A antiga aldeia submersa de Aceredo, em Lobios, Ourense, na Galiza, mas mesmo junto a Lindoso, em Ponte da Barca, apesar de ter surgido à tona integralmente, como nunca se vira, já há algumas semanas, continua a oferecer algumas surpresas a quem ali vai. Tendo-se tornado inesperado ponto de visita para curiosos de ambos os países vizinhos, tem duas fortes atrações dentro da atração geral. São elas a fonte que continua a brotar, como sempre, ao longo dos 30 anos em que foi submersa, e assim continuará com o seu fio quando voltar a ficar debaixo das águas do Rio Lima, e também a carrinha mista Citroën Ami, que tem resistido já três décadas consecutivas debaixo da água da barragem.
Vasco Araújo, do Clube Limiano de Automóveis Clássicos (CLAC), de Ponte de Lima, foi um dos visitantes que a reportagem de O MINHO encontrou no local, explicando-nos o porquê desta deslocação, acompanhado da esposa e do filho, para ver baixo um leito que muito o entristece. Ele que, a jusante, todos os dias vê o mesmo rio na sua terra natal apela para a reflexão geral deste estado de seca extrema que afeta também Portugal, mas ao mesmo tempo para revisitar a história ao vivo, tirando daí outras lições.
Aficionado pelos automóveis, Vasco Araújo não deixou de ver de fio a pavio a carrinha mista, dita comercial, da marca e modelo Citroën Ami, lamentando não a poder levar para Ponte de Lima, pois ainda poderia ser recuperada esta relíquia automóvel com cerca de seis décadas de existência. Ou seja, o dobro do tempo que tem estado permanentemente debaixo de água represada, logo mais incisiva, o que, segundo este limiano, atesta a capacidade de resistência daquela gama de carros, como a Dyane e o 2 Cavalos, isto é, veículos com grade resistência, apesar de aparentemente frágeis.
A romaria à ‘aldeia fantasma’
Nas últimas semanas, especialmente aos sábados e domingos, bem como nos feriados, têm sido já vários milhares de pessoas a visitar a antiga aldeia galega de Aceredo, vizinha da Madalena, em Lindoso, Ponte da Barca, cuja manutenção cabe à EDP.
Nesta fase de autêntica romaria, mesmo não lhes cabendo tal tarefa, os municípios de Lobios e de Entrimo, nas margens esquerda e direita, respetivamente, do ali chamado Rio Limia, têm através dos seus vigilantes de natureza e guardas florestais de ambos os concelhos da Província de Ourense, na Região da Galiza, controlado o grande afluxo de visitantes inesperados, até para a sua segurança.
Por exemplo, as zonas mais baixas da aldeia podem surpreender o mais desatento, porque ao descer facilmente escorregará na terra tipo saibro, ou pelo menos deslizará, devendo levar um calçado tipo botas da caminhada ou até galochas, se quiser andar sem limitações.
É fácil chegar ao local, ido de Ponte da Barca, em direção a Lobios, virando à esquerda, no sentido da nova ponte que liga diretamente a Entrimo, mas não chegando a fazer a sua travessia, estacionando num pequeno parque, onde existe um passadiço, para a margem esquerda, que também deve ser descido com cuidado. Ou então ir pelo caminho alternativo ao lado direito de quem ali chega, a pé, por onde circulam os jipes das forças de socorro.
A partir daí, o percurso é ao gosto de cada um, tendo de se acautelar as eventuais entradas nas casas em situação de derrocada iminente e que são quase todas as edificações, porque pode desprender-se algum barrote ou mesmo pedregulho que sustenta paredes e telhados.
Saudades dos antigos habitantes
A situação que se vive atualmente na região da bacia do Rio Lima, que atravessa o Parque Transfronteiriço do Gerês/Xurés, causa ao mesmo tempo sentimentos contraditórios para quem ali viveu, porque se, por um lado, afagam saudades de tempos idos e podem fazem uma “viagem” na “máquina do tempo”, por outro, também se sentem algo corroídos, por recordações antigas, quer de familiares, quer de amigos, de uma aldeia que tinha cerca de uma centena de pessoas, à data da submersão, em janeiro de 1992, completando-se agora exatamente 30 anos, para dar lugar ao progresso, isto é, ao grande projeto de aproveitamento hidroelétrico do Lindoso.
Aceredo é o caso mais conhecido, mas houve ao todo meia dúzia de aldeias, entre Lobios e Entrimo, que foram submersas e cujos antigos habitantes também se têm deslocado agora à conhecida como ‘aldeia fantasma’. Também ali têm acorrido famílias de Aceredo que mudaram para outras paragens, algumas das quais a poucos quilómetros, como sucedeu com dois anciães, Cândido Rodrigues e Mariana Alonso, ambos octogenários, que têm recordações, saudades, como canta Júlio Iglésias, também ele galego: “Tenho morrinha tenho saudade”.