Um arguido do megaprocesso “Carta Branca”, de Braga, que foi condenado a sete anos e meio de prisão efetiva pelo caso das fraudes com cartas de condução automóvel, alega ter cumprido já os cinco sextos da pena, com a prisão preventiva e o prazo de inibição de funções profissionais a que esteve sujeito, pelo que não terá de ser conduzido a um estabelecimento prisional, mas sim passar imediatamente para a liberdade condicional.
O Tribunal Constitucional aceitou o recurso, que será decidido pelo seu Plenário, tendo já conferido efeitos suspensivos até se pronunciar definitivamente, enquanto o Tribunal da Relação de Guimarães ordenou a suspensão dos mandados de detenção e de condução a um estabelecimento prisional, por requerimento não só da defesa, como pela posição do próprio Ministério Público, por estar aqui em causa o valor da liberdade.
“A aplicação do Direito não se pode alhear de uma perspetiva equilibrada e de bom senso, a qual deve ser especialmente ponderada se estivermos, como é o caso, numa situação de potencial ofensa da liberdade de uma pessoa”, considerou o procurador-geral adjunto no Tribunal da Relação de Guimarães, Jorge Mariano, tendo pugnado que os mandados de detenção deviam ser suspensos até decisão do Tribunal Constitucional.
O recurso, subscrito pela advogada bracarense Sónia Magalhães, invoca a norma introduzida há cinco anos no Código Penal, só que ainda pouco aplicada, segundo a qual “se o condenado tiver de cumprir a pena de prisão, mas houver cumprido tempo de proibição do exercício de profissão”, nesse caso “desconta no tempo de prisão a cumprir o tempo de proibição já cumprido”, isto é, um dia de inibição desconta um dia de prisão.
No seu recurso, a que O MINHO teve acesso, o arguido sustenta igualmente ter devolvido já ao Estado os 230 mil euros a que foi ainda condenado no mesmo acórdão, além de que com os dois anos e quatro meses de prisão preventiva e quatro anos de inibição de funções profissionais que cumpriu, atingiu cinco sextos da pena de prisão efetiva de sete anos e meio, estando à partida em condições de ter liberdade condicional.
O Código Penal, na sua revisão, em 2017, determina que, tal como na prisão preventiva, para os efeitos de desconto na pena a cumprir, “cada dia de prisão equivale ao número de dias de proibição do exercício de profissão”, o que, no entanto, não está claro noutra norma do mesmo Código Penal, pois num outro artigo mais adiante não refere de novo a suspensão de funções como crédito para desconto da prisão.
Por isso, o juiz-desembargador Júlio Pinto, do Tribunal da Relação de Guimarães, ao mandar suspender os mandados de detenção e condução para o arguido cumprir pena, afirma que “o direito à liberdade não se compadece com uma situação de indefinição relativamente ao cômputo da pena que terá de cumprir e ao regime de cumprimento, correndo sério risco de ser violado o direito fundamental à liberdade caso o arguido seja detido e conduzido para um estabelecimento prisional, sem essa pena estar definitivamente liquidada”.
O plenário do mais alto tribunal português decidirá, entretanto, se esse arguido será ou não abrangido pela norma do Código Penal que invoca, o que a confirmar-se aproveitará a dezenas de arguidos um pouco por todo o país, que estarão nas mesmas condições, já que além da prisão preventiva, teriam assim um ativo de período de inibição de funções, que seria um crédito a descontar ao tempo de prisão efetiva para cumprirem.