O antigo presidente da Câmara do Porto Fernando Gomes considerou, em entrevista à Lusa, que “deixou de haver quem puxe verdadeiramente pelo Eixo Atlântico”, associação que ajudou a fundar há 30 anos, considerando que esta se mantém “por rotina”.
“Por muita vontade que tenha o presidente da Câmara de Braga [Ricardo Rio], que tem assumido aqui um papel muito importante de alternativa ao papel do Porto, a verdade é que deixou de haver quem puxe verdadeiramente pelo Eixo Atlântico”, disse Fernando Gomes à Lusa.
A associação do Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular foi fundada há 30 anos (em 28 de setembro de 1992), em Viana do Castelo, após uma ideia lançada por Fernando Gomes acolhida pelo alcaide de Vigo, Carlos Príncipe, que acabou por resultar numa organização do sistema urbano da eurorregião Galiza – Norte de Portugal, atualmente com 39 municípios.
O presidente da Câmara do Porto entre 1990 e 1999 afirmou que a cidade que liderou “é a grande referência internacional para a região e a grande referência económica”, bem como a “pedra angular que acaba por estruturar” o território.
“A partir do momento em que a Câmara Municipal do Porto entra em rutura e se mantém apenas para assinar atas, isto tira muitíssima força ao Eixo Atlântico. Quer queiramos quer não, tira muitíssima força”, disse à Lusa.
Questionado sobre se tal se deve ao facto de o atual autarca do Porto, Rui Moreira, ser um independente e não ter o respaldo político de um partido como o PS ou PSD, Fernando Gomes rejeitou.
“Julgo que não. É claramente uma opção pessoal. É uma opção política do presidente da Câmara. Respeita-se, mas nunca faria igual, como aliás se provou”, apontou.
Recordando o momento fundacional do Eixo Atlântico, Fernando Gomes disse que a ideia surgiu para dar projeção internacional ao Porto, no âmbito da sua candidatura à autarquia.
“O Porto nessa altura, temos de reconhecer, tinha muito pouca dimensão internacional. Se retirássemos do Porto o nome Vinho do Porto e o Futebol Clube do Porto, o Porto não existia”, disse à Lusa.
Assim, o Porto tentou “arranjar parcerias internacionais que trouxessem notoriedade” à cidade, para a fazer “crescer para fora das suas portas”.
Como o Porto estava geminado com Vigo, Fernando Gomes e Carlos Príncipe tiveram uma reunião para tentar “dar mais conteúdo a uma coisa que só existia no papel”, surgindo a ideia de fazer “uma coisa muito mais alargada”.
Alicerçando-se na sua experiência como eurodeputado, Fernando Gomes tinha conhecimento de que “já havia, no seio dos países da União Europeia, várias organizações transfronteiriças que ligavam cidades”, e a ideia do Eixo Atlântico “foi reproduzir no Norte de Portugal e na Galiza uma fórmula que era acarinhada” em Bruxelas, e que permitiria a captação de fundos europeus diretamente da fonte.
Ao mesmo tempo, o antigo autarca do PS e atual administrador do FC Porto reconhece que houve “momentos de alguma tensãozinha”, até porque o Governo de Cavaco Silva “via isto muito mal”.
“Esta circunstância de nós termos acesso a Bruxelas de algo direto, por causa dos fundos estruturais, e de termos o presidente Mário Soares a formalmente assumir a ligação com o Eixo Atlântico e Fraga Iribarne [presidente da Junta da Galiza] do outro lado, deixou as pessoas um bocadinho nervosas”, contou.
Mesmo no âmbito da relação com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) e com a Junta da Galiza, “valia a força política pelo atrevimento”, e acabava-se “por, muitas vezes, conseguir resolver muitas questões nesse sentido”.
Para Fernando Gomes, no Eixo Atlântico, “se é verdade que os meios não eram muitos, politicamente tinha um peso muito grande”, algo que “foi decisivo” para projetos como a construção da Autoestrada 3 (A3), com a respetiva ligação transfronteiriça, entre Tui (Galiza) e Valença.
“Já na altura se falou no comboio, que era outra debilidade, mas isso não sei quantas décadas mais vamos ter de esperar. Esperemos que seja desta”, afirmou, considerando que o Eixo Atlântico necessita de “grandes projetos mobilizadores”.
Fernando Gomes afirmou ainda que atualmente, na relação entre os dois lados da fronteira, se está “tal qual” como dantes, mas “para pior”, já que, na sua opinião, “a distância entre a força política da Galiza e a fraqueza política do Norte de Portugal é cada vez maior”.
Para o também antigo ministro Adjunto e da Administração Interna, “o que falta” mesmo ao Eixo Atlântico é “força política”, pois o seu peso nessa área “esvaziou-se completamente”.
“Sem força política, não se fazem ouvir. Não se fazendo ouvir, não acontece nada, ou acontece pouco. Acontece muito pouco”, considerou.
Assim, considera que as atuais atividades do Eixo, referindo-se, por exemplo, ao campo cultural e desportivo, são apenas “interessantes para manter viva a associação”, mas “por rotina, porque já existe”.
“Isso é apenas para manter viva a célula que deu vida a esta organização transfronteiriça. Mas se não houver grandes projetos mobilizadores, eu acho que não se vai muito longe”, concluiu.