O Grupo de Estudos Históricos do Vale do Neiva (GEN), situado na freguesia de Durrães, em Barcelos, é responsável por uma revolução arqueológica e patrimonial, cujo o grito de ordem foi o ensino da população, para o valor da arqueologia. A revolução partiu da Casa do Povo, da aldeia, conquistando toda uma região. O apeadeiro de Durrães, após receber verbas do orçamento participativo, vai transformar-se num centro interpretativo do trabalho desenvolvido pelo GEN.
Tarcísio Maciel, doutorado em arqueologia e rosto mais visível do GEN, explica, durante esta entrevista, quem é o Grupo de Estudos Históricos do Vale do Neiva, qual a sua importância, o seu trabalho e as suas conquistas, para a valorização patrimonial do Alto Minho.
Quantos anos tem o Grupo de Estudos Históricos do Vale do Neiva?
O GEN existe desde 1977, no seguimento das primeiras prospecções e visitas a locais arqueológicos do vale do Neiva, tendo como ponto de partida a área da Chã de Arefe, em Durrães.
Como ocorreu a sua fundação e como foi possível manter um projeto de salvaguarda patrimonial, numa aldeia como Durrães?
No início o grupo funcionava informalmente, com a participação de alguns elementos que tinham em comum o gosto pela atividade. A Casa do Povo de Durrães, em fase de transformação estatutária decorrente das alterações políticas da época, disponibilizou uma sala do seu edifício para sede. Com a descoberta e estudo da necrópole da Idade do Bronze Inicial da Chã de Arefe e a ligação estabelecida com investigadores da Universidade do Porto, tornou-se necessário formalizar a associação, inscrevendo os seus elementos como sócios e transformando o GEN numa secção autónoma da Casa do Povo.
Nos finais da década de oitenta, perante a iminência do seu desaparecimento, foi o Grupo que assegurou, em eleições, a continuidade da Casa do Povo e a sua ligação privilegiada à arqueologia, situação que ainda hoje se mantém. Para tal, foram fundamentais as atividades de ocupação de tempos livres de jovens desenvolvidas ao longo dos anos, com o apoio da delegação de Braga do Instituto Português da Juventude.
Quantas escavações realizou o grupo desde a sua fundação?
O GEN, paralelamente à continuação das suas atividades no vale do Neiva, trabalho que continua no presente visando a atualização da carta arqueológica, participou entre os finais da década de 1970 e durante a década seguinte nas escavações da Cividade de Âncora, do Castro do Coto da Pena, em Caminha, e no balneário castrejo de Galegos (Barcelos), trabalhos orientados pelo professor Armando Coelho Ferreira da Silva, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e nas escavações do Montinho das Laranjeiras, em Alcoutim, da responsabilidade do professor Manuel Justino Pinheiro Maciel, da Universidade Nova de Lisboa.
Nos anos noventa e na viragem do milénio, no seguimento da aprovação de projetos integrados no Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos, o GEN levou a cabo diversas intervenções, de que são exemplo os trabalhos na Citânia da Carmona (Balugães – Barcelos / Carvoeiro – Viana do Castelo), castro do alto dos Mouros (Carvoeiro), castro dos Castelos (Durrães – Barcelos), castro do Picoto dos Mouros (Durrães / Tregosa), povoado pré-histórico de Sobradelo (Duas Igrejas – Vila Verde), castro de Roques (Vila Franca / Vila de Punhe / Subportela – Viana do Castelo).
Levou a cabo também diversas intervenções de emergência e salvaguarda: Castro de S. Cristóvão, Freixo – Ponte de Lima, Mamoa da Laje (Vila Verde), Estação romana de Ardegão (Ponte de Lima), balneário castrejo de Roques, povoado do Castrilhão (Vinhais), bem como trabalhos em contexto de minimização de impactes como nas muralhas setecentistas de Caminha ou na área mineira do Monte da Infia, Fragoso (Barcelos).
Qual o valor das verbas recebidas para o projeto e com quantos “arqueólogos” pode o grupo contar?
O grupo conta com mais de uma centena de sócios, dos quais mais de três dezenas possuem experiência em trabalhos arqueológicos adquirida na participação nos trabalhos ao longo dos últimos quarenta anos. A sua colaboração tem sido sempre em regime de voluntariado.
Quais os principais sítios arqueológicos descobertos e quais estão preservados?
É possível visitar alguns locais, nomeadamente a citânia da Carmona, o castro dos Castelos, o castro de Roques, que são objeto de manutenção pelo grupo ou por autarquias, em colaboração. Em Durrães, o GEN criou, juntamente com o grupo Amigos da Montanha, de Barcelos, o primeiro percurso pedestre de pequena rota de Barcelos (PR1 – Pelos caminhos da Chã de Arefe), que possibilita o acesso a vários sítios arqueológicos.
Como foi possível educar e explicar a uma aldeia que o património tem valor?
Em Durrães, o gosto pela arqueologia tem antecedentes em diversas pessoas, destacando-se o professor Daniel Maciel, que nos anos vinte e trinta do século passado incutia o interesse pelos vestígios do passado aos seus alunos da escola primária. O escritor Domingos da Calçada foi um desses alunos, e o grupo deve-lhe a decisão, enquanto membro da direcção da Casa do Povo no final da década de 1970, de construir um espaço para servir de sede definitiva para as suas atividades.
As saídas de campo nos primeiros tempos foram vistas mesmo assim com alguma curiosidade, atendendo à novidade deste tipo de trabalhos. Lentamente, a população da freguesia e das povoações em redor foram apoiando e incentivando as actividades, seja pela autorização de estudos nas propriedades particulares, seja pela motivação de jovens em se inscrever e participar. Em cada um desses jovens das décadas de setenta e oitenta, embora nem sempre com participação activa, há hoje um defensor do património cultural, em especial do arqueológico.
Quais foram as maiores lutas para levar o grupo avante?
Embora com a presença e colaboração de alguns membros fundadores, é às novas gerações que compete levar por diante, enquanto for possível, o objectivo de inventariar, estudar e divulgar o património histórico e arqueológico do vale do Neiva. Presentemente, e no seguimento da atribuição de financiamento do Orçamento Participativo de Barcelos, está em fase de arranque a transformação do edifício do apeadeiro da linha do Minho de Durrães em centro interpretativo, com a designação Porta do Neiva, em que será possível a todos os interessados ter acesso a imagens, cartografia, espólio arqueológico e restante informação respeitante aos trabalhos do GEN ao longo de mais de quarenta anos.