O Dia Internacional da Tolerância, celebrado no dia 16 de novembro desde 1996, é recordado hoje num mundo com mais debate, acesso à informação e tentativas de inclusão. No entanto, os casos de intolerância continuam a existir, e questões como a pandemia e até a guerra fizeram os números subir.
A Comissão do Conselho da Europa contra Racismo e Intolerância (CCERI), no seu relatório publicado em junho, explicou que a pandemia de covid-19 reforçou a discriminação principalmente contra imigrantes, ciganos, negros e LGBTQIAP+.
No Minho, acontecem casos positivos e negativos de tolerância. Algumas vezes até na mesma situação.
Thayná Lima, de 26 anos, é brasileira e trabalhava no setor de qualidade de uma fábrica de meias em Braga. Durante visita feita por uma equipa externa, ao dar “bom dia”, a supervisora apercebeu-se, pelo sotaque, que era brasileira. “Teve uma reação de surpresa. Perguntou o meu nome e quando eu disse ‘Thayná’, ela respondeu: claro que não tem nome de gente, isso não me espanta”, conta a O MINHO.
Thayná relata que ficou imediatamente abatida e que teve diversos sentimentos ao longo de dias: choque, raiva e impotência. No entanto, o acolhimento dos colegas foi surpreendente.
“Quando acontece connosco, percebemos que fomos vítimas de uma violência e ficamos sem reação. Todos os portugueses que souberam do ocorrido na fábrica ficaram revoltados. A empresa enviou uma nota à equipa externa para que a senhora que causou o constrangimento em questão não retornasse mais à fábrica. A resposta obtida foi que se “tratava de uma brincadeira”.
“Sempre é uma brincadeira… Como eu não percebi? Afinal eu tenho nome de bicho. Era só uma brincadeira”, desabafa Thayná.
Marcelo apela ao “firme respeito pela diferença” no Dia Internacional da Tolerância
No caso específico de estrangeiros, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) divulgou em agosto os números de 2021. No documento, a CICDR explica que recebeu 408 queixas naquele ano, mas apenas 73 foram convertidas em processos de contraordenação.
A expressão que mais se destacou, enquanto fundamento na origem da discriminação, foi a ‘nacionalidade brasileira’ (26,7%), seguindo-se a pertença à ‘etnia cigana’ (16,4%) e a ‘cor da pele negra’ (15,9%)
Maria Socorro pertence a dois destes grupos, uma vez que é negra e brasileira. A imigrante está há três anos em Braga e relata atitudes positivas em Portugal.
A brasileira partilha que foi vítima de racismo no Brasil, o que não ocorreu desde que chegou a Portugal.
“No Brasil, entrei numa loja e tive um tratamento totalmente diferenciado pelo facto de eu ser negra. No entanto, em Braga nunca fui vítima de nenhum desrespeito enquanto mulher e negra. Eu sinto-me muito respeitada e sou bem tratada em todos os locais que frequento”, diz a O MINHO.
A crise da covid-19 também aumentou as dificuldades das pessoas LGBTQIAP+ em toda a Europa, garante a CCERI.
“Jovens LGBTQIAP+ que ainda residiam com os seus pais foram frequentemente expostos a desrespeito e intimidação” e “o aconselhamento psicossocial em pessoa oferecido por organizações não-governamentais tornou-se restrito”, adianta a comissão contra racismo e intolerância na Europa.
“Vários Estados assistiram a uma forte retórica política contra aquilo que foi considerado uma ‘ideologia LGBTQIAP+’ ou uma ‘ideologia de género’ amplificada na imprensa e no discurso público em geral”, concluiu o órgão do Conselho da Europa, adiantando que essas atitudes tornaram-se mais arraigadas com a adoção de leis especificamente direcionadas às pessoas LGBTQIAP+, embora as condenações por esse tipo de comportamento ainda sejam raras.
GS, de 18 anos, é bissexual, mudou-se para Braga no início de 2022 e prefere não se identificar para a reportagem. Foi vítima de homofobia, reagiu e alcançou respeito no local de trabalho.
O jovem relata que no estágio “sentia que era destratado, havia muita falta de respeito e grosseria por parte do dono do estabelecimento”. “Em determinado momento, levei o problema à minha professora, porque todos os colegas percebiam que ele tinha um tratamento diferenciado, na base de insultos e gritos. E o único motivo para isso era o facto de ele saber que eu tenho minha sexualidade assumida”, explicou a O MINHO.
GS relembrou um episódio que demonstra como a intolerância e a homofobia estão presentes de formas subtis, muitas vezes confundidas como brincadeiras: “Uma vez eu estava com um casaco na cintura, ele começou a dizer que eu parecia um animal, um pavão. Eu estava a trabalhar, não tenho nenhuma amizade ou intimidade com ele e portanto merecia respeito”.
O jovem de 18 anos conta que após relatar a situação à professora, “o patrão fez uma reunião e começou” a culpá-lo “pela forma” como ele o tratava. “Durante essa reunião, eu insisti e ele admitiu que tinha um problema comigo, mas não admitiu que era preconceito. A professora interveio no caso e hoje o tratamento do patrão é profissional. Ele respeita-me por obrigação, pois se voltar a insultar-me, eu buscarei novamente um direito que tenho como qualquer ser humano, que é ser respeitado”, disse.
O feminicídio também tem números alarmantes. O Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA) contabilizou, entre 01 de janeiro e 15 de novembro deste ano, 28 mulheres mortas, 22 das quais no contexto de relações de intimidade, segundo os dados preliminares hoje divulgados no Porto.
O Dia Internacional para a Tolerância, celebrado em 16 de novembro, foi instituído através de uma resolução adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1996.
Reportagem em colaboração com Lucas de Freitas