Os maiores produtores de gado caprino de Arcos de Valdevez estão preocupados com a falta de pasto para os animais por causa da seca e temem pelo futuro das suas explorações se a chuva teimar em não cair.
Alexandre e a mulher Rosa Fernandes, cada um com a sua exploração agrícola, juntam, todos os dias, o rebanho com 460 cabras de raça bravia e rumam à serra do Gião, montanha situada na vertente sul da serra do Soajo, junto ao vale do rio Lima.
Na serra, que na zona mais alta abrange as freguesias de Soajo, Cabana Maior, Ermelo e Vale, e que está situada no interior da bacia hidrográfica do rio Lima, a “erva escasseia” e cresce a preocupação do casal com a alimentação dos animais, que tem de ser reforçada com rações e fenos que “custam muito dinheiro”.
“Tenho 200 cabras paridas [em fase de aleitamento das crias] que estão a ter mais dificuldades com o leite. Nas duas últimas semanas notei uma quebra enorme, para metade, no leite e é preciso para tratar dos cabritinhos”, contou Alexandre.
O pastor viu-se “obrigado” a comprar rações e feno para compensar para “sobretudo as cabras paridas”, porque “se falha o leite, as crias não crescem” e Alexandre quer “servir bem” os clientes que procuram o seu cabrito para a Páscoa.
“Tive de reforçar a dose, porque os animais chegam da serra com fome e estou a pôr-lhes uma média de 20 a 30 fardos de feno, por dia, na corte”, especificou.
Desde dezembro, por causa da seca, os 800 fardos de feno que Alexandre colheu, e que em outras alturas dariam para reforçar a alimentação das cabras adultas para criarem os cabritos, acabaram e o lavrador teve de comprar.
“Em seis toneladas de ração e feno gastei entre quatro e cinco mil euros. Mandei vir de Espanha porque sai a melhor preço”, afirmou, explicando que o modo de produção biológica da sua exploração implica uma ração própria, mais cara.
Se não chover, a gestão das explorações agrícolas de Alexandre e Rosa Fernandes “complica-se” e o futuro não se apresenta fácil.
“Se até meio de fevereiro não chover, começa a ficar bastante complicado. Nós vivemos disto e, para alimentar os animais, menos sobra para nós”, observou, referindo que uma ajuda do Estado é sempre bem-vinda.
“Eu não sou pedincha, tenho subsídios e apoios, mas da maneira que isto vai, se continuar este tempo mais 15 dias, torna-se bastante complicado”, confessou.
A mesma aflição assombra Dário Lima que, em abril do ano passado, viu um relâmpago matar-lhe 68 cabras.
Já refeito da tragédia, o pastor de 53 anos reorganizou o rebanho e continua a atividade de toda a vida. No lugar de Ferreiros, freguesia de Gondariz, todos os dias recolhem às cortes da sua exploração 350 cabras. As 50 vacas de raça cachena, essas vagueiam-se pelos montes, alimentando-se do que encontram pelo caminho.
“Há pouco pasto nos campos e no monte e as águas [nascentes] são poucas. Para já, às cabras boto-lhes feno nas manjedouras. Cinco fardos todas as noites. As vacas ainda andam na serra, comem o que apanham”, aponta o pastor.
Típica do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), a vaca Cachena é a mais pequena raça bovina portuguesa e uma das mais pequenas do mundo. O animal atinge uma altura máxima de 110 centímetros e sobrevive ao frio nas serras da Peneda, Soajo e Amarela.
Se a falta de chuva se arrastar, impedindo os montes de “rebentarem” [pastagens], a situação não se complica só no imediato.
“Se não vier a chuva em fevereiro ou março, para o ano vai ser pior, porque as águas vão embora. Vem o verão, os montes secam e não há pastos. Temos de comprar mais feno. Aqui colhemos pouco feno e temos de mandar vir de Espanha. Se não vier a chuva em abril e maio, os fenos não puxam e haverá menos feno no próximo ano”, alertou.
Ricardo Santos, de Cabreiro, tem mais de 40 cabeças de gado, entre éguas e vacas de raça chacena e barrosã.
Nos montes, “os pastos estão todos secos e a pouca coisa verde” que ainda resiste acaba “queimada pela geada”.
“Está bastante complicado. As éguas andam mais em baixo, porque nos altos não encontram nada. As vacas é o feno que comem, à noite, na corte. Além disso, há muito pouca água para beberem”, referiu.
Ricardo ainda tem reserva de feno que colheu, apesar de estar a “dar mais quantidade” do que era habitual dar.
“Se não cair chuva urgentemente, os animais indo para a branda até morrem à sede e as pastagens não rebentam. Vai ficar muito mal e não vai ser fácil”, confessou.
Uma branda ou inverneira é constituída por cardenhas, construções rudimentares feitas em granito e xisto que formam um conjunto ímpar não só pela sua tipicidade, como também por serem de fácil acesso.
As cardenhas eram os abrigos dos brandeiros, pastores e agricultores que cumpriam a chamada transumância. Permaneciam naquelas casas rústicas de abril a setembro, para retirar partido de melhores pastos. Regressavam à aldeia quando as chuvas e ventos agrestes prenunciavam o fim de mais um ciclo.
Reportagem de Andrea Cruz, da agência Lusa.