Adega Cooperativa de Ponte de Lima: Há 60 anos a ‘tirar’ o melhor vinho Loureiro do país

Dois mil associados, seis milhões de litros produzidos ao ano e mais de 10 milhões de fundos europeus captados para auxiliar produtores no ano em que celebra 60 anos da fundação

Dizem que a videira precisa de descansar entre a vindima e a poda, mas o descanso da videira só deverá chegar depois do dia 07 de outubro, quando termina a colheita nas maiores vinhas da rota do vinho verde.

Até lá, na Adega Cooperativa de Ponte de Lima, fundada em 1959, a azáfama dispara com o chegar do final da tarde, quando tratores carregados com reservatórios de inox ou madeira fazem fila perante um olho que analisa a qualidade da uva antes de ser garantido o acesso à descarga.

Perto de três toneladas de uva de casta Loureiro de grau elevado. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

É aqui que começa o trilho da uva após as vindimas. As prensas separam o líquido do mosto: um dará vinho e o outro bagaço. Ambos acabam, tradicionalmente, num copo e à mesa, desde há, pelo menos, oito mil anos antes de Cristo.

“Temos vinho em todos os supermercados”

Celeste Patrocínio, presidente do conselho de administração da Adega Cooperativa de Ponte de Lima, conta com cerca de dois mil associados, mil destes a produzirem vinho ativamente. Por ano, a produção anda à volta dos seis milhões de litros, 90% de casta branca Loureiro, o típico vinho do vale do rio Lima. Na cooperativa, trabalham 30 pessoas a tempo inteiro. Os empregados dobram durante o período de vindima e engarrafamento. Pela falta de mão de obra, a administração contratou perto de uma dezena de trabalhadores de nacionalidade indiana para esta vindima, uma estreia que se tem revelado acertada.

Mão de obra estrangeira reforça período de vindima. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

Instada a resumir as características desta cooperativa, Celeste Patrocínio é terminante: “Num ano bom produzimos cerca de seis milhões de litros”, “temos vinho em todos os supermercados” e “só fazemos vinho exclusivamente a partir das uvas dos associados e isso garante a autenticidade do vinho verde”.

Com associados em Ponte de Lima, Viana do Castelo, Ponte da Barca, Arcos de Valdevez, Barcelos e Vila Verde, esta empresa mantém o foco na inovação e na captação de produtores mais jovens, de forma a colmatar os que se reformam, e já foram muitos, ao longo dos últimos 60 anos. Tem, também, destaque pelos prémios internacionais.

Vinhos da Adega de Ponte de Lima premiados na Rússia

“Queremos acrescentar valor ao vinho e à vinha de forma a atrair novos produtores, esse é o nosso foco e a nossa missão”, define a presidente, revelando que já existem algumas empresas familiares onde os produtores são millenials.

“O nosso foco é fazer com que os jovens se agarrem à terra”.

Celeste Patrocínio controla entradas através de uma aplicação para telemóvel. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

Para isso, têm dinamizado encontros e o apoio técnico e administrativo está sempre disponível. “Ajudamos nas candidaturas a programas europeus que financiam a reconstrução da vinha”, aponta Celeste, reforçando que o valor captado desde março de 2008, altura em que assumiu a presidência, está cifrado nos 10 milhões de euros.

“Um pequeno associado com meio hectare de vinha não tem direito a financiamento, apenas numa agrupada, e é isso que fazemos com os associados com terrenos menores, de forma a apoiar”, aduz, indicando que há ainda outros programas para ajudar com o financiamento dos sistemas de rega.

O trilho da uva

Depois de colhidas, as uvas são transportadas dentro de reservatórios (dorna – em inox, tinão – em madeira) pelos associados. Para obter a qualidade exigida pelos clientes, os de cá e os que estão lá fora, é analisado o grau de álcool e o de acidez, entre outros aspectos, através do refractómetro, com apoio de uma engenheira química e de um engenheiro mecânico. Alguns produtores ficam satisfeitos com a análise, outros nem por isso, uma vez que esta determina também a quantia a ser paga.

Refractómetro certifica a qualidade da uva. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

Celeste explica que no período da vindima funcionam dois destes aparelhos, enquanto que no resto do ano funciona apenas um. “É um certificador de forma a separar o produto que vai para cada um dos cais que temos”, explica.

Ativamente, existem os cais dos brancos, dos tintos e do rosé. A colheita anual ronda a média dos seis milhões de quilos de uvas. A maioria é branco, um terço é tinto. Em termos de branco, 90% é Loureiro.

Cada cais permite fazer seis tipos de vinhos brancos diferentes. Nos tintos são quatro. Nos cais do vinho branco Loureiro, em grande maioria, a uva é separada desde o grau mais elevado até ao grau mais baixo que serve, por exemplo, para fazer vinho de garrafão.

Trabalhadores retiram as dornas e os tinões das viaturas dos produtores e colocam, de forma mecânica, os bagos dentro da prensa, que separa o mosto do vinho. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

Seis milhões de quilos de uva por ano

“Da receção da uva, fazemos uma distinção da qualidade, determinando o grau e o estado sanitário, a partir daí, o itinerário é separado para existir um maior rigor no processo de fermentação”, dá conta a enóloga Rita Araújo.

Enóloga Rita Araújo responsável pelo processo de fermentação dos diferentes tipos de vinho. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

A uva chega ao cais, é pesada e desengaçada dos cachos. É depois prensada através de prensa pneumática que leva 30 mil quilos de cada vez.

“Não esmaga ao máximo, faz com que retiremos o que queremos do bago. A uva seca é rejeitada, assim como o engaço“, explica a enóloga. A partir daí, a uva cai nos tapetes e é aproveitada para fazer bagaço, já o líquido flui para cubas onde irá fermentar.

Uvas são despejadas em prensa. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

“A partir daí começam 3 ou 4 semanas de fermentação e acabando esse processo dá-se inicio à prova das cubas e, a partir dessa definição, fazemos outras etapas para preparar o engarrafamento”.

Processo de fermentação. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

Vale do Lima, capital do vinho Loureiro

Ricardo Silva, engenheiro agrónomo, recorda que a proeminência da adega limiana passa pela casta Loureiro.  “Em seis milhões de litros, apenas 500 mil não são Loureiro”, conta.

Ricardo Silva e Celeste Patrocínio . Foto: Fernando André Silva / O MINHO

O segredo da proliferação desta casta no vale do Lima passa pelo clima e pelo terreno,elucida o engenheiro agrónomo. “Estamos num vale em que recebemos a brisa do oceano Atlântico e isso é essencial para a cultura do vinho Loureiro, pois mesmo que existam picos de clima, mais quente ou mais frio, a casta Loureira raramente se altera graças ao clima. A simbiose é perfeita”.

Adega de Ponte de Lima tem dois mil associados, grande parte estão no vale entre o rio Lima e as montanhas. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

“Como estamos no berço do Loureiro, o ar, a terra, o clima, estamos a 25 quilómetros do mar, os dias são quentes no verão e à noite mais frescos, e essa frescura do Loureiro traz, em termos de prova, as caraterísticas necessárias para o verdadeiro Loureiro do vale do Lima” – Rita Araújo.

Quem consome o vinho?

Celeste Patrocínio revela que 30% do vinho é exportado, grande maioria de castas Loureiro, Adamado, Vinhão e Rosé, sobretudo para os Estados Unidos, onde é consumido pela comunidade portuguesa e não só. O americano tem especial preferência pelo Rosé. Celeste conta que para o Canadá, há muita exportação de Loureiro e Vinhão, “aquele tinto que deixa rastro na boca”, mais para a comunidade portuguesa.

Fantasma do Brexit e aguardente em casinos chineses

“Inglaterra foi o país onde mais crescemos no último ano, tanto em valor como em quantidade vendida, mas não sabemos o que vai acontecer agora [devido ao Brexit], uma vez que as taxas podem aumentar. “Mas acredito que as vendas se vão manter”. Alemanha, França, Rússia, Polónia e Japão são os restantes países alvo da Adega de Ponte de Lima. Para a China é vendida aguardente. “Creio que é para os casinos”, diz a presidente.

Jovens amarram-se à vinha, outros ao gado

João Oliveira, 24 anos, é produtor de vinho desde os 17, em parceria com um primo. “Sou filho de agricultores e o gosto pela agricultura está no sangue. Decidimos entrar neste mundo com dois hectares e neste momento temos 12 e com muito mais em vista. João tem plantações em Feitosa e Refoios de Lima, no concelho de Ponte de Lima, e em Jolda S. Paio e Souto, concelho de Arcos de Valdevez.

João Oliveira. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

“O inicio foi difícil porque foi investimento próprio, depois conseguimos algum apoio e a produção começou a ser rentável. Neste momento temos o processo de rega automatizado e isso foi importante”, destaca.

Carlos Leones tem cerca de 40 anos e é um dos maiores abastecedores da adega nos últimos dias, e também um dos mais jovens. Traz em média cinco mil quilos de uvas por dia, ao longo de 15 dias.

Carlos Leones. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

Faz duas viagens dos terrenos onde possui as vinhas, em Moreira do Lima, e sente-se satisfeito com a associação a que pertence.

António Barbosa tem dois hectares de vinha e já produz para esta adega há 35 anos. Mas está a pensar “destruir a vinha”. “Os meus filhos estão mais interessados na criação de gado porque o lucro é mais certo, enquanto que a vindima só dá uma vez no ano”.

O produtor, de Poiares, Ponte de Lima, aponta dificuldades em encontrar mão de obra para as vindimas e para tratar da vinha. “Tenho cinco pessoas a ajudar mas é complicado, e só tenho dois hectares, imagino se tivesse mais”.

Relevância económica e social

Nesta cooperativa, que é também uma empresa, não se trabalha apenas em época de vindimas, expõe Celeste Patrocínio: “Somos uma estrutura de produtores da maior relevância económica e social no concelho e não só, pois não é só a atividade do cultivo da vinha mas também o de sustentar serviços da região”.

Cais de vinho branco. Foto: Fernando André Silva / O MINHO

De forma permanente, cerca de 30 pessoas movem a engrenagem da cooperativa, dez delas com ensino superior especializado. “Temos dois engenheiros agrónomos que dão apoio aos associados, dois enólogos, uma técnica superior de qualidade, um engenheiro mecânico e uma engenheira química, técnicos de marketing, uma contabilista certificada e um laboratório de química qualificado”.

Nas alturas de maior azáfama, são contratadas mais 30 pessoas, de forma externa, que ajudam na logística, tanto em época de colheita da uva como aquando do processo de engarrafamento do vinho.

Não é só a a questão do vinho

A presidente destaca a alavanca económica para a região na altura de engarrafar o vinho, aludindo a compras na ordem das dezenas de milhares de euros em cápsulas, garrafas, rolhas, rótulos, papelão, entre outros gastos: “Fazemos mover comércio e indústria no concelho”. E essa época chega já em dezembro.

 
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