Abutres regressam em força à Peneda-Gerês e podem estar a nidificar

Biodiversidade

Tem sido cada vez mais frequente avistar grifos (Gyps fulvus) no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG). A consideração é de José Pereira, biólogo e um dos responsáveis da Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural, que, como o próprio nome indica, se dedica à conservação da natureza e do património rural na zona Norte do país. Para quem não sabe, um grifo é uma das três espécies de abutres que ocorrem no nosso país, com  envergadura de asa que chega aos 2,5 metros.

Para além do grifo, que é o mais tradicional em Portugal, também há registo de, pelo menos, a presença de um exemplar de abutre-preto (Aegypius monachus), esse menos observado por cá e com um estatuto máximo de conservação, a ‘deambular’ pelo PNPG, uma vez que se encontrava com uma monitorização via GPS, que atestou o percurso por terras minhotas, explicou-nos o especialista.

Abutre-preto. Foto: Herdade da Contenda

Estas observações acabam por ser boas notícias para os protetores da biodiversidade. Depois de um período ‘negro’ para as aves necrófagas no nosso país, sobretudo devido à proliferação da utilização de venenos como combate a animais indesejáveis entre os anos 50 a 90, como é o caso do lobo, estas aves parecem estar de regresso nos últimos anos e, embora sem factos que o provem, já nidificam e por cá vivem em permanência. A partir dos anos 90, a conservação da natureza passou a ser prioridade.

De acordo com o biólogo, “a doença das vacas loucas também teve grande impacto nas populações destas aves em Portugal e na Europa, já que, dependendo dessa fonte alimentar, viram reduzir drasticamente a disponibilidade de alimento pois todos os animais de origem pecuária passaram a ser incinerados”.

“Atualmente, face à erradicação da doença em território europeu e da adaptação da legislação no sentido de aumentar a sua disponibilidade trófica e proteger as aves necrófagas, várias estratégias têm surgido e estas aves encontram espaço para recuperar as suas populações históricas”, acrescentou.

José Pereira explica que nos últimos anos, a população tem aumentado em grande número, havendo, por exemplo, registo de aumento de 600 famílias para 1.700, isto na zona do Douro Internacional (Trás-os-Montes). Por arrasto, e porque a população de grifos tem vindo a aumentar, estas aves acabam por entrar na área da Peneda-Gerês, onde ainda vão encontrando algum alimento, fruto das carcaças de animais mortos, sobretudo gado caprino e bovino.

Grifos no PNPG. Foto: João Ferreira

No final do verão de 2021, o fotógrafo de natureza, João Ferreira, de Braga, registou um bando de grifos em pleno repasto, graças a uma carcaça de vaca cachena algures pelo Parque Nacional. Estas imagens, para além do valor estético que representam, são um importante contributo científico para sustentar o regresso destas aves e a provável nidificação que já ocorre por entre exemplares adultos.

A O MINHO, João Ferreira admite que é “habitual” visualizar abutres nos anos recentes, isto de há uns anos para cá. E não são só os grifos, também o abutre-preto já foi registado “umas dez vezes”, segundo o fotógrafo profissional.

“Já ando por lá [Parque Nacional da Peneda-Gerês] há uns anos, não vejo todos os dias, mas há zonas em que, numa sequência de cinco dias, vejo grifos em três”, considerou, acrescentando que muitos estão na zona raiana, mas já os avistou no interior.

Para João Ferreira, este ‘regresso’ “é bastante importante porque são um elo da cadeia alimentar, recicladores da natureza”. Explica que, no caso das fotografias onde os grifos devoram uma carcaça na Serra da Peneda, “a vaca partiu o pescoço ali e estava em cima da linha de água, e essa linha ligava à aldeia, levando a putrefação junto com a água. Claro que não fazem uma higienização, mas diminuem a quantidade de carne podre que esta a infetar a água”.

O fotógrafo de natureza equipara a biodiversidade a um puzzle: “Consegue-se perceber o puzzle, mesmo faltando algumas peças. Mas se tirarmos muitas peças, o puzzle desintegra-se, e deixámos de perceber o que lá está. O mesmo acontece com a biodiversidade”.

Em 2018, uma publicação do jornal El País deixou em alvoroço alguns dos observadores desta espécie de ave, pois era indicado que havia uma muralha intransponível entre Espanha e Portugal, fruto da adoção de medidas sanitárias no nosso país, onde era obrigatória a remoção das carcaças de animais mortos quase no mesmo dia, ao contrário de Espanha, o que levava a que os abutres permanecessem no país vizinho, onde tinham mais alimento.

Mas, conforme explica o responsável da Palombar, “tem havido um trabalho conjunto entre ONGA e autoridades, em articulação com os produtores pecuários, no sentido de permitir o abandono de carcaças em áreas remotas e de especial interesse para a conservação dos abutres, permitindo assim que fiquem disponíveis e sejam consumidas por estas aves, que se vão alimentando também no nosso território e prestando um serviço essencial para a saúde pública – a eliminação de cadáveres”.

“No entanto, não há dados robustos que permitam consolidar essa informação, apenas observações registadas avulso por observadores de aves e de informação recolhida dos censos e atlas realizados a nível nacional”, explica José Pereira, sem se deixar abalar pela falta de dados concretos: “É uma realidade associada também a um aumento da população desta espécie a nível nacional e ibérico, o que provoca e obriga a uma maior dispersão dos indivíduos, nomeadamente os juvenis”.

No entanto, e aparentemente, da monitorização que tem sido realizada pela Palombar, são observados vários indivíduos adultos, em idade reprodutiva, e nos meses associados à reprodução (janeiro a julho), explica o cientista, “o que leva a crer que há fortes probabilidade de que a espécie esteja a nidificar no PNPG”.

Contudo, “dadas as características orográficas do território, com áreas de muito difícil acesso, a identificação de eventos de nidificação é extremamente difícil, mas esse trabalho de monitorização está a ser feito progressivamente”, afirma José Pereira.

Sentinelas

Através da Palombar, e no âmbito do projeto Sentinelas, que arrancou em 2019, “está a ser criada uma rede robusta e alargada de monitorização de ameaças para a fauna silvestre relacionadas sobretudo com o furtivismo”.

Os principais objetivos deste projeto, é explicado na página do projeto, passam pela monitorização, através da marcação com dispositivos GPS, espécies sentinelas que normalmente são afetadas por diversas formas de perseguição ilegal, bem como por outro tipo de ameaças. A rede conta já com 12 grifos marcados com emissores GPS-

A informação gerada por esta rede permite sinalizar/detetar ameaças para espécies selvagens e contribuirá para ajudar a desenvolver estratégias para melhorar o estado de conservação do património natural e da biodiversidade em Portugal, em particular de espécies necrófagas, muitas delas com estatuto de conservação desfavorável no território nacional.

Rede Natura visa proteger estas espécies

A Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural, inserido na Rede Natura 2000, tem também em marcha o projeto ‘ConnectNatura’, “uma rede de áreas designadas para conservar os habitats e as espécies selvagens raras, ameaçadas ou vulneráveis no espaço da União Europeia”.

“Resulta da aplicação de duas Diretivas comunitárias distintas: a Diretiva Aves, relativa à conservação das aves selvagens, e a Diretiva Habitats, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens”, pode ler-se, em documento partilhado por aquela associação com O MINHO

As medidas a implementar são dirigidas a espécies estritamente e parcialmente necrófagas e que possuem um estatuto de conservação desfavorável em Portugal, em particular o abutre-preto (Aegypius monachus), o britango (Neophron percnopterus), o grifo (Gyps fulvus) e a águia-real (Aquila chrysaetos).

As ações previstas têm como objetivo melhorar as condições de alimentação e de aceitação social, de forma a reverter as tendências populacionais negativas e a promover o retorno e/ou a fixação dessas aves nesses territórios, os quais constituem áreas de presença histórica.

Para além disto, o projeto contribuirá para reforçar a conectividade entre populações, através de corredores entre áreas da Rede Natura 2000, e para restaurar cadeias tróficas ancestrais, refere o mesmo documento.

Notícia atualizada às 18h23 com declarações de João Ferreira.

 
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