Aldeia do Gulag estalinista votou em liberdade nas eleições presidenciais do Cazaquistão

Antigo campo de concentração para mulheres
Foto: Luís Moreira

Akmola é uma vila pacata, situada 20 quilómetros a norte da capital do Cazaquistão, Astana, que tem 12 mil eleitores divididos por três mesas de voto, uma delas no centro cultural local. Pela manhã, com a neve a cair forte, os cidadãos vão entrando e votando nas eleições presidenciais com boletins com cinco candidatos. A contagem só termina hoje, mas os analistas locais e a as projeções apontam para uma vitória clara do atual presidente Kassym Jomart Tokayev, com 81% que já as tinha ganho em 2019 com 70%. E numa votação que, pelo menos na capital, decorreu de forma ordeira e democrática, na presença de delegados dos vários candidatos. Isto, embora alguns dos seus opositores tenham manifestado a esperança de vencer, à segunda volta.

A contagem dos votos prolonga-se pela semana, o que se explica dado o gigantismo do país, pelo que, resultados finais e oficiais, só na sexta-feeira.

Gulag motiva voto

Estivemos no domingo na pequena vila. A presidente da Mesa de Akmola, uma mulher de 42 anos, de seu nome Alzhir diz-nos que votaram, até às 10:00 locais, 411 dos 1.837 eleitores ali inscritos. A votação decorreu ordeiramente, na presença de duas observadoras locais e de um numeroso grupo de jornalistas internacionais.

Quando lhe perguntamos do que vive a localidade, responde que é uma zona rural, característica que lhe vem do facto de ali ter funcionado, na era do ditador soviético Joseph Estaline, um campo de concentração só de mulheres, que ali passavam vários anos a trabalhar na pecuária, na agricultura e na construção de infraestruturas, e que, neste caso, incluíam as barracas onde pernoitavam em condições desumanas e as próprias casas dos guardas que as vigiavam.

Foto: Luís Moreira / O MINHO

E conta a história triste da mãe que foi deportada da Ucrânia em 1937, por ter cometido “atos de traição” – o que no estalinismo apenas queria dizer que o Estado comunista precisava de mão-de-obra barata e, no caso, de esmagar o campesinato ucraniano -, e ali sofreu trabalhos forçados até 1942. Quando saiu, acabou por casar com um cazaque da região e ali ficou para o resto da vida.

O campo ficava junto um lago nas redondezas da vila e – diz-nos – ainda há rastos da sua existência física. Em plena vila, foi construído um monumento evocativo do sofrimento dos chamados ‘zek’s’, o nome depreciativo então dado aos prisioneiros. E ao fundo está um museu alusivo, que não pudemos visitar.

Curiosamente, e já depois de ter dito que nenhum cazaque tem saudades da União Soviética, a intérprete que nos acompanhava, uma jovem de 24 anos, licenciada na Universidade de Almaty (a capital histórica e a maior do país), de seu nome Rakhilya, diz-nos que o seu avô também sofreu as agruras do Gulag, num outro campo mais a norte, em Karlit, perto da mítica cidade de Karaganda. “Há dezenas de milhares de cazaques que passaram pelos campos e não querem repetir a experiência. Daí que acorram a votar pela democracia”, acentua.

Cá fora, e numa praça de grande dimensão, impõe-se um também enorme monumento, mas este dedicado aos heróis da 2.ª Guerra Mundial. Neva com persistência, estão quase dez graus negativos, mas nem por isso um grupo de pessoas deixa de conversar ao abrigo de um tufo de árvores descarnadas e uma mãe passeia o filho, ainda criança, num trenó apropriado. A presença da era soviética nota-se, ainda, no estilo antiquado dos apartamentos, ainda que com melhorias recentes, o que contrasta com a enorme quantidade de edifícios novos e arrojados da capital, que não cessa de crescer.

Observadores apoiam

De regresso à capital, onde pela manhã, numa outra mesa de voto numa das modernas zonas residenciais da urbe, tínhamos constatado a normalidade da votação, sempre vigiada por observadores ligados aos vários candidatos, fomos como que submetidos a um conjunto de ‘briefings’ de vários observadores internacionais, ligados a parlamentos ou organizações de Itália, da Palestina, do Canadá, do México, da Organização dos Estados Islâmicos, da Arménia e da Geórgia, e outros mais. Todos coincidentes no louvor às reformas democráticas em curso no país e garantindo que, nas deslocações às mesas de voto, nada encontraram de irregular, nem nenhum observador da oposição se queixou.

Foto: Luís Moreira / O MINHO

Durante o dia, via-se pouca polícia nas ruas e, pelo menos aparentemente, não houve qualquer distúrbio.

 
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