A justiça de rosto humano- ‘In memoriam’ de António Gomes

Artigo de opinião pelo advogado Miguel Brito
António Gomes. Foto: DR

Artigo de Miguel Brito

Advogado

Miguel Brito. Foto: DR

Por vezes ligo para o Tribunal e surge um “Robôt”: Juízos Cíveis tecle 1, Juízo Central Cível tecle 2, Juízo local cível tecle 3, Juízos Criminais tecle 4, Juízo local tecle 5, juízo central tecle 6; serviço externo marque tecla 7; se quiser voltar ao menu inicial marque 9.

Insisto e respondem, ligue novamente ou diga em poucas palavras o assunto:

Penhora. Respondem ligue 800 100 300.

Edital na porta de casa. Ligue para 800 100, tecla um

Mandados. Ligue para o mesmo numero e marque tecla dois

Despejos. Fora de linha tente mais tarde

Estrangeiros. Contacte a AIMA e caso não atendam em 90 dias dirija-se ao TAF

Este texto parece ficção mas na verdade faz muito sentido, para evocar e dar testemunho sobre o António Gomes, funcionário judicial que partiu.

O Sr Gomes era um “Ilustre” funcionário judicial. É muito corrente usarmos a expressão ilustre no giro juciiciário, para trás e para a frente, mas ele fazia jus a esse tratamento.

Tenho o gravado no meu telefone – Gomes Tribunal – atendia sempre.

Num período não atendeu e soube que estava doente depois voltei a ve-lo de regresso e lá me falou da “luta” dele.

Só lhe ligava para lhe pedir coisas. Ele nunca me pediu nada.

Quando o vi doente foi ele que me transmitiu alegria e boa disposição.

Muita gente falava com ele, confrontados com o peso da justiça, a sua abordagem humana, atenta e sensível, sempre me sensibilizou.

Atendia toda a gente e falava com as pessoas, como todos sem exceção.

Numa altura em que ninguém atende o telefone e tem medo de dar uma informação, o António Gomes saltava a cerca .

Fazia-o nos limites da probidade e decência.

Nunca lhe paguei um almoço e hoje sinto que devia ter pago para ter a companhia dele e dizer-lhe: obrigado.

Fui à Igreja e estava a sua foto no adro da Igreja. Tinha um sorriso e no fundo da foto, umas montanhas despontavam.

Depositado no caixão, estava de gravata .

Caro Gomes, faço-lhe uma vénia.

O seu testemunho deixa uma marca na Justiça que ´os homens não vêem mas para onde você vai, será amplamente reconhecido.

O céu é dos homens bons.

 
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