar a ensinar os familiares a cuidar do doente. No entanto, e depois de o projeto estar em prática, rapidamente se percebeu que não era um transtorno.
A responsável dá conta que os familiares, quando o doente ainda está internado, não estão muito conscientes que podem ter de ser cuidadores informais, seja a curto, médio ou longo prazo. “Há a mãe que sofre um AVC ou uma queda e deixa de ser autónoma”, exemplifica para alguns dos casos em que a família se vê, de um momento para o outro, a ser cuidador.
Família desconfia menos dos profissionais de saúde
Outro dos ‘ganhos’ para o ‘staff’ também passa por uma menor desconfiança por parte das famílias: “Deixam de desconfiar, deixam de questionar tantas vezes como estão os familiares, e essa área ocupa muito tempo”. Elisabete dá ainda conta que os familiares estão sempre acompanhados por um profissional, enquanto estão no hospital: “É também uma mais valia para o doente, porque está o familiar mais próximo, e uma aprendizagem que se faz de forma natural”.
“A ideia é ter o maior acompanhamento possível, porque alguém acompanhado é melhor doente do que aquele que está sozinho e ansioso. E muitas vezes as famílias não têm disponibilidade”, aponta.
Horários
Elisabete recorda que, de forma histórica e cultural, os hospitais sempre foram muito fechados, com horários de visita pouco flexíveis. “Aqui, foi uma mudança de paradigma para as equipas, no sentido em que a pessoa que é cuidador informal é convidada para estar logo às 09:00 horas no hospital para ficar envolvida em todos os cuidados ao familiar. “Mas podem ficar as 24 horas, se houver condições nos serviços”, aponta Elisabete, alertando, contudo, para “o reverso da medalha”: “Se o cuidador fica aqui 24 horas, poderá começar a ficar cansado. E por isso temos de dosear e aconselhar as pessoas a irem descansar enquanto o doente está internado, porque depois em casa vai ser mais trabalhoso”.
Projeto para (quase) todos os serviços
Quando começou, o projeto estava direcionado para doentes com incapacidade, mas isso foi mudando e, hoje, só as áreas de psiquiatria, obstetrícia e pediatria é que não estão abrangidas.
Já o período de formação, “tanto pode levar uma semana, 15 dias ou 3 semanas, se for um doente altamente dependente”: “Esses doentes precisam de muitos dias de preparação, e até costumo dizer que é um curso de enfermagem intensivo, porque quanto mais cedo as famílias se preparem, melhor para quando os doentes regressarem a casa”, salienta a enfermeira.
Este projeto também abrange, por exemplo, doentes vítimas de queda que até saem no dia seguinte. Mas a família tem de aprender, por exemplo, a desapertar os ferros de um colete, em caso de necessidade.
Convites
É a própria equipa que faz os convites aos familiares, como explica a enfermeira: “Ligámos e perguntámos: vocês querem vir aprender a cuidar? Se a pessoa quiser, tudo bem. Muitas vezes só podem ao domingo, e a equipa que estiver de serviço faz a preparação. Isto abrange todos os serviços de internamento, excepto psiquiatria, obstetrícia e pediatria – porque os pais já estão presentes nessa última situação”.