A invasão russa à Ucrânia completou um ano na semana passada. Desde aquele momento e até agora, a onda de solidariedade que tomou toda a Europa chegou a Portugal e ao Minho. Um dos responsáveis pelo contacto, entrega de bens e também do apoio aos refugiados que cá chegam é a Associação Centro Social e Cultural Luso Ucraniano, que elogia e agradece ao movimento que ajuda de diversas formas em Braga.
Segundo lembra Abraão Veloso, presidente da associação, o movimento não começou na invasão do ano passado, mas sim com a anexação da Crimeia e a guerra no Donbass, que ocorreu em 2014.
“Nesta altura sentimos que era preciso ajudar a Ucrânia e os ucranianos, ajudar os que estavam lá e trabalhar com os que estavam cá”, explica Abraão a O MINHO. “O nosso trabalho não é só com os ucranianos em Portugal e refugiados. É sempre com a preocupação com os que estão a sofrer na Ucrânia. São vítimas da agressão russa que começou em 2014. Já nesta altura havia milhares de ucranianos deslocados”.
Abraão aponta que desde 2014, em conjunto com o padre ortodoxo Vasyl Bundzyak, mediador intercultural e municipal da Comunidade de Leste em Braga, fazem recolhas humanitárias, ajudam famílias de militares mortes, numa altura em que “a Europa continuava com os negócios com a Rússia, e não a valorizar a questão da Crimeia, o que agora viram que foi um erro”.
A invasão do ano passado mudou a forma de a sociedade civil colaborar, e também de fazer tudo chegar à Ucrânia.
“Para nós, nesta altura, era muito complicado mandar as coisas para a Ucrânia, a logística era muito mais complexa”, explica Abraão.
“Se nós vamos fazer esta comparação de desde 2014 até a invasão de 2022, a cidade de Braga ficou muito mais solidária, e isto nós sentimos com a ajuda humanitária, ficou muito maior”, diz Vasyl.
A iniciativa ainda em 2014 começou após contactos de Abraão e Vasyl com amigos portugueses e ucranianos, e foi criado o movimento social Solidariedade Ucrânia, e em Portugal foram realizadas ações de divulgação da realidade histórica do país e da cultura.
Logo foi iniciado o trabalho com a Câmara Municipal de Braga e com a Escola Francisco Sanches, e em 2015 foi criado o UPE – Associação Centro Social e Cultural Luso-Ucraniano. Desta forma, poderia haver apoio de instituições públicas de Portugal.
Daí até à invasão do ano passado a associação conseguiu diversas iniciativas. Por exemplo, em 2016, houve uma recolha de assinaturas para que Portugal apoiasse a reabilitação de soldados ucranianos feridos na guerra. Este objetivo foi conseguido em 2017 e três soldados foram reabilitados com o apoio do Governo.
Nos últimos anos, a associação prestou apoio à geminação de Braga com Ivano Frankyvsk, e entre 2019 e 2020, jovens das duas localidades puderam visitar as “cidades-irmãs”.
Com o início da guerra contra a Ucrânia, as iniciativas precisaram ser dinamizadas, principalmente no apoio aos refugiados na chegada a Portugal, principalmente o alojamento. Mas também na tradução junto das instituições públicas e privadas, ajuda humanitária, com alimentação, vestuário e outras necessidades.
“Quando houve a invasão, o telefone não parava de tocar. Tivemos ofertas de psicólogos, médicos, juristas, pessoas a quererem ir à Ucrânia buscar pessoas, a oferecer os quartos das suas casas, com crianças a poderem dividir, foi uma reação extraordinária”, explica Abraão.
Vasyl e Abraão lembram que no primeiro momento houve o apoio da Câmara de Braga, que fez o primeiro acolhimento no hotel que fica no Sameiro. “As pessoas vinham nos autocarros, e chegavam a Portugal, e não tinham o que fazer. Isto aqui não houve. O hotel esteve disponível para a chegada. A resposta da sociedade civil foi muito importante, sempre alguém disponível para ajudar. Houve um trabalho muito importante para fazer as ligações entre quem tinha casa para ajudar, e quem precisava de ajuda”, disse o presidente da associação.
“O nosso papel também foi acompanhar as pessoas ao SEF, às escolas, à Segurança Social, instititutos de Emprego, bancos, e o papel do Vasyl, também por falar ucraniano, foi fundamental. Resolvida esta situação, de para onde as pessoas iam, a coisa se estabilizou um pouco”.
Com o tempo, algumas famílias conseguiram estabilizar e até já pensam em estabelecer e criar raízes. Outras já regressaram ou pensam numa futura volta à Ucrânia.
“Nós temos uma lista com 70 famílias que temos contacto directo, que são cerca de 215 pessoas. Pessoas que nunca foram estrangeiras, e tinham negócios e outros assuntos na Ucrânia, pessoas que saíram de lá de forma forçada. Mas muitos já começaram a trabalhar em áreas como manicures, cabeleireiros, nas fábricas, nas casas das pessoas, a acompanhar idosos. Alguns ficaram por causa das crianças, que começaram a se dar bem. Conheço uma com um filho de oito anos que se integrou muito rápido, já fala português, e ela ficou muito contente”, explicou o padre ortodoxo.
Com a situação dos refugiados estabilizada, os olhos da associação focaram na guerra e nas necessidades de quem lá está. A associação lançou no inverno a campanha “Um Cobertor para a Ucrânia”, que foi um sucesso.
A associação começou a recolher apoios financeiros, com ajuda da sociedade civil, de empresas, fábricas e conseguiu comprar uma grande quantidade de agasalhos que chegaram às pessoas com o apoio de parceiros na Ucrânia.
O próximo passo vai ser um jantar solidário, que vai servir também para encerrar a campanha do cobertor e lançar a próxima, com o slogan “Somos Ucrânia”, “com isso dizemos que estamos preocupados com o que acontece lá, vamos continuar com o apoio com medicamentos, alimentos e roupa. Vamos esquecer para já o cobertor, o inverno está no fim”, disse Abraão.
“Ainda há muita pobreza nas zonas que foram destruídas, e há gente que não conseguiu sair. Mas as primeiras necessidades vão nos manter o foco durante muito tempo, mesmo quando a guerra acabar. A pessoa trabalhava numa fábrica, a fábrica foi destruída, e até a pessoas ter a oportunidade outra vez, demora. Nós não vamos salvar a Ucrânia, mas podemos dar uma ajuda para que as vidas dos ucranianos seja um bocadinho melhor. Nós, portugueses, hoje somos Ucrânia. De facto, a guerra tem de acabar. E com vitória da Ucrânia”, completa Abraão.
“Como cidadão ucraniano, o que eu digo é que com este trabalho conseguimos juntar mais algumas pessoas em Braga para fazer um grupo, ganhamos o espírito de confiança, e as pessoas querem ajudar, empresas também, e todos que querem ajudar, entram em contacto connosco”, concluiu Vasyl.
Para ajudar, é possível entrar em contacto com a associação através do site.