Uma peça e dois atores põem poder e obediência em causa com Brasil e Taj Mahal em fundo

A peça “Os Guardas do TAJ“, do norte-americano Rajiv Joseph, questiona obediência, poder, sonho e amizade, e estreia-se esta quinta-feira, no Theatro Circo, em Braga, onde fica até sábado, seguindo depois para Póvoa de Varzim, Famalicão e Lisboa.

Os atores brasileiros Reynaldo Gianecchini e Ricardo Tozzi dão vida ao pragmatismo e ao idealismo da obra, que tem como inspiração uma lenda sobre o Taj Mahal, em Acra, na Índia, segundo a qual os guardas do palácio não podiam falar nem olhar o edifício, mas estendem a perspetiva da obra à atualidade e, em declarações à Lusa, recordam a situação no Brasil.

A ação do drama nasce do desafio à ordem e aos códigos estabelecidos, e coloca Gianecchini e Tozzi em papéis muito diferentes dos que têm desempenhado em telenovelas, mais conhecidas do público português. É o caso de “Mulheres Apaixonadas”, “Guerra dos Sexos”, “Insensato Coração” ou da mais recente “A Lei do Amor”, em que ambos entravam.

A peça “Os Guardas do TAJ” situa-se em 1648, ano em que o Taj Mahal foi concluído, mas as questões abordadas são intemporais e a mensagem é atual, pois “a gente precisa de alguém que diga ‘foda-se'” e ponha em causa o poder estabelecido, defenderam os atores, em entrevista à Lusa, à margem do ensaio geral, que antecedeu a estreia.

No início, era o silêncio. Aos soldados da guarda imperial era exigido que não falassem e obedecessem. Mas a lei é desafiada pela irreverência de um soldado que ousou sonhar e que, apesar das tentativas do companheiro de armas para o calar e o manter dentro do que está convencionado, acaba por quebrar as regras e pôr em causa o imperador, que mandara cortar as mãos aos 20 mil homens que construíram o Taj Mahal.

“Então foda-se o rei porque a beleza vai viver!”, clama a personagem de Ricardo Tozzi, aterrorizada pelo ato que estava obrigada a cometer, temendo assim matar a própria beleza. Em causa estava a amputação dos escravos, decidia pelo soberano para que nada mais bonito do que aquele monumento fosse jamais construído.

“A gente precisa que alguém diga esse ‘foda-se!'”, começou por defender Reynaldo Gianecchini. “Tem de haver alguém que se rebele”, reforçou Tozzi.

Por isso, da Índia de 1648 os atores passam para o Brasil de hoje.

“A gente está num momento no Brasil em que muita gente está dizendo esse ‘foda-se’, está indo para a rua. ‘Foda-se’ o rei, estes políticos não nos representam, a gente não quer isso”, explicou Gianecchini.

Para o ator, o Brasil atravessa um “momento muito bonito” de luta por um ideal. Na peça, Gianecchini encarna o pragmatismo, a rigidez do código de conduta, a preocupação em agradar ao pai, a obediência cega ao imperador.

A nossa geração não conhecia essa participação” que se verifica agora no Brasil. “Era meio alienada e agora está todo o mundo se posicionado e dizendo isso: ‘Foda-se, não é assim não!'”, descreveu.

Para Tozzi, que dá vida ao idealismo, o momento de catarse, de rebelião, é justificado como resposta às ordens do rei: “É preciso esse grito [de libertação], principalmente se o rei só se preocupa com os seus próprios interesses. O nosso rei quebrou a Índia para construir o Taj Mahal, uma homenagem à mulher que ele amava. Mas quebrou um país”, disse.

Na peça, o confronto entre o pragmatismo e o idealismo está sempre em palco, através das duas personagens. Ambas defendem a sua visão do mundo: uma obedece, a outra questiona. No fim, ambas sofrem.

“No final de contas, o pragmático, o racional, fica muito triste por saber que a sua opção de vida foi servir uma ordem que lhe foi imposta e nem questionou. Ele podia ter acabado com o amigo, em nome dessa ordem e dessa dor. A culpa é o pior”, afirma Gianecchini.

“O sonhador está mais próximo dele [mesmo], do que ele sente, e o racional está sempre preocupado em atender o outro. No final, quem sofre mais é o ‘cara’ que está distante da sua essência”, corrobora Tozzi.

Nascemos assim, programados para obedecer? Não. Exatamente o que a peça põe em evidência.

Tozzi dá como exemplo a última cena, quando “o pragmático mostra a alma dele”. “Ele entalhou um passarinho em madeira e o [seu] pai falou que é besteira e o mandou parar”. “É uma grande metáfora do que acontece” na realidade: “A criança tem essência”, sonho, criatividade, personalidade, “e o pai fala que não pode; tem isso assim, assim e aquilo”, mas é contrariada. “E aí você cresce longe do que é”.

“Os Guardas do TAJ” foi estreada em Nova Iorque pela Atlantic City Company, em 2015. É uma das mais recentes obras do norte-americano Rajiv Joseph, argumentista de filmes como “Dia D”, de Ivan Reitman, e “Exército de Um Homem Só”, de Larry Charles.

“Bengal Tiger at the Baghdad Zoo” deu o Prémio Pulitzer ao dramaturgo, já distinguido também por outros galardões como os prémios Steinberg e Whitening.

“Os Guardas do TAJ”, encenada por Rafael Primot, é apresentada em Portugal, antes da estreia brasileira, em São Paulo, em janeiro de 2018.

A peça fica em cena até sábado, no Theatro Circo, em Braga, seguindo depois para o Cine-Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim, onde permanecerá em cena nos dias 16 a 19 de novembro, antes da apresentação na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, de 23 a 26 de novembro.

A digressão portuguesa termina em Lisboa, no Teatro TivoliBBVA, com representações de 29 de novembro a 27 de dezembro.

 
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