Renata e Marcus Meirelles andavam há uns anos a pensar em mudar para Portugal, a eleição de Jair Bolsonaro foi o empurrão final que precisavam para tomar a decisão. Aquilo que parecia fácil, porque são ambos descendentes de portugueses, tornou-se numa via-sacra, por não conseguirem sequer falar com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Quando começaram a considerar a hipótese de vir viver em Portugal, Renata e Marcus contrataram um advogado para os ajudar a obter a nacionalidade portuguesa, com base no facto de serem descendentes de avós portugueses. No caso de Marcus, o processo correu dentro da normalidade e ele tornou-se cidadão português, desde junho de 2018.
Renata não conseguiu a nacionalidade por esta via. Apesar de saber que o avô paterno era natural da ilha de São Miguel, nos Açores, não foi possível provar essa proveniência documentalmente. “Confusões de nomes iguais nos registos. Desistimos de ir por essa via, até porque o Marcus já era português e eu podia obter uma autorização de residência para reagrupamento familiar”, relata Renata.
Sabendo da demora associada a estes processos, até porque há muitos brasileiros emigrados em Portugal e uma autêntica rede de informação sobre todos os passos que é preciso dar, Renata acautelou-se meses antes de vir para Portugal. O primeiro contacto com o SEF, por correio eletrónico, é de janeiro de 2021. “Ainda a partir do Brasil, tentei fazer o primeiro agendamento com o SEF”, conta Renata. A resposta remeteu-a para o Centro de Contacto, através de dois números de telefone, um da rede fixa outro da rede móvel.
Os telefones tocam e ninguém atende
Acontece que, desde essa altura, Renata não consegue falar com o SEF da forma sugerida. Os telefones, ou tocam ad aeternum sem ninguém os atender, ou a chamada é interrompida. Entretanto, o casal foi dando seguimento ao seu plano de mudança para Portugal. Ainda a partir do Brasil, sinalizaram a compra de uma casa em Pevidém, Guimarães. Em maio de 2021, assinaram a escritura desta propriedade, onde agora vivem. “Estamos a trazer dinheiro do Brasil para Portugal e nem assim é mais fácil”, lamenta Marcus.
No Brasil, Marcus tem uma empresa unipessoal de engenharia de hardware que faz projetos para diversas empresas. Agora trabalha remotamente, a partir de Portugal, para os clientes que deixou no Brasil, mas os planos passam por fazer o negócio cruzar o Atlântico também. “Estamos procurando clientes aqui. Já obtive o reconhecimento pela Ordem dos Engenheiros. Mas pretendemos fazer uma transição suave, para já tenho que trabalhar com os clientes que deixei lá, mas quero desenvolver aqui”, afirma.
A opção de vida do casal Meirelles continuava a esbarrar na impossibilidade de conseguir fazer um contacto, apenas para agendamento, no SEF. Em setembro de 2021, Renata fez nova tentativa por correio eletrónico e voltou a ser remetida para os mesmos números anteriores, “informa-se que as marcações não podem ser feitas através de e-mail”, lê-se no cabeçalho da mensagem. Em todo o caso, em nota, a resposta do SEF informa que o Decreto-Lei nº 22-A/2021, de 17 de março, prorroga os documentos de permanência em território nacional expirados a partir de 24 de fevereiro 2020, até 31 de dezembro de 2021.
Renata entrou em Portugal, com visto de turista (por 90 dias), em outubro de 2021, o que significa que, sem esta norma, já estaria numa situação de permanência ilegal. Um alívio temporário, mas não uma solução. “Fico presa em Portugal, não posso sequer ir a Espanha, porque estou ilegal na União Europeia”, queixa-se.
Ninguém atende no SEF. Vídeo: Rui Dias / O MINHO
Impedida de trabalhar por não poder voltar a entrar em Portugal
Renata é jornalista e encontra-se a colaborar com um investigador brasileiro sobre o arquitectura barroca. No seu trabalho de levantamento precisa de viajar para países da União Europeia, mas também para o Reino Unido. “Esta situação está a tornar-se muito limitativa, porque eu tenho um prazo que tenho que cumprir e não consigo viajar. Por exemplo, agora teria de viajar para o Reino Unido, mas se o fizer não volto a entrar em Portugal”, lastima.
Em novembro de 2011 a saga de telefonemas diários para o SEF continuava. “Telefonar para o SEF tornou-se numa profissão a tempo inteiro, mas sem sucesso”, relata Renata. Através de um novo contacto por email ficaram a saber que a única forma de agendar um atendimento, para tratar do reagrupamento familiar, continuava a ser através do telefone, mas, entretanto, os números tinham mudado. Em vez dos “800” agora passavam a ser um vulgar “21…” para a rede fixa e um “9…” para a rede móvel.
Mudaram os números, mas não a cantiga. No número fixo agradecem o contacto em português e inglês, mas “de momento não é possível atender a sua chamada” e desliga. O número móvel, até há alguns dias atrás nem sequer completava a ligação, agora responde com a mesma mensagem do número fixo.
“O pedido de concessão ou renovação de autorização de residência ao abrigo da presente subsecção deve ser apresentado pelo nacional de Estado terceiro junto da direção ou da delegação regional do SEF da sua área de residência”, lê-se no artigo 96º, da Lei nº 23/2007, de 04 de julho, que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Acontece, porém, que para fazer apresentação deste pedido é preciso conseguir um agendamento que só pode ser feito por duas linhas telefónicas que não são atendidas.
Casa do Brasil de Lisboa pode ajudar
Na Casa do Brasil de Lisboa, há mais relatos de pessoas há um ano à espera, “infelizmente é habitual”. Esta associação de apoio aos emigrantes brasileiros tem uma interligação “mais direta” com o SEF “por via de um endereço de email para as associações”. “Tem sortido efeito, embora não haja nenhum protocolo de resposta, pode demorar dois dias, duas semanas ou dois meses”, afirma Vítor, da Casa do Brasil. A associação também ajuda os emigrantes a reunirem toda a documentação necessária, para que quando são chamados a uma entrevista não desperdicem a oportunidade. A Casa do Brasil, contudo, não pode ajudar as pessoas que pretendem obter autorização de residência ao abrigo dos artigos 88º e 89º da Lei de Estrangeiros, para pessoas que se encontram a trabalhar, nesses casos os pedidos devem dar entrada pelo portal Sapa.
A 03 de janeiro de 2022, Renata continuava a insistir por correio eletrónico, desta vez, com alguma ironia, começava a mensagem com “boa tarde, feliz 2022”. Tinha passado um ano desde que começara a tentar agendar um atendimento no SEF. Explicou que os números sugeridos para marcar o agendamento não eram atendidos, mas só obteve como resposta mensagens exatamente iguais às anteriores, remetendo para a mesma solução.