ARTIGO DE HELENA TEIXEIRA
Membro do secretariado concelhio das Mulheres Socialistas – Igualdade e Direitos de Braga. Vereadora na Câmara Municipal de Braga.
Volvido um ano de crise pandémica mundial, Portugal atravessa o momento mais difícil no combate ao vírus Covid-19. Este longo período deixará em todos marcas que serão difíceis de superar, mais profundas em quem está desde o início na linha da frente do combate. Mas para além de todos os profissionais de saúde que diariamente enfrentam a primeira de linha de combate, estão muitas outras pessoas cujas vidas ficaram incontornavelmente marcadas pela pandemia.
As mulheres pelo seu papel de cuidadoras formais ou informais e pelo seu papel basilar no contexto familiar, ficaram naturalmente sobrecarregadas com a multiplicidade de tarefas que foram acumulando. Com o confinamento a maioria teve que acumular teletrabalho com as tarefas domésticas, preparar refeições, cuidar dos filhos e ser professora. Reconhecidamente as mulheres têm esta capacidade de se multiplicarem e de realizarem diversas tarefas ao mesmo tempo, de forma abnegada, com entrega, com amor.
Mas será que esta capacidade de enfrentar situações difíceis as torna mais competentes para lidar com a crise pandémica? É de senso comum a forma pragmática de as mulheres lidarem com os problemas e a sua resolução, mesmo em situações de crise ou catástrofe.
O conceito “the Glass Cliff” tenta explicar porque muitas vezes são escolhidas mulheres para cargos de liderança em empresas ou organizações que estão em dificuldade. A explicação é que quando as mulheres atingem lugares de topo na hierarquia do poder, são colocadas em posições precárias, logo há um risco maior de elas fracassarem e caírem de um “penhasco invisível”. A empresa/organização não ficará pior se ela fracassar e assim podem culpar uma mulher pelo fracasso que por vezes os homens não estão dispostos a assumir.
O mesmo acontece em situações de crise ou instabilidade. Quando as situações são difíceis as mulheres são muitas vezes chamadas e assumem o risco porque podem não ter outra oportunidade. Sem dúvidas que as mulheres têm sabido aproveitar as oportunidades para superar estereótipos e demonstrar as suas qualidades e competências, com percursos de sucesso, possuem reconhecidas capacidades de gestão em situações difíceis e são tidas como mais democráticas, cooperativas e leais do que os homens.
Estudos realizados durante a primeira vaga da pandemia indicam que os países com liderança feminina obtiveram sistematicamente e significativamente melhores resultados, em número de casos e mortes. Existe ainda um estudo que avaliou o desempenho dos governadores nos EUA e determinou que Estados com liderança feminina tinham menores taxas de mortalidade.
Um padrão que surgiu logo no início da pandemia foi que as líderes femininas pareciam ter lidado com a crise de maneira notável e foram apontados como exemplos de como controlar uma pandemia. Apontavam-se casos de sucesso como a Nova Zelândia com Jacinda Ardern, a Alemanha de Angela Merkel, a Finlândia com Sara Marin, ou ainda, Hong Kong sob a chefe do executivo Carrie Lam ou Taiwan sob a presidência de Tsai Ing-Wen.
Em comum, sob a gestão destas mulheres, os respetivos países reagiram mais cedo e implementaram medidas de combate, como encerramento de fronteiras e restrições à circulação. No inverso, é do conhecimento geral que comportamentos de risco por parte de líderes mundiais como Jair Bolsonaro no Brasil, Donald Trump nos EUA ou inicialmente Boris Johnson no Reino Unido, tiveram consequências catastróficas na propagação do vírus e na capacidade de resposta.
Observando alguns exemplos de mulheres que desempenham papéis de liderança em termos mundiais poderemos começar pela Nova Zelândia. Jacinta Ardern – 40 anos, líder do Partido Trabalhista neozelandês, atual primeira-ministra e chefe de governo da Nova Zelândia. Nas últimas eleições legislativas em 17 de outubro de 2020 obteve para o Partido Trabalhista uma maioria absoluta, o melhor resultado em mais de 50 anos, conseguindo uma votação de 90% e um resultado extraordinário em plena gestão pandémica. Surpreendente ou não, tendo em conta que Ardern foi elogiada em todo o mundo pela sua gestão da pandemia de Covid-19, com decisões rápidas e determinantes no fecho de fronteiras e no decretar do confinamento obrigatório, recebeu assim a confiança de larga maioria dos neozelandeses para continuar a gerir a pandemia e a recuperação económica da Nova Zelândia.
Sara Marin, primeira ministra da Finlândia com apenas 35 anos é a chefe de governo mais jovem do mundo, na sequência da demissão do seu antecessor. Tomou posse em 10 de dezembro de 2019 e pouco depois tinha que liderar o país no combate ao vírus. A Finlândia foi um dos países europeus que mais se destacou na gestão da primeira vaga da pandemia, com apenas 46,60 casos por cem mil habitantes no final de outubro de 2020, o mais baixo da Europa e um caso raro de sucesso em que foram apontadas a prontidão de resposta e ação em emergência nacional como fatores de sucesso, destacando-se a abordagem pragmática. No final de 2020 quando muitos países europeus já se deparavam com a terceira vaga da pandemia, a Finlândia ainda não tinha entrado na segunda vaga.
Juntamente com a Finlândia, a Noruega é outro exemplo na estratégia adotada no combate à Covid-19. A sua primeira ministra, Erna Solberg, é apenas a segunda mulher a ocupar o cargo no país. Inicialmente a Noruega foi o país nórdico que mais restrições adotou, o país parou durante a primavera, mas conseguiu lidar com a crise económica. Tendo concluído que 60% dos contágios ocorriam entre migrantes, o governo norueguês apostou numa campanha de consciencialização junto daquelas populações e como consequência os casos diminuíram.
Hong Kong, liderada pela controversa Carri Lam, foi apontada no início da pandemia como um exemplo mundial no combate à pandemia do coronavírus. O elevado grau de desenvolvimento da gestão de saúde pública no território, permitiu que apenas dois meses após o primeiro caso tivessem sido realizados 100 mil testes na população. A testagem em massa, rastreamento de contatos, controlo de temperatura nos postos fronteiriços e quarentena obrigatória para quem retornasse ao território, foram fatores de sucesso determinantes.
Taiwan, foi apontado como outro caso de sucesso. A presidente Tsai Ing-wen, educadora e política, focada nas reformas do sistema educacional e de saúde, mereceu o reconhecimento mundial pela rápida resposta à Covid-19 na implementação de medidas de grande eficácia.
Um artigo publicado na Harvard Business Review, em dezembro 2020, revela que um estudo realizado entre março e junho de 2020, à semelhança de outros estudos pré-pandemia, classificou as mulheres como líderes mais eficazes. Esta diferença é ainda mais acentuada na gestão da pandemia indicando que estas tendem a ter um melhor desempenho na gestão de uma crise. As mulheres obtiveram melhor classificação em 13 das 19 competências avaliadas, apesar de os homens terem uma avaliação melhor na competência – conhecimento técnico/profissional, a diferença não foi estatisticamente relevante. Nesse mesmo estudo percebeu-se que os funcionários sob liderança feminina tinham melhores níveis de desempenho, motivados por fatores como a inspiração, motivação, comunicação mais poderosa e melhores níveis de colaboração interpessoal e de gestão de equipes, também, que estas líderes demonstram ter maior confiança e preocupação com o seu bem-estar.
Em questões de liderança, estudos sugerem que as mulheres tendem a adotar um estilo mais democrático e participativo e tendem a ser mais hábeis em matéria de comunicação. Isso mesmo ficou em evidência nos estilos de comunicação decisivos e claros, adotados por várias líderes femininas. Por outro lado, ainda que as mulheres sejam mais avessas ao risco no domínio da vida humana parecem mais dispostas a arriscar no que à economia diz respeito, enquanto que os homens demonstram ser mais avessos ao risco de perdas financeiras.
As mulheres representam menos de 7% dos líderes mundiais o que torna ainda mais notável o facto de muitas se terem destacado pela sua liderança e gestão da crise pandémica mundial. É um facto que possuem capacidades e competências que comprovam o seu valor único de liderança, principalmente em situação de crise, sendo por isso de lamentar que estudos indiquem que serão precisos 100 anos para que as mulheres ocupem o mesmo número de lugares de topo que os homens. A diversidade de uma maior liderança feminina nas empresas, organizações e cargos políticos trará à Humanidade muitos ganhos sociais e democráticos, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária, mais democrática e respeitadora dos direitos humanos.