O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a condenação a 23 anos de prisão, por homicídio qualificado agravado e violência doméstica, de um homem julgado por, em junho de 2023, matar a mulher, de 62 anos, à facada na residência do casal, na vila das Taipas, em Guimarães. E deixou-lhe a lâmina cinco centímetros dentro do pescoço.
Os juízes-desembargadores rejeitaram as duas teses do recurso interposto por Adriano Ferreira, de 64 anos, contestando a condenação pelo crime de violência doméstica, uma vez que o entende que deveria ter sido absolvido desse crime, e pedindo a redução da medida da pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado agravado.
No primeiro caso, dizia que o Tribunal se baseou no depoimento de dois filhos do casal, que atestaram o clima de violência existente em casa, e que – disse – “foram vagos e não tinham credibilidade”.
No que toca à medida da pena, argumentou que confessou o crime, não tinha antecedentes criminais, arrependeu-se, tem bom comportamento na prisão e sofre de uma doença rara.
Mas a Relação não atendeu aos argumentos: “A frieza de ânimo, para efeito de qualificação do crime de homicídio, é uma circunstância relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime, reconduzindo-se às situações em que se verifica calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução, em suma, um comportamento traduzido na firmeza, tenacidade e irrevogabilidade da resolução criminosa”.
“Nos casos de homicídio, por estar em causa o bem jurídico supremo, que é vida humana, e tratando-se de violência sobre mulheres em contexto familiar, os factos são sentidos de forma muito particular e intensa pela comunidade, sendo, por isso, as exigências de prevenção geral muito elevadas”, lê-se no acórdão de setembro.
Maus tratos durante décadas
Em julho deste ano, o Tribunal de Guimarães aplicou ao arguido a pena de 22 anos de prisão pelo homicídio qualificado agravado e quatro anos pelo crime de violência doméstica, tendo determinado que, em cúmulo jurídico, cumpra uma pena única de 23 anos. O acórdão declara, também, a indignidade sucessória do arguido relativamente à sucessão aberta por morte do cônjuge.
Na leitura da decisão, a juíza presidente do coletivo de juízes disse que atuou com “sangue frio e frieza de ânimo”, salientando que “impressiona a energia criminosa” do arguido que “maltratou, durante anos, décadas, a sua mulher e mãe dos seus filhos”.
Salientou, também, que o arguido “ficou a tratar das limpezas da casa, a aguardar calmamente pela chegada das autoridades”, acrescentando que “apenas pensou em si”.
Anotou que o agressor, após matar, com facadas, a vítima não tentou preservar o filho, tendo-lhe ligado a dizer que a matou, em vez de chamar o 112, o que demonstra a frieza, calculismo e falta de amor pelo filho.
“Houve absoluto desprezo pelo corpo da vítima, não pediu ajuda, não tentou socorrer, manifestou total desprezo pela vida e pela vítima. Nem o arrependimento foi sincero, nem a confissão foi integral, pois ficou muita coisa sem dizer”, declarou.
Relacionamento conflituoso
A acusação do Ministério Público (MP) dizia que o arguido, ao longo do casamento, registado em 1982, manteve com a vítima um relacionamento conflituoso, “pautado por episódios recorrentes de violência, durante os quais a agredia e insultava”.
O MP considera que estes surtos de violência seriam potenciados pelo caráter ciumento e possessivo do arguido e pelo consumo de álcool.
O último episódio, segundo o MP, teria ocorrido no início de 2023, quando o arguido “discutiu com a vítima e lhe apertou o pescoço com força, desagradado com a hora” a que ela chegou a casa, depois de ter saído com amigas.
Assim, na noite de 22 para 23 de junho de 2023, na residência do casal, o arguido pegou numa faca, dirigiu-se ao quarto em que a mulher estava a dormir e desferiu-lhe vários golpes no corpo e no pescoço, onde a faca ficou espetada. Faleceu, pouco depois, no local.