Videntes que ‘sacaram’ 339 mil euros a dois ‘crentes’ de Barcelos dizem-se inocentes

Estão a ser julgados no Tribunal de Braga
Foto: Lusa

Os dois videntes de origem guineense, um de Bissau e outro de Conacry, que terão burlado duas pessoas da zona de Braga em 339 mil euros, negaram no Tribunal de Braga o recebimento do dinheiro que a acusação diz que lhe foi dado por duas pessoas de Barcelos.

Cote Quebe (de alcunha Madi), de 32 anos e residente em Ermesinde, e Keita Salifou, (conhecido como Nadi), morador em Vila Nova de Gaia, ambos com desempenho em “trabalhos de astrologia”, estão a ser julgado por, em 2018, terem, supostamente, burlado uma mulher de 65 anos, de Barcelos, a Maria L., que recorreu aos “serviços” por eles prestados e, a seguir, um homem que se envolveu no caso, de nome António P.

Na última audiência, o Cote, o primeiro a falar, foi questionado pela juiz-presidente, o magistrado do Ministério Público e os advogados, de acusação e de defesa.

A seguir, o Keita, que vive em França, respondeu à juiz, rejeitando totalmente a acusação que sobre eles incide, e afirmando que nem sequer conhece a Maria Lúcia ou o António Pimenta, que é assistente no processo.

Disse que recebeu em França uma chamada telefónica de um tal Fernando a pedir para vir a Portugal para uma consulta e um trabalho e que, para isso estava disposto a pagar-lhe quatro mil euros. Acrescentou que esse Fernando tinha arranjado o seu contacto através de uma mulher. Quando chegou a Portugal pediu boleia ao Cote – que conhecia da mesquita onde foi rezar – até Barcelos, onde se ia encontrar com o Fernando. Chegado a Barcelos foi preso pela PJ.

Anteriormente, Cote também havia dito que não sabia quem era o António P. E ambos negaram alguma vez ter estado em casa da Maria L. Cote disse que ela o procurou por dois motivos: queria que “matasse” uma pessoa através de artes de magia, o que ele de imediato recusou, e pediu uma ‘amarração’ do amante que então tinha, de modo a ele deixar a pessoa com quem vivia.

Mulher queria dinheiro do Euromilhões

Conforme O MINHO noticiou, na primeira sessão, a Lúcia contou que havia dito aos dois ‘astrólogos’ que, em 2012, havia ganho o Euromilhões em França, num montante “muito elevado”, e nunca o havia reclamado. Aí, os dois, que, diz a acusação, tinham ganho a confiança da vítima, convenceram-na de que, através da “invocação dos espíritos”, conseguiriam ir buscar o dinheiro do Euromilhões e conseguiriam multiplicá-lo.

Para tal, a vítima teria de lhes entregar dinheiro, para o que alegaram a necessidade de efetuar ‘puxadas de dinheiro’, multiplicando-o e para chegarem ao prémio do Euromilhões.

Assim, e até 2023, a Lúcia F. entregou-lhes 102.500 euros que levantou de contas bancárias pessoais.

A seguir, e crente naquilo que os videntes lhe diziam começou a pedir dinheiro a pessoas amigas, no primeiro caso 15 mil euros emprestados, que entregou aos astrólogos.

A seguir, em 2022, pediu – explicando que iria receber o prémio francês – 30 mil euros a uma outra amiga. E ainda convenceu o marido dela a emprestar-lhe mais 20 mil, ou seja, 50 mil ao todo.

Mas os empréstimos não ficaram por aqui. Em novembro, a amiga Maria F. foi visitar a Lúcia e esta solicitou-lhe mais 17 mil, que tiveram o mesmo rumo: o bolso dos arguidos.

Entrou em transe no tribunal

Na audiência, a testemunha entrou em transe e ficou em estado de choque, o que obrigou o coletivo de juízes a pedir aos seguranças do edifício que a viessem buscar, o que foi feito. Como estava em estado de prostração, foi, também, ajudada por oficiais de justiça que lhe deram água e a acalmaram.

Mais empréstimos

Em dezembro, a vítima pediu a outro amigo, de nome Mário L. que fosse a sua casa e pediu-lhe 35 mil euros, contando-lhe a história do Euromilhões. Este recusou, mas acabou por aceitar porque ela lhe propôs o seu senhorio como fiador.

Como a ‘gula’ dos videntes não tinha fim, a Lúcia F. voltou a pedir dinheiro emprestado, desta vez a um amigo, António P., a quem disse que receberia 30 milhões do prémio. Este acabou por lhe entregar 43 mil euros, que tiveram o mesmo destino.

Dias depois, o António P. pediu-lhe a devolução do dinheiro, e ela disse-lhe que já tinha uma parte do dinheiro em casa, mas “não lhe podia mexer, porque era necessário que um indivíduo fizesse uma oração para o limpar”. E ainda conseguiu que ele lhe desse mais sete mil, que foi, de imediato, entregar aos arguidos em Ermesinde.

Em dezembro, a vítima pediu mais 20 mil euros a este amigo, o qual, por não ter tal quantia disponível e porque ela lhe tinha dito que o dinheiro ficaria guardado num envelope sem ninguém lhe mexer, resolveu fazer 40 fotocópias de uma nota de 500 euros, que lhe entregou num envelope fechado.

Notas falsas

Só que, cerca de cinco horas depois, a Lúcia ligou-lhe dizendo que havia um problema porque as notas eram falsas e o Nadi tinha ficado furioso. Mandou-lhe depois, mensagens telefónicas dizendo-lhe que estava “metido numa alhada, que aquilo era crime e que os videntes tinham ficado furiosos e os espíritos estavam zangados e que lhe podia acontecer algum mal”.

Fez-se então uma reunião na casa da Lúcia, em Barcelos, com o amigo e os astrólogos, tendo este dito que tinha que entregar 20 mil euros em notas verdadeiras e que os espíritos estavam zangados pelo que lhe podia acontecer, e à família, algo de mal.

O António P. aceitou dar-lhes o dinheiro, comprometendo-se os dois arguidos a fazer umas rezas no cemitério para “limpar a maldição”.

Apesar disso, o Cote Quebe ligou-lhe, avisando-o de que os espíritos não tinham aceite os 20 mil pelo que se encontrava numa situação perigosa. Convenceu-o a ir ao Porto encontrar-se com eles no hotel onde estavam e pediram-lhe mais 50 mil para “limpar os espíritos”. Ele recusou, mas, em janeiro de 2023, e após vários contactos ameaçadores, deu mais 30 mil, subindo a quantia ’emprestada’ para 120 mil. Não contente, a dupla insistiu que eram precisos mais 50 mil, o que levou esta vítima a contactar a polícia.

Estão a ser julgados por dois crimes de burla qualificada, estão em prisão preventiva.

 
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