A antiga aldeia comunitária de Vilarinho da Furna, foi evocada numa iniciativa da Cinemateca Portuguesa, da Associação dos Antigos Habitantes de Vilarinho da Furna (AFURNA) e da Câmara de Terras de Bouro, já com atividades educativas entre os próximos dias 01 e 04 de outubro, que envolvem o Plano Nacional de Cinema e o Agrupamento de Escolas de Terras de Bouro.
O momento mais aguardado decorreu na noite deste sábado, com a exibição da versão digitalizada do filme evocativo da antiga aldeia comunitária de Vilarinho da Furna, situada num vale profundo do Gerês, em Terras de Bouro, realizado há 52 anos, em jeito de inovação das memórias daquela povoação, fundada há cerca de dois mil anos, depois da construção da Geira Romana.
A Cinemateca Portuguesa digitalizou o filme, levando-o até às suas origens, em Vilarinho da Furna, onde AFURNA tem ainda três mil hectares, entre propriedade privada e baldios, além no Campo do Gerês ou São João do Campo, no concelho de Terras de Bouro, mas que confinam, igualmente, com Ponte da Barca, Montalegre e Lobios, o primeiro município da vizinha Galiza.
O filme, sendo designado no plural, como “Vilarinho das Furnas”, é do ano de 1971 e tem 77 minutos, tendo sido através de uma pequena câmara de 16 milímetros, sem som síncrono, isto é, como som gravado aparte da câmara, porque esta só filmava, que o realizador António Campos realizou aquele que é já considerado um dos clássicos a preto e branco do cinema português.
Com a versão melhorada da primeira longa metragem de António Campos, foi possível reviver o drama do afundamento de uma aldeia que continua a ser caso de estudo, destacando-se a oposição dos furnenses, face ao Estado Novo e à Arquidiocese de Braga, bem como à Hidráulica do Cávado, a antecessora da EDP, pois nunca pagou as indemnizações consideradas justas.
Vilarinho da Furna, caraterizada pelo seu forte comunitarismo e entreajuda, através de leis próprias, executadas através de um sistema rotativo de gestão da comunidade, nunca mais saiu dos holofotes, desde que Jorge Dias fez uma tese de doutoramento, vivendo na aldeia durante um ano e meio, com observação participante, com a esposa, Margot Dias, que recolheu o cancioneiro.
Depois da publicação dessa tese, “Vilarinho da Furna, Uma Aldeia Comunitária”, em 1948, na Universidade de Munique, por Jorge Dias, também Miguel Torga dedicou parte dos seus escritos à aldeia, inclusivamente aquando do afundamento, fase em que entrou em cena o realizador António Campos, que registou em filme as lutas e já a debandada final de Vilarinho da Furna.
Este sábado, 52 anos depois do filme original, a exibição da versão digitalizada lotou o anfiteatro do Museu da Geira Romana, depois de uma visita ao Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna, situado também no Campo do Gerês, em Terras de Bouro, a par de uma deslocação até às imediações da antiga aldeia, a partir de um estradão, ao longo da margem direita do rio Homem.
Manuel de Azevedo Antunes, o presidente da Associação dos Antigos Habitantes de Vilarinho da Furna (AFURNA), ladeado pelo guardião da antiga aldeia, António Barroso, explicou detalhadamente, não só as origens, como os usos e os costumes da comunidade agro-pastoril, constituída por 57 famílias, quando foi desmantelada, entre as décadas de 60 e de 70 do Século XX.
Devolver o filme à comunidade
Segundo os responsáveis pela Cinemateca Portuguesa, “Vilarinho das Furnas” é “um dos filmes mais importantes do cinema português, promovendo com a Câmara Municipal de Terras de Bouro, na primeira semana de outubro, iniciativas pedagógicas alusivas, com a comunidade escolar, tendo a autarquia recebido já diversos livros e filmes, por parte da Cinemateca Portuguesa.
Tiago Bartolomeu Costa, o coordenador do Projeto FILMar, explicou a O MINHO que “o trabalho da Cinemateca Portuguesa tem sido de descoberta, de preservação e de divulgação, visando também a devolução às comunidades dos filmes que ali foram realizados, como agora ‘Vilarinho das Furnas’, de António Campos, cujo centenário do nascimento decorreu o ano passado”.
Após a sessão do projeto FILMar, integrada no programa europeu A Season of Classic Films, da Associação das Cinematecas Europeias, já é possível ver gratuitamente “Vilarinho das Furnas”, até 4 de outubro, a partir do site da Cinemateca Portuguesa, como foi anunciado este fim de semana pelo seu subdiretor, Rui Machado, que se deslocou expressamente a Terras de Bouro.
A nova versão digitalizada de “Vilarinho das Furnas” é legendada em português, espanhol, francês e inglês, para além de ter legendagem portuguesa para surdos, estando a registar já um grande interesse pelo público, com destaque para os mais jovens, como familiares de antigos habitantes de Vilarinho da Furna e alunos da Escola de Música de Terras de Bouro, que ali atuaram.
Tiago Lameira, de 32 anos, engenheiro informático, residente em Vieira do Minho, é um dos descendentes dos Habitantes de Vilarinho da Furna, tendo assistido a todas as atividades deste sábado e afirmado a O MINHO “ser filho e neto de uma família aqui da antiga aldeia, que tinha muitas cabeças de gado e explorações agrícolas, orgulho-me muito de pertencer a essa família”.
Descendente da Família Verdego, de Vilarinho da Furna, Tiago Lameira destacou “ter um interesse acrescido por tudo aquilo que diz respeito a Vilarinho da Furna, com muita curiosidade em conhecer toda a histórica que está aqui debaixo destas águas do rio Homem, em que as pessoas pensavam essencialmente em sobreviverem, sempre com um estilo de vida muito simples”.
“As pessoas trabalhavam de sol a sol, para nada faltar e ter a casa farta, quando os meus avós foram obrigados a sair daqui, tal como todas as outras famílias, tiveram de encontrar alternativas, no nosso caso foi mudar para o outro lado, Vieira do Minho, passando-nos os mesmos valores, ao ponto de também eu gostar muito dos trabalhos da terra”, ainda segundo Tiago Lameira.