André Pinto, o Indiana Jones de Braga que aterra aviões na selva da Papua Indonésia

Transporta pessoas e carga para locais remotos na longínqua Papua Indonésia
Foto: André Pinto

Na longínqua Papua Indonésia, o aviador bracarense, de 36 anos, André Pinto, pilota um pequeno avião monomotor, sem copiloto, por cima de selvas densas, onde não há estradas e que são praticamente inacessíveis. Transporta passageiros e carga para aldeias remotas que dependem destas ligações para se manterem em contacto com o mundo e, frequentemente, faz evacuações de doentes e feridos. Está habituado a aterrar em pistas que são autênticas ladeiras nas encostas das montanhas e tudo começou porque não conseguiu entrar na Academia da Força Aérea. Os vídeos que este aventureiro ao estilo Indiana Jones publica do seu trabalho são um sucesso nas redes sociais.

Há duas semanas, André Pinto foi chamado para um serviço de evacuação, numa pista onde já não aterrava nenhum avião há muito tempo. “Era um ‘red flag’, por isso decidi fazer algumas passagens a baixa altitude para ver como estava a pista, antes de pousar”, conta. A aterragem correu bem, até ao momento em que, com o motor do Pilatos Porter ainda em funcionamento, vindo do mato, surgiu um porco enraivecido com o ruído do avião, a querer investir contra a hélice. “Se ele atingisse a hélice com o motor a trabalhar, ficava ali preso, não havia como reparar. O motor ia partir”, explica o piloto de Braga.

Em conjunto com os aldeões, armados com arcos e flechas, André Pinto organizou uma batida para caçar o animal. “Disseram-me que aquele comportamento era habitual. Sempre que um avião aterrava, o porco ficava furioso e tentava atacar a máquina. Não podia deixar aquilo assim, zanguei-me com os locais, expliquei-lhes que era uma situação de insegurança e que podia causar um acidente grave”, conta. Com o dia já a chegar ao fim, tiveram de dar a caçada por terminada, sem chegarem a encontrarem o animal.

“Tinha de aproveitar as últimas horas de luz para levantar voo e tirar dali um padre que tinha caído de umas escadas e precisava de tratamento médico. No momento em que alinhei o avião com a pista para a descolagem, o porco saiu do mato e lançou-se na direção do avião”. Por sorte, os nativos ainda tinham os arcos à mão e mataram o bicho antes que pudesse causar danos.

“Carreguei o porco no avião e quando cheguei à base, em Sentani, toda a gente levou um pedaço para casa. Foi dia de festa”, recorda.

Nunca voou nos F-16 mas acha que está melhor assim

André Pinto é filho de um ex-piloto da Força Aérea que serviu na Guerra Colonial, em Moçambique, e que depois, na aviação civil, se dedicou à fotografia aérea e ao combate a incêndios.

“Cresci no meio da aviação e sempre sonhei ser piloto”, recorda.

O objetivo era a Academia da Força Aérea, “porém, nos meus anos de adolescência dediquei-me mais ao heavy-metal e à cerveja”, confessa. Às portas da idade adulta, sem o 12.º ano terminado, “comecei a perceber que os meus sonhos estavam a ficar para trás”. Foi nessa altura que decidiu concorrer à Força Aérea, para o curso de mecânico de aviões.

A vida militar alterou-lhe as prioridades, tirou o curso de mecânico e terminou o ensino secundário. Mas o sonho continuava vivo, por isso concorreu à Academia da Força Aérea várias vezes, enquanto não atingiu o limite de idade. “Passei os testes, mas fiquei sempre como reserva. Foram anos em que abriram poucas vagas e as minhas notas eram apenas razoáveis, mas nunca foram suficientes”, reconhece.

Esteve quase a desistir do sonho e chegou a matricular-se em Engenharia Mecânica. “Nessa altura, o meu pai aconselhou-me a não desistir, disse-me para tirar o curso civil e prometeu que me ajudava”. Mas o que acabaria por ajudar a tomar decisão de se matricular no curso de piloto foi uma série – “The Worst Place to Be a Pilot” – que viu no YouTube.

“Falava da Papua, das suas pistas nas montanhas, rodeadas de selva, e dos pilotos que operavam naquelas condições”, lembra. 

Vender brincos para ter dinheiro para se aguentar

Levou um ano para tirar a primeira licença, em Coimbra. Depois, foi completar a formação de voo na África do Sul. “A escolha da África do Sul foi por causa do preço, mais barato que na Europa, mas com escolas muito reconhecidas. Além disso, a minha mãe, que nasceu em Moçambique, tem nacionalidade Sul Africana, o que permitiu que eu também obtivesse a minha”, relata. Foram tempos duros, “ganhava pouco e voava praticamente só para fazer horas”. Quando não voava, ia de mala na mão, de uma ourivesaria para outra, tentar vender produtos de joalharia. “Um perigo, num país como a África do Sul”, recorda.

“A ajuda familiar foi muito importante. O meu pai vendeu um Mercedes descapotável clássico que tinha, para financiar o meu curso”, reconhece. O plano continuava a ser voar na Papua e o convite acabaria por chegar através de um colega de curso que já lá estava. “Fui à entrevista por minha conta. Comprei os bilhetes da África do Sul para a Indonésia, sem saber se ia ser contratado”. Duas semanas depois chegou a resposta positiva, “mas eu não tinha dinheiro, nem para os bilhetes, muito menos para a formação específica no tipo de avião que ia operar”.

No espaço de um mês, “vendi o carro e arranjei dinheiro para os bilhetes e consegui fazer uma venda de joalharia acima do habitual que pagou a formação”. As companhias aéreas, normalmente, cobram a formação que dão aos pilotos para operarem certos tipos específicos de aviões. O valor é recuperado ao fim de um certo tempo a trabalhar na empresa.

Já lá vão sete anos desde que André Pinto chegou à Indonésia, começou como copiloto, tornou-se comandante e recuperou todo dinheiro que investiu. Na altura da pandemia, mudou de companhia. Atualmente pilota um Pilatos Porter, de oito lugares – nove se levar alguém ao seu lado -, com capacidade para 900 quilos de carga, para a companhia AMA que se apresenta como “a porta de entrada para a Papua, desde 1959”. 

Muitas missões de salvamento marcadas com chamadas de urgência

A companhia foi fundada por missionários católicos e, apesar de hoje ser uma operadora comercial, mantém parte do espírito com que foi criada. “Fazemos muitas missões de evacuação médica, frequentemente marcadas em cima da hora”, esclarece o piloto bracarense. “Já tive que transportar uma mãe que não expulsava a placenta, com o bebé ainda ligado a ela pelo cordão umbilical”, dá como exemplo.

A maioria dos locais para onde a AMA voa não são acessíveis por mais nenhum meio de transporte e as pessoas que lá vivem têm de caminhar durante horas ou mesmo dias para chegarem à civilização. Tudo isto enche André Pinto de um sentimento de satisfação por estar a fazer alguma coisa que tem impacto na vida das pessoas. “Não se trata de turistas que vão passar férias e reclamam que o café está frio”, afirma com orgulho.

“As mais de 500 pistas que usamos nesta região são todas diferentes. Umas têm inclinação, algumas são em relva, outras em terra, às vezes lama, há também em brita e algumas em alcatrão, umas são em vales apertados e outras nas encostas das montanhas”, descreve o piloto. Quase nunca são vedadas e é frequente os habitantes terem que enxotar os animais antes de André Pinto poder pousar o Pilatos Porter.

“Nas pistas com inclinação, temos de fazer uma coisa contraintuitiva, quando o avião toca no chão, temos que dar potência aos motores para vencer a rampa”, esclarece.

Apesar de o modelo de avião ser antigo, os aparelhos que a AMA usa são versões mais recentes com aviónica moderna. “O grande risco é que voamos sozinhos e só podemos contar conosco. Se quiser ir a casa-de-banho não tenho ninguém que me segure os comandos”, ilustra.

Nestas condições, os acidentes às vezes acontecem e André Pinto já teve um: “Ficamos sem travões, não foi possível parar o avião na pista e acabamos no meio do mato”, descreve.

Com toda esta adrenalina no dia a dia, não lhe passa pela cabeça tornar-se piloto de linha aérea na Europa. “Tenho uma namorada, inglesa que trabalha em barcos, na Polinésia Francesa. Estamos a comprar uma casa em Esposende, mas, para já, nenhum de nós pensa verdadeiramente regressar”, admite. A componente financeira é importante, com um salário que supera o de um piloto de linha aérea na Europa, “mas valorizo, principalmente a liberdade que tenho aqui e que já não existe em mais lado nenhum”.

Pilotos raptados por rebeldes independentistas

Nem tudo são maravilhas no paraíso de praias de areias brancas e águas turquesa. “A comida é quase toda frita e muito picante. É muito difícil encontrar coisas básicas para nós europeus, como leite. Um bom bife ou um copo de vinho são quase impossíveis de encontrar”, aponta.

Além disso, há o risco, em áreas onde existem grupos rebeldes que lutam pela independência da Papua. “Um colega meu foi raptado e esteve um ano em cativeiro”, refere. Apesar de estar confortavelmente instalado, nas bases da AMA e de não ter que se preocupar com alimentação que é fornecida pela empresa, a base de Sentani fica a cinco horas de voo de Jacarta, a capital da Indonésia. Neste momento, trabalha quatro meses e descansa um. “Aproveito para ir a Portugal ou para conhecer outras partes do mundo”, afirma.

Sucesso no YouTube

Para poder partilhar com o pai a experiência de voar na Papua, iniciou um canal no YouTube, onde foi colocando vídeos dos locais onde faz escala.

Um dia, reparou que um dos vídeos já tinha 500 mil visualizações. A partir daí, começou a levar a atividade mais a sério, comprou câmaras e um bom computador para editar vídeo.

Tem mais de 45 mil seguidores e apesar dos títulos dos vídeos, como “Flying the Edge” ou “Secrets of Landing in Extreme Runways”, diz que não é um aventureiro.

Nunca pega no avião depois de uma noite mal dormida e mantém uma vigilância médica apertada. “Quando voamos nunca podemos perder a noção do perigo e da responsabilidade”, realça.

 
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