Priscila e Ananda eram sócias no Brasil e decidiram montar uma empresa em Portugal, para obter o visto de investidor. Pagaram 5.800 euros a uma “assessora”, para tratar do processo de fundação da empresa em Portugal. O dinheiro desapareceu, a empresa nunca existiu e esperam na lista do SEF pelo título de residência. O contexto muda, mas os casos repetem-se.
“Eu e a Ananda éramos donas de uma empresa de fotografia e design no Brasil. Decidimos vir para Portugal com o objetivo de estabelecer cá o nosso negócio e, assim, poder imigrar com o visto investidor. Vínhamos à procura de um sonho, mas não foi isso que encontrámos”, afirma Priscila Barroca, residente em Braga, a O MINHO.
No Brasil, uma amiga próxima da dupla de sócias aconselhou-as a contactar com Sara. Esta foi referenciada como a pessoa indicada para as ajudar no processo de legalização em Portugal, e prestar o serviço de “assessoria à imigração”.
“A Sara prometeu-nos fundos e mundos. Disse que ia ser a nossa representante legal, que tratava de nos abrir uma conta bancária, número de Segurança Social, o início de atividade da empresa, enfim, toda a documentação necessária para podermos imigrar”, relembra Priscila, indignada.
Confiaram em Sara para imigrar para Braga, “o eldorado brasileiro em Portugal”, e enviaram-lhe uma procuração, assim como diversas tranches de dinheiro, perfazendo um total de 5.800 euros, dos quais 5.000, para abrir a conta da empresa.
O processo arrastou-se durante meses e quando as duas sócias enviaram a totalidade do valor cobrado por Sara, 5.000 euros, a mesma deixou de responder. Vieram para Braga em busca do dinheiro, mas até hoje, não o conseguiram encontrar.
Desesperadas e após diversas mensagens enviadas via “WhatsApp” a pedir a Sara a devolução do dinheiro, acabaram por apresentar queixa na Polícia Judiciária. “Continuamos à espera de resposta por parte da polícia, mas até agora ainda não recebemos nada” afirmam a O MINHO.
Burlada em 5.000 euros, a família de Cristiane Costa não chegou a deixar o Brasil
O mesmo aconteceu à família de Cristiane Costa, que nunca chegou a sair do Brasil, frustrada no sonho de viver em Braga. 5.000 euros adiantados a Sara, 5.000 euros perdidos. Desta vez, foi Francisco, um parente da família de Cristiane, que aconselhou Sara como a assessora indicada, para apoiar a família no processo de imigração e legalização, para Braga, Portugal.
A família foi enviando o dinheiro e Sara garantia que o processo de legalização, através da fundação de uma empresa, estava a correr sobre rodas. Às desconfianças da família, à medida do passar do tempo, Sara afirmava: “Vai dar certo sim. Ainda esta semana recebemos uma família que há 10 meses vinha preparando a sua imigração. Custa, mas é para uma boa formação dos seus meninos e por uma vida segura”, lê-se nas mensagens trocadas via WhatsApp a que O MINHO teve acesso.
Após meses sem resposta, a família começou a exigir a transferência de todo o dinheiro enviado para Portugal de novo para o Brasil. Sem obter respostas concretas de Sara, Cristiane contratou um advogado, para a representar e mediar um processo judicial em Portugal: queixa na polícia.
O advogado representante da família conseguiu entrar em contacto com Sara e chegou a um acordo, para a devolução de parte do dinheiro. A família nunca viajou para Portugal e com as expectativas defraudadas acabaram por nunca partir do Brasil.
Mais são os casos de imigrantes enganados, que recusam contar a sua história.
“Eu recebia o dinheiro dos clientes e entregava-o a um intermediário, que pagava a três inspetores do SEF”
O MINHO contactou Sara, residente em Braga, no intuito de escutar a sua versão dos factos, e a própria assume a participação no esquema. “Eu sou só uma ervilhinha no meio disto tudo. Reconheço que agi mal com a Priscila e com a Ananda e agora vou responder à polícia pelos meus atos, mas eu sou só um grãozinho de areia no meio disto”. Sara afirma que colaborava com uma rede maior, que possuía contactos dentro do SEF, para agilizar o acesso a títulos de residência.
“Eu recebia o dinheiro dos clientes e entregava-o a um intermediário, que pagava a três inspetores do SEF, para obter a documentação mais rápido. Ao fim de 40 ou 30 dias a documentação estava toda tratada”, afirmou Sara, a O MINHO. O jornal não conseguiu verificar esta informação, mas as vítimas de burla reconhecem que essa era uma das promessas de Sara: a velocidade na obtenção do título de residência.
Sara registava empresas em nome de imigrantes e, segundo a própria, “em vez de haver todo um protocolo, a empresa desenvolver atividade, rentabilidade, criar postos de trabalho, como a lei diz, era feito sobre isso tudo, por parte das instituições, uma vista grossa”. Os investidores conseguiam obter o visto em Portugal, sem provar ao Estado a eficácia ou rentabilidade dos seus negócios.
Sara contou a O MINHO que a situação com Priscila e Ananda, assim como a situação com Cristiane, só correu mal, porque “o trabalho foi mal feito e [ficou] sem dinheiro e sem documentos”. “Os meus contactos recusaram-se a terminar o serviço”, explica.
Sara reconhece ainda a existência de esquemas com documentos falsos, empresas fictícias e diferentes métodos de imigrantes entrarem no país, sem reunir as condições necessárias por lei.
“Existe uma casa em Maximinos com 47 pessoas recenseadas no respetivo endereço”
Os ‘assessores à imigração’ praticam uma atividade que atua num buraco legal e que consiste em facilitar os processos de obtenção dos documentos necessários à imigração. Os casos clássicos são o do “representante legal”, nas finanças, e o atestado de morada, na junta de freguesia.
A grande maioria da imigração entra em Portugal, com um visto turístico, mas o objetivo de ficar no país, recorre ao processo de Manifestação de Interesse, para obter o título de residência. Este processo só é possível mediante, entre outros documentos, um comprovativo de morada e um responsável fiscal, pelas pessoas no país. Os assessores cobram por este tipo de serviços.
O presidente da junta de freguesia, da Sé, Cividade e Maximinos, Luís Pedroso, revela a O MINHO, que “existe uma casa em Maximinos com 47 pessoas recenseadas no respetivo endereço”. “O responsável pela morada é um assessor”, afirma Pedroso, indignado. Este caso, apesar der ser o mais gritante, não é o único nesta freguesia do centro de Braga.
“Muitas dessas pessoas, já nem sequer moram em Braga ou em Portugal”, afirma o autarca a O MINHO.
As redes sociais desempenham um papel fundamental entre assessores e imigrantes. É através das mesmas que, por diversas vezes, se estabelecem contactos entre as partes. Os imigrantes, que necessitam de apoio/facilitação nos processos de legalização, manifestam-se em grupos de WhatsApp ou de Facebook, como “Manifestação de Interesse em Portugal”, ou “Brasileiros em Portugal”. Após a primeira publicação, na qual, normalmente, o imigrante apresenta-se e coloca ao grupo as suas dúvidas, é abordado por mensagem privada pelos “assessores à imigração”, que prontamente se disponibilizam a esclarecê-lo e apoiá-lo no seu processo de legalização, pelo preço certo.
A Rota dos Camionistas
O processo de conversão da carta de condução de camiões, para cidadãos com dupla nacionalidade brasileira e europeia, é muito mais simples e barato em Portugal do que no resto da Europa.
“Eu tenho cidadania Portuguesa e Italiana e quero converter a minha carta de condução. Em Itália eu iria pagar uns 4.000 euros e em Portugal, com menos de 1.000, consigo convertê-la e é válida para toda União Europeia”, conta Ulysses Carvalho a O MINHO, antes de regressar a Itália, onde já tem trabalho garantido como camionista, após converter a carta em Portugal.
A “assessora” mais famosa por desenvolver este tipo de processo é Ana P.. Após sucessivas chamadas telefónicas, sem resposta, o jornal não conseguiu obter um contraditório por parte da “assessora”, no entanto, ouvimos um camionista que explicou a O MINHO o processo de conversão da carta.
“O primeiro passo é o atestado de morada e o número de identificação fiscal. Após a obtenção destes documentos, requer-se o Certificado de Registo para Cidadãos Europeus, documento disponível na Câmara Municipal. Na posse de toda a documentação os imigrantes brasileiros, com dupla nacionalidade europeia, podem fazer a conversão da carta de condução em Portugal, que é um processo muito mais simples e barato do que em Itália”, afirma Ulysses, brasileiro com dupla nacionalidade italiana.
Ulysses não recorreu a Ana P., para converter a sua carta, mas devido à fama da “assessora” garante que ela é a principal mentora deste método de conversão de cartas de condução no espaço europeu.
Neste momento, Ulysses é já camionista para uma empresa de transportes, no Sul de Itália.
SEF investiga
Confrontado por O MINHO, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) reconhece a existência deste esquema e que em causa poderão estar crimes, como auxílio à imigração ilegal, mas garante que “não existem dados” de que haja inspetores envolvidos.
“O SEF tem vindo a receber reportes de situações que dão conta da existência de várias pessoas ou intituladas empresas de assessoria que prometem a legalização da situação documental e da permanência de cidadãos nacionais de países terceiros em Portugal, através da marcação de agendamento no SEF. De igual modo, constatamos que são utilizadas as redes sociais – Facebook, YouTube e WhatsApp para fazer a promoção desses serviços”, lê-se na resposta enviada a O MINHO.
“Tal fenómeno tem vindo a ser acompanhado pelo SEF, porquanto poderão estar em causa a eventual prática de crimes relacionados com a migração, em particular os crimes de auxílio à imigração ilegal e de associação de auxílio à imigração ilegal”, acrescenta.
O SEF refere que “correm termos processos de investigação do modus operandi sinalizado, sendo certo que a criminalidade associada é também de assessoria ilícita e de burla qualificada, porquanto os suspeitos fazem disto modo de vida”.
E, nesse processos em curso, na área de competência da Direção Regional do Norte do SEF, “não existem dados ou factos que indiciem que haja inspetores do SEF nessa atividade criminal, tanto mais que esses funcionários não exercem funções de atendimento ao público, e a marcação de agendamentos para os balcões do SEF é realizada online ou através do Centro de Contacto do SEF”.