Artigo de Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia
Licenciado em História, mestre em Património e Turismo Cultural pela Universidade do Minho – Investigador em Património Industrial.
O caminho de ferro chegou à vetusta cidade de Braga há praticamente meio século. Quem diria que, após ter sido desenhado o “novelo” em 1900, ou seja, as designadas linhas complementares ao norte do Mondego, ainda hoje se discutam os atrasos na nossa ferrovia? Não, ninguém cogite que em pleno século XXI se planeia melhor do que há meia centúria, em que se pretendia dotar o País de uma vasta e riquíssima rede ferroviária que, a ter sido plenamente executada, configuraria na realidade hodierna um valor imensurável em múltiplos aspetos, sobretudo, corrigindo muitas das assimetrias territoriais com que Portugal se confronta. Diria mesmo que teria sido a solução para inúmeros problemas que o País atravessa, como um dos mais flagrantes – a sua gritante falta de coesão territorial, social e económica. Todavia, como na primitiva Estação de Braga (atualmente agachada e absorvida pela nova Estação) em que o povo ficava à espera – à espera de um sinal no horizonte, quiçá, dos traços de fumo que pairavam na atmosfera, emanados pelas encantadoras locomotivas a vapor – o nosso povo continua a esperar e a desesperar. Esperavam também que os caminhos de ferro os levassem onde nunca tinham ido, e o País seguisse o mais possível em linha reta, tal como a generalidade dos carris, na senda do progresso que tanto auspiciava. Enfim, o povo foi vendo os comboios passar com enorme regozijo, até que no último quartel do século XX se despoletou o processo de abate de centenas de quilómetros de linhas ferroviárias, e com elas todas as infraestruturas de apoio, não esquecendo os postos de trabalho que foram extintos e toda a economia circular que gravitava nas regiões que foram vítimas desse atentado. Era, em boa verdade, Portugal a engrenar a marcha-atrás, como sucedeu em muitos países da Europa que não souberam lidar com aquela realidade adversa. Outros, pelo contrário, seguiram na esteira do progresso, mantendo e incrementado os meios de transporte sobre carris.
Nos tempos hodiernos as mais importantes autarquias da região (como as do designado Quadrilátero) orientaram a discussão para a necessidade de se reavivar a ferrovia, voltando a dar alento a troços e linhas desativadas, em muitos casos reconvertidas em circuitos pedonais e clicáveis. Andamos às voltas com a criança ao colo e ela não para de chorar, ou seja, esgrimimos o que está mais que esgrimido, sabemos o que é mais que sabido, e depois? A montanha acaba por parir um estafermo de um rato! Apenas e só porque somos um País onde não se planeia, onde os horizontes são curtos – como os que são impostos ao burro de carga – a quem se limita a visão periférica, não se consultando as populações, onde tudo nos é apresentado até com certa arbitrariedade.
A Estação de Braga foi palco de muitas felicidades, pelos que chegavam, e de muitas lágrimas, pelos que partiam. No fundo, tudo se resume à busca incessante do Homem por uma vida melhor, para si e os seus. No século XIX muitos foram os portugueses que seguiram rumo ao Brasil e de lá regressaram com avultadas fortunas, como o caso do benemérito Conde de Agrolongo. Outros, emigraram mais tarde para ajudar a reerguer a Europa devastada, após o fim da II Grande Guerra Mundial, ou até os milhares de militares que percorreram as linhas ferroviárias portugueses em direção ao Ultramar, do qual Oliveira Salazar nunca abdicou. Ao longo de praticamente um século e meio a ferrovia desempenhou um papel de importante relevo na História de Portugal.
No século XIX um dos erros crassos foi o facto de se ter construído a Estação de Braga nos arrabaldes da cidade, levando a que anos mais tarde, em 1914, as linhas dos americanos que deram lugar aos elétricos, contribuíssem para remediar o problema. Hodiernamente é importante que os políticos se dispam da arrogância que muitas vezes os caracteriza e se dediquem de corpo e alma a solucionar os problemas das populações e do País. Afinal, nunca percebi porque é que os políticos tanto gostam de cortar fitas e fazer campanhas de marketing pessoal, quando devem apenas executar sob a égide dos mais elementares princípios éticos e morais as funções que lhes foram confiadas pelo povo. Estar na política não é estar em palco, é servir o País, se querem palco podem ser cantores populares com as suas cantigas de embalar. Braga, tal como muitas cidades portuguesas, padece da atrofia que os políticos lhe impuseram com as suas escolhas erradas e irresponsáveis. Não basta resolver o “nó de Infias”, é preciso tirar o nó da gravata e colocar as mãos na massa, fazendo o que há muito deveria ter sido feito – através de um planeamento de longo prazo. Não podemos continuar na expectativa de ver o País agachado, vergado à mais vil das qualidades humanas – o egoísmo – sob pena de fazermos o que foi feito à Estação de Braga, ensombrada por um descomunal desordenamento volumétrico, onde a única orientação é a Rosa-dos-Ventos – porque, caros leitores, enviesada que está a construção deste País, continuaremos a afundar mais e mais. O País, sine die para se corrigir, há de seguir na esteira do abismo, como um qualquer ser humano rendido aos encantos da droga, Portugal rendeu-se definitivamente aos encantos da mediocridade, ao canto da cigarra. Assim, encontrámo-nos na próxima Estação ou Apeadeiro de reflexão, se, entretanto, não extinguirmos a vontade de escrever, tal é o estado calamitoso da Nação.