Incêndios florestais – Uma falsa questão criminal

João Ferreira Araújo. Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

ARTIGO DE OPINIÃO

João Ferreira Araújo

Advogado

Os incêndios rurais dos últimos dias, que afetaram várias áreas do Norte e Centro do país, provocaram, mais uma vez, uma onda de alarme social e comoção geral.

Às quinze vidas perdidas, aos enormes prejuízos materiais, a todos os medos e angústias existentes e à indignação do país em geral, respondeu o Governo declarando o Estado de Calamidade nos concelhos mais afetados por esta tragédia.

Posteriormente, o Primeiro-Ministro falou igualmente de interesses obscuros que sobrevoam os incêndios florestais e que estarão na origem dos mesmos. Acontece que as forças de segurança no terreno não têm provas que tal aconteça ou tenha acontecido.

Na sequência destas declarações, foi criada uma equipa especial de investigação sobre a origem dos incêndios em Portugal, composta por membros do Ministério Público (MP), da Polícia Judiciária (PJ) e de outras forças da segurança, como a Guarda Nacional Republicana (GNR).

Acrescentará a criação desta equipa algo de muito positivo ao problema dos incêndios florestais?

Francamente, achamos que não.

O atual quadro legal que prevê e pune este tipo de crime é suficientemente rigoroso para que o efeito dissuasor possa funcionar. A moldura penal do crime de incêndio florestal pode ir até os 12 anos de prisão e advém da minha experiência profissional o conhecimento de alguns processos crimes com condenações em penas elevadas (10 anos, por exemplo).

Além disso, o órgão de polícia criminal que detém a competência exclusiva para investigar a origem criminosa, ou não, dos incêndios florestais é a Polícia Judiciária que, para além da sua competência, possui enorme experiência nesta área.

Estes impulsos governativos não são mais do que meros fogachos e não trazem qualquer acréscimo à eficácia das investigações pendentes ou ainda a realizar.

Exige-se mais, muito mais, a quem nos governa.

Se de facto muitos incêndios florestais têm na sua génese mão criminosa, não são, nem representam a larga maioria dos mesmos. A percentagem de fogos postos é relativamente baixa, pelo que orientar a opinião pública nesta direção é governar com base nos fluxos noticiosos e não corresponde à verdade.

As estatísticas, inclusive, apontam para uma diminuição dos incêndios causados por fogo posto de origem criminosa. Em 2023, o incendiarismo foi a causa de apenas um terço (31%) das ocorrências investigadas.

Aliás, deixar no ar que o sistema judicial não atua devidamente ou que não condena eficazmente é apelar ao justicialismo mais primário e procurar com isso desviar as atenções do verdadeiro problema e que é não haver uma capaz e eficaz reforma transformadora da propriedade florestal.

As tragédias vão acontecendo de Verão para Verão, umas mais graves que outras e as promessas e declarações que tudo vai mudar e que agora é que vai ser diferente sucedem-se. Mas os comportamentos, as políticas estruturais não se alteram e a assunção de responsabilidade não acontece.

Continuaremos a constituir equipas, comissões, elaborar relatórios, fazer declarações de princípio, mas nada de estrutural mudará na nossa abordagem ao problema das florestas. No essencial tudo continuará na mesma.

O indispensável está por fazer no que diz respeito às florestas e desenvolvimento rural. A reforma da floresta é uma necessidade absoluta e, enquanto não for implementada e executada, as tragédias dos incêndios florestais vão continuar ano após ano.

Estamos obrigados a fazer melhor, muito melhor, até porque à inexistente aplicação de medidas de gestão florestal acresce o problema do aquecimento global que agrava esta situação.

Enquanto não conseguirmos que a gestão do território seja um desígnio nacional, vamos estar sempre aquém do que é necessário para que não aconteçam dias como estes últimos, ou aqueles dos idos anos de 2017. Sem isso, sem um governo que assuma estas reformas como prioridade, continuaremos a ser um país frágil e onde, de forma cíclica, estes eventos infernais e trágicos se irão repetir.

 
Total
0
Partilhas
Artigos Relacionados
x