ARTIGO DE OPINIÃO
Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia
Licenciado em História, Mestre em Património e Turismo Cultural pela UMinho – Investigador em Património Industrial
Inaugurada há praticamente 146 anos, a Ponte Eiffel do rio Âncora, em Caminha, continua a ser protagonista em muitas notícias, tornando-se personagem principal de um filme cujo epílogo parece não querer revelar-se. A velhinha Ponte de ferro, Obra de Arte da afamada Casa Eiffel & Cia, destinava-se apenas ao trânsito ferroviário, integrando a única e importantíssima ferrovia do Noroeste português – a Linha do Minho. Não obstante, no último quartel do século XX foi substituída (1989), por motivos de maior exigência de carga e velocidade. Após esse episódio, passou uns tempos depositada numa das margens do rio Âncora sem que, todavia, as autarquias locais fossem capazes de atribuir-lhe um fim digno – valorizando-a. Ao que tudo indica, a falta de meios financeiros parece ter sido um dos motivos.
Em 1993, foi supostamente doada pela CP – Comboios de Portugal, à autarquia de Póvoa de Lanhoso, para que esta a reutilizasse numa travessia do rio Ave, entre Garfe e S. Martinho de Campo. Porém, após ter sido cuidadosamente desmontada e transportada para o seu novo destino – passou mais uma vez pelo ostracismo – cerca de 10 anos depositada numa das margens do rio Ave, motivo pelo qual muitas das suas peças desapareceram, levadas pelos amigos do alheio. Não admira que um gigante dessa envergadura se tornasse apetecível para os ávidos sucateiros. A velha Ponte acabou por ser transportada para os terrenos de uma empresa na freguesia de Covelas, do mesmo concelho.
Ali depositada, num local francamente nada adequado para o efeito, à mercê dos caprichos da natureza e, como diz o povo – “ao tempo” – entrou num processo acelerado de deterioração. A tudo isso, junte-se o facto de a empresa que a acolheu, a DAEL, por razões naturalmente compreensíveis, a ter deslocado diversas vezes, uma vez que, ao longo de todos esses anos, transformou-se num empecilho gigante, pesado, de custosa mobilidade (um estorvo), causando-lhe cada vez mais danos.
Ali permanece até a atualidade, encontrando-se cada vez mais adulterada, ao ponto de a cada ano que passa se tornar cada vez mais onerosa a sua reabilitação. Há uns dias a esta parte, a Ponte foi alvo de mais uma visita, desta feita pelo atual autarca de Âncora, e um membro da freguesia de Vila Praia de Âncora. A verdade é que, há mais de uma década que o anterior autarca de Âncora – António Brás – encetou uma luta pelo regresso da Ponte, luta essa à qual me agremiei e, em 2021, promovemos na Sociedade de Instrução e Recreio Ancorense um debate que teve como mote “que futuro para a Ponte Eiffel do rio Âncora” – tratando-se de uma entre muitas outras iniciativas que visaram trazer a lume essa problemática.
No ano transato tivemos a oportunidade de interpelar o presidente da Câmara Municipal de Póvoa de Lanhoso, numa Assembleia Municipal, apelando a que, a breve trecho, a autarquia libertasse a Ponte, permitindo o seu regresso ao seu meio natural – Âncora. Todavia, o autarca lanhosense, Frederico Castro, referiu que a Ponte “se encontra noutra fase da sua história”, manifestando que tem envidado esforços para a sua valorização como património cultural. O autarca que o antecedeu, Avelino Silva, havia referido que “a autarquia não podia doar património”; o mesmo informou-nos também Frederico Castro, aquando da referida Assembleia Municipal em que interviemos. A derradeira e justificada pergunta que se coloca é: a quem deverá pertencer a Ponte? Ora, uma vez que a Póvoa de Lanhoso nem sequer possuiu ferrovia e, por consequência, as suas comunidades não alcançam o valor desse património cultural, que sentido faz não querer ceder a velha Ponte de Gustave Eiffel ao seu local primitivo? Ao que tudo indica, tem-se aventado a ideia de dividir a Ponte entre uma e outra autarquia; será que isso faz algum sentido? Será que amputar o património cultural desagua na sua integral compreensão e valorização?
Outra questão é a seguinte: depois de passarem mais de três décadas sem que nada fosse feito para dignificar esse elemento tão importante do nosso património industrial, alguém acredita que vai ser agora? Todo esse filme, composto por tantos episódios que roçam a bipolaridade, continua na sua senda por um epílogo. O motivo desta crónica encontra a sua razão em tudo aquilo que se afasta da própria razão, ou seja, tudo o que tem sucedido, todas as justificações, todas as negações, não passam de desculpas de mau pagador. Ainda que, para infortúnio de todos os portugueses, a Lei e a Política, que andam de mãos dadas, se revistam de tantas incoerências, de tanta burocracia, de tanto rigor, acabam por desprezar a ética e a moral – fundamentos elementares da sua própria existência.
A terminar, permitam-me ser otimista, acreditando que um dia a Ponte Eiffel do rio Âncora vai ser restituída às suas gentes, às suas comunidades, para lhes poder recordar as suas vivências, as dos seus antepassados – o revisitar da História de Portugal que, por momentos, conheceu o verdadeiro progresso – levado por diante por verdadeiros estadistas regeneradores.
Vamos andar nisto ad aeternum?