“Calaram” o Jornal de Barcelos, título mais antigo da cidade

Diretor acusa vice-presidente da Câmara de “pressões”

A edição impressa do Jornal de Barcelos devia ter ido para as bancas, como habitualmente, na quarta-feira, mas tal não aconteceu. Com 72 anos, o título mais antigo ainda a ser publicado na cidade terá chegado ao fim. Pelo menos com a equipa que nele trabalhava e que foi surpreendida, quarta-feira, com este desfecho. O diretor, Paulo Vila, numa publicação na página de Facebook do semanário, garante que “calaram” o jornal e aponta baterias ao vice-presidente da autarquia, Domingos Pereira, recentemente condenado a perda de mandato por corrupção.

“A edição em papel do Jornal de Barcelos de ontem [quarta-feira] não chegou às bancas e, tudo indica, também não chegará aos assinantes. A este facto não são alheios os receios que, há precisamente uma semana, nos levaram a escrever o editorial que abaixo se reproduz. As dúvidas que se possam ter gerado nos leitores quanto à verosimilhança do seu conteúdo, se existiam, dissiparam-se”, escreve Paulo Vila.

No referido editorial da semana anterior, o diretor do jornal, atualmente detido pela Cooperativa Barcelense de Cultura, afirma que “o autoritarismo tomou conta” de Domingos Pereira. “Não é de agora, é certo, como também não são de agora as pressões incessantes exercidas pelo vice-presidente da Câmara para que o Jornal de Barcelos não denunciasse o escândalo com a gestão de fundos comunitários em que se envolveram a ACIB e o seu presidente, João Albuquerque, entre outros pretensos defensores da moral e dos bons costumes, já depostos. E não sendo caso único – pelo contrário! -, ilustra bem de que lado está Domingos Pereira quando se trata de encontrar a verdade, mesmo quando tamanho esforço se destina a salvar a ‘pele’ de quem, aparentemente, nada lhe deve”, escreveu Paulo Vila, diretor do semanário há onze anos e jornalista da casa há mais de 20.

Na edição desta semana, que não foi para as bancas e apenas seguiu para os assinantes em formato digital (PDF), a  manchete visa precisamente a ACIB – Associação Comercial e Industrial de Barcelos. “Estado financia ACIB com milhões de euros ao arrepio da  lei”, pode ler-se.

Primeira página da última edição

“Domingos Pereira não gosta das notícias que sobre ele aqui se escrevem”

“Este empenho é agora redobrado e de consequências imprevisíveis para o futuro do Jornal de Barcelos por uma só razão: Domingos Pereira não gosta das notícias, dos editoriais e dos textos de opinião que sobre ele aqui se escrevem acerca da condenação por um crime de corrupção passiva. Disso mesmo tinha já dado mostras quando, há um ano, o Ministério Público contra ele deduziu acusação. E ainda que se lhe reconheça sem tibiezas o direito à presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença, é forçoso dizer-lhe que, nestas circunstâncias e numa perspectiva meramente política, a sua continuidade na Câmara é insustentável, envergonha e condiciona os outros vereadores, diminui o presidente e atira para a lama a imagem do Município. E o mais que se pode dizer, em particular sobre aqueles a quem o vice-presidente da Câmara mentiu clamorosamente sobre as circunstâncias em que recebeu os 10.000 euros que o levaram à barra do tribunal”, pode ler-se.

Paulo Vila afirma que “Domingos Pereira deve impor a si próprio o que em tempos exigiu a Miguel Costa Gomes”, ou seja que “que renuncie ao mandato ou, no mínimo, que o suspenda por tempo indeterminado”.

“Mas não! O que o vice-presidente agora faz são ameaças veladas a ‘hipócritas’ e ‘covardes’ que estão na ‘política local’ e avisos sobre ‘quem manda’ no seu mandato ‘legitimado pelo voto soberano do povo’. Esquece-se, porém, que, neste momento, a decisão sobre quem tem ‘a última palavra a dizer’ é, no mínimo, uma escolha partilhada, já que o destino político de Domingos Pereira está nas mãos da justiça, que, por enquanto, decretou-lhe a perda do mandato e tudo indica que este veredicto se vai manter”, escreve Paulo Vila, acrescentando: “O vice-presidente da Câmara enjeita culpas e descarrega as suas frustrações sobre aqueles que se limitam a noticiar factos indesmentíveis e a analisar com seriedade as implicações políticas de uma condenação por corrupção”.

https://ominho.pt/jornal-de-barcelos-sai-com-pagina-em-branco

“As mais recentes tentativas de ingerência de Domingos Pereira nas opções editoriais do Jornal de Barcelos são intoleráveis, antidemocráticas, violam grosseiramente os princípios constitucionais da liberdade de imprensa, liberdade de expressão e comunicação, desobedecem à Lei de Imprensa e ao Estatuto do Jornalista e, por último, consubstanciam uma atitude desonrosa e inapropriada com as funções públicas que exerce”, conclui.

Domingos Pereira não quer “alimentar novelas”

O MINHO tentou obter uma reação de Domingos Pereira que não quis prestar declarações sobre o assunto para não “alimentar novelas”.

Como o nosso jornal tem noticiado, o vice-presidente da Câmara de Barcelos, Domingos Pereira, foi condenado a perda de mandato e a uma pena de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução, por crime de corrupção passiva agravada.

Em causa está um envelope com dez mil euros apreendido pela PJ de Braga em casa do autarca que, considera provado o tribunal, lhe foi oferecido por uma mulher, que também foi condenada, para este, na altura – janeiro de 2016 – com o pelouro dos recursos humanos, arranjar um “emprego para a vida” ao seu filho, o jurista José Figueiredo.

Em declarações ao jornal Público, o administrador da Cooperativa Barcelense de Cultura, Carlos Pina, nega que a decisão de encerrar o jornal tenha que ver com pressões de Domingos Pereira. Diz que o jornal não conseguiu atingir as metas financeiras definidas em 2011 e que nem sequer tinha “dinheiro para pagar a impressão”.

“Os objectivos eram fundamentalmente que os prejuízos não se estendessem de uma maneira que se tornasse impossível – chamar mais clientes e publicidade. Tudo isso era do conhecimento do diretor do jornal e outros accionistas. Verificaram-se que esses objectivos não tinham sido atingidos”, justifica Carlos Pina.

No texto hoje publicado, Paulo Vila anuncia que, “mais de 11 anos volvidos”, cessa funções de director do Jornal de Barcelos, do qual também se desvincula ao fim de mais de duas décadas. “A procura da verdade, sobre quem fosse e o que quer que fosse, foi o único desígnio que me norteou nesta longa caminhada. Mas a verdade é, muita vezes, incómoda e tem um preço. E é tanto mais incómoda e combatida quanto maior forem os interesses ocultos e as (falsas) aparências que se querem conservar, sejam eles padres ou políticos. Sou jornalista e continuarei a sê-lo, já que apenas depende de mim. O ‘meu’ preço é o de um ordenado justo, porque nunca estive ou estarei disponível para alienar a verdade”, refere o texto.

Relativamente às situações laborais, O MINHO sabe que há colaboradores com vencimentos em atraso.

Fundado em 1950, o Jornal de Barcelos foi o vencedor do Prémio Gazeta Regional em 2011. Além dele, em Barcelos há apenas mais um jornal local, o Barcelos Popular.

Notícia atualizada às 00h11 (08/07) com declarações do administrador Carlos Pina.

 
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