ARTIGO DE OPINIÃO
Nuno Afonso
Mestre em Finanças pela NOVA SBE e licenciado na FEP em Economia. Atualmente a trabalhar no Banco Central Europeu
Na última semana, Arcos de Valdevez foi confrontado com uma realidade que muitos já conheciam: o consumo de drogas junto às escolas está a tornar-se cada vez mais visível. Segundo notícia do jornal Notícias dos Arcos, a vereadora da Educação anunciou que irá reunir com a GNR, enquanto a comunidade exige mais fiscalização. Este tipo de resposta imediata e reativa é compreensível. Mas será que resolve a raiz do problema?
Acredito que não. E mais: insistir unicamente nesse caminho pode até agravar o problema, alimentando a marginalização dos jovens e afastando-os ainda mais do sistema que os devia incluir.
O que dizem os dados? Em Portugal, 62% dos estudantes já viram colegas consumir drogas. Quase metade presenciou esse consumo dentro das próprias escolas. E 3,2% dos jovens consumidores afirmam fazê-lo todos os dias. Entre jovens institucionalizados (centros educativos), os números são ainda mais alarmantes: 76% já experimentaram drogas ilícitas (a maioria, antes dos 16 anos).
O problema não é exclusivo de Arcos de Valdevez. Nem sequer é novo. O que mudou foi o grau de exposição e a banalização. Cada vez mais jovens consomem drogas à vista de todos, sem medo, muitas vezes sem sequer saberem porquê.
A explicação não está apenas nas drogas. Está no vazio. Um vazio de sentido, de pertença, de tempo bem usado. A escola, para muitos, já não diz nada. Os currículos são afastados da realidade e das vocações dos jovens. Os cursos profissionais que deveriam ser uma alternativa com sentido prático e ligação ao mundo do trabalho continuam a ser vistos como um “recurso de segunda”.
Acresce a isto o ócio: depois das aulas, muitos jovens ficam entregues a si mesmos, sem atividades estruturadas, sem mentores, sem rumo. Conforme envelhecem e entram na adolescência, sentem um vazio existencial. Este, cada vez mais acentuado pelo mundo online que cria ilusões de um mundo fácil e de prazer imediato.
Note-se, a pobreza e exclusão são tão ou mais importantes, mas este artigo aborda essencialmente a banalização do consumo. Contudo, as medidas sugeridas também se adequam e abordam esta problemática.
Policiamento ajuda? A presença policial pode reduzir o consumo em espaços públicos ou a visibilidade do problema, mas os dados internacionais são claros: o policiamento por si só não resolve. No Reino Unido, ações intensivas de “stop and search” resultaram numa redução de apenas 5% da criminalidade juvenil. Já estratégias comunitárias integradas reduziram em até 33%.
O perigo de confiar só na força policial é simples: não atacamos a causa, apenas deslocamos o problema.
Como alternativa, enumero algumas medidas com impacto real e endógenas:
- Reformulação profunda dos cursos profissionais: Foco na prática, estágios reais, orientação vocacional e ligação à economia local. Apesar de o financiamento ser avultado e existir dinamismo, estes cursos ainda estão presos a burocracias que os impedem de cumprir o real propósito. Porque é que um jovem a estudar Mecatrónica tem uma disciplina de Português igual a alguém em Humanidades? Porque é que a componente prática não se baseia no super sucesso alemão em que os alunos passam parte da semana na aula e a outra parte no estágio? Porque investir em material desnecessário e não investir numa melhor remuneração desses estágios? Admito que a resposta para estas e muitas outras questões teriam de ser respondidas a nível nacional e até internacional. Contudo, mostro nos pontos abaixo que é possível criar valor a nível local.
- Mentoria de pares: Programas como o Big Brothers Big Sisters, nos Estados Unidos, mostraram resultados impressionantes: uma redução de até 45% no consumo de drogas entre os jovens acompanhados. A chave está no acompanhamento próximo, desde muito cedo: este programa começa a partir dos 5 anos de idade, muito antes de surgirem as crises existenciais ou o ócio desestruturado da adolescência. A ideia é simples, mas poderosa: um jovem é emparelhado com um mentor mais velho, que lhe oferece escuta, apoio emocional e orientação de forma informal, mas consistente. E isto não é apenas para jovens de meios desfavorecidos. Faz tanto sentido com crianças em risco de exclusão como com crianças de famílias estáveis. No primeiro caso, a necessidade é óbvia. No segundo, menos discutido, o argumento é igualmente forte: toda a criança, mesmo num ambiente familiar saudável, pode beneficiar por ter alguém “de fora” com quem possa falar abertamente sobre temas difíceis sem julgamentos, com espaço para dúvidas, conflitos e descobertas. A presença de um mentor é, muitas vezes, o fator que transforma um momento de fragilidade numa oportunidade de crescimento.
- Tempo livre com sentido: integrar jovens na comunidade: Prevenção mais eficaz não acontece apenas dentro da escola. A verdadeira transformação surge quando os jovens são parte ativa da comunidade, com tempo livre estruturado, significativo e envolvente. É isso que demonstra o modelo Planet Youth, implementado com enorme sucesso na Islândia.
Nos anos 90, a Islândia tinha um dos maiores índices de consumo de álcool e drogas entre jovens da Europa. Hoje, é o país com os níveis mais baixos. O segredo? Um trabalho profundo e articulado entre escolas, famílias, municípios, clubes locais e associações, com enfoque claro em:
- Redução drástica do tempo livre destruturado;
- Participação dos jovens em atividades extracurriculares com verdadeiro significado emocional e social;
- Criação de redes de suporte comunitário, onde os jovens são acompanhados de forma contínua e próxima.
Em Arcos de Valdevez, já existem Clubes culturais e artisticos e Desporto Escolar, o que mostra um terreno fértil. Mas o problema está na superficialidade e dispersão: muitos jovens não se sentem realmente ligados ao que fazem. Não é suficiente “ocupar o tempo”. É preciso dar sentido ao tempo livre.
A proposta é clara: que as crianças e jovens sejam integradas nas associações culturais, desportivas e sociais locais, num trabalho conjunto com a escola, as famílias e o município. Que se crie um sistema contínuo de acompanhamento e pertença, em que o jovem sinta que tem um papel e não apenas uma atividade.
Com base no modelo islandês, os municípios que seguiram esta abordagem registaram reduções superiores a 35% no consumo de substâncias entre os 15 e os 18 anos, e melhorias significativas nos indicadores de saúde mental, autoestima e desempenho escolar.
Um exemplo em Portugal é o projeto “Cidade das Crianças”, criado pelo pedagogo Francesco Tonucci, propõe que crianças e jovens participem ativamente na construção da sua comunidade, desde a organização do espaço público até decisões políticas locais. Já implementado em municípios portugueses como Valongo e Torres Vedras, este modelo tem mostrado que, quando os jovens sentem que a sua voz conta, desenvolvem um maior sentido de pertença e propósito. Esta abordagem alinha-se diretamente com a ideia que defendo: a necessidade de integrar os jovens em atividades extraescolares com impacto real.
O que muda uma vida é sentir que se pertence a algo maior.
O consumo de drogas entre os jovens não é um problema policial. É um problema social, educativo e comunitário. Se a escola voltar a fazer sentido, se o tempo livre for valorizado, se os jovens tiverem onde pertencer e em quem confiar, o espaço para a droga encolhe.
Mais polícia pode fazer sentido pontualmente. Mas o que precisamos, urgentemente, é de mais propósito.