Cerca de uma centena de itens, entre brinquedos, mochilas, bolas, roupas de criança e “tarjas com mensagens fortes” foram colocadas esta noite de domingo na entrada principal do Tribunal de Braga em forma de protesto contra as medidas de coação aplicadas a um homem de 44 anos que terá sido apanhado em flagrante a violar a filha de 15 durante o período de confinamento, no passado domingo, dia 03 de maio.
Esta ação, levada a cabo pela Associação Mulheres de Braga, pretende consciencializar não só os juízes mas toda a sociedade civil para um “machismo cultural” que existirá na região minhota, isto nas palavras de Emília Santos, presidente e uma das fundadoras do coletivo feminino.

Em declarações a O MINHO, a responsável admite que é também uma forma de pressionar e “fazer barulho” para que os apelos deixados à justiça relativamente às agressões sexuais, mortes e agressões psicológicas e físicas que muitas mulheres são sujeitas, muitas vezes por quem lhes é próximo, sejam ouvidos.
“É muito estranho que o juiz tenha deixado o agressor em liberdade com medidas de distanciamento e a proibição de contacto com a filha [ficou ainda com pulseira eletrónica], quando o mesmo terá sido apanhado em flagrante pela mãe da vítima durante uma agressão sexual”, denuncia.

Emília, em conjunto com outros elementos do grupo, irá constituir-se assistente neste processo durante esta semana para acompanhar a atuação da justiça neste caso em particular e perceber o motivo da decisão do tribunal. “Deixamos um apelo através do nosso grupo privado, que conta com cerca de 8 mil mulheres – e muitas aderiram, trazendo objetos para participar nesta ação”, expõe.
Valentina recordada
A responsável aponta ainda uma tarja em memória da pequena Valentina, a menina de 9 anos, cujo corpo foi hoje encontrado em Peniche, alegadamente após ter sido assassinada pelo pai em conluio com a madrasta. Ambos foram detidos pela Polícia Judiciária mas só amanhã serão presentes a tribunal: “espero que a justiça não volte a ser branda e não sejam outros que vão ficar soltos”.

O coletivo de mulheres foi fundado em 2019 depois de Gabriela Monteiro, funcionária no Theatro Circo, ter sido assassinada à facada pelo ex-companheiro, em frente ao mesmo local onde agora decorre o protesto.
Para além do grupo nas redes sociais para um contacto direto com todas as mulheres, contam ainda com uma página de Facebook “aberta também aos homens”, para divulgar as ações que realizam.
A Associação Mulheres de Braga tem dado apoio a vítimas de violência doméstica “24 horas por dia”, mas “não tem sido fácil”, sobretudo por falta de um espaço físico para o organismo, algo que tem sido “muito difícil” de conseguir.






À procura de um espaço para acolher vítimas que não podem ficar em casa
“Já tivemos três reuniões com a Câmara de Braga e ainda esta semana reunimos com Ricardo Rio, que se mostrou disponível a ajudar a pagar metade da renda mas não nos pode ceder nenhum espaço”, conta. Também algumas juntas de freguesia já foram contactadas mas as soluções oferecidas não colmatam a necessidade das vítimas.
“Os espaços que nos disponibilizam encerram às 17:00, e a violência não tem hora, muitos dos pedidos de ajuda que nos chegam são ao fim de semana e à noite, logo não faz sentido ter um espaço que encerra após um horário normal de trabalho”, alerta.
Embora seja um problema transversal a todo o país, Emília não tem dúvidas em apontar a região do Minho como bastante “problemática” para as mulheres, sobretudo “por uma questão cultural”.


“Machismo cultural” no Minho
“O álcool e as drogas motivam muitas agressões mas creio que o maior problema de todos é cultural, um machismo cultural, onde até as próprias mulheres são as primeiras a criticar outras mulheres, dizendo coisas como puseste-te a jeito“, denuncia.
Outro dos problemas apontados passa pelo apoio policial: “em Braga, existem apenas dois ou três agentes da PSP especializados nestas questões, mas todos eles trabalham apenas até ás 17:00 e quando ligámos para a esquadra depois dessa hora, muitas vezes somos ignoradas”.
“De noite, não há ninguém para nos proteger e isso tem de acabar, precisámos de mais efetivos policiais do nosso lado”, salienta.
Ao todo, são 24 mulheres a trabalhar ativamente na associação. Para além de apoio jurídico e emocional, garantem ainda apoio através de bens alimentares, sobretudo desde que iniciou a pandemia.
“Muitas mulheres tinham trabalhos precários e agora estão em casa, sem posses, e temos ajudado nisso”. Mas a falta do já referido espaço físico tem limitado essa ajuda.
Até atingirem esse propósito, Emília vai utilizando a própria habitação como ponto de encontro para receber e distribuir bens, “mas não é assim que deve funcionar”.