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Em Guimarães, a Escola Básica e Secundária Santos Simões tem um projeto singular de apoio a gatos abandonados ou maltratados que faz as delícias dos alunos. O reconhecimento que os mais pequenos dão ao Gatil é tão grande que alguns confessam que foi uma das razões para terem escolhido matricular-se na Santos Simões. No passado dia 12, o Gatil Simãozinho foi reconhecido com o Prémio Ghandi de Educação e Cidadania, instituído pelo Ministério da Educação.
A professora Luíza Veiga, responsável pelo Gatil Simãozinho, conta que tudo começou ainda nas anteriores instalações da escola, na Veiga, há 16 anos. “Havia uma colónia de gatos que eram alimentados pelas senhoras da cantina, com os restos alimentares. Quando nos mudámos para as estas instalações, onde estamos agora, eu continuei a ir lá alimentar os gatos”.
Deste problema surgiu a ideia de fazer um gatil na escola. “Uma arquiteta fez-nos o projeto, apresentei-o na Assembleia de Escola e foi aprovado por unanimidade”. Estava aprovado, mas era preciso colocar em prática, o que não se afigurou fácil, até porque, como explica o presidente do Agrupamento de Escolas Santos Simões, Benjamim Sampaio, “o Ministério da Educação não tem verbas para este tipo de iniciativas”.
Francisca Abreu, a ex-vereadora da cultura, recentemente falecida, fazia, naquela altura, parte da Assembleia de Escola e Luíza Veiga reconhece que foi uma ajuda preciosa: “Foi através dela que chegamos à Combitur que construiu as instalações, a Câmara colocou a rede e começamos”.
O Simãozinho tem quase 50 hóspedes
Nas instalações do Gatil Simãozinho os quase 50 gatos estão em ótimas condições. Uma grande jaula vedada garante-lhes espaço para se passearem em semiliberdade. Não faltam obstáculos e brincadeiras para os pequenos felinos se exercitarem. Alinhadas as caixas de areia que servem de instalações sanitárias, estão limpas, não há cheiros. “Eles têm a sua caixa preferida, quando verificam que já não está exatamente como eles gostam, então passam à seguinte”, explica Cristina, uma das auxiliares que mais ativamente colabora com Gatil.
“O primeiro gato foi o Kiko, tem onze anos e ainda anda por aí”, regozija-se Luíza Veiga. Não é vulgar gatos que enfrentam maus-tratos terem tanta longevidade e isso é um motivo de orgulho para quem trata deles.
Quando querem dormir, os hóspedes do Simãozinho têm uma camarata coberta, com uma caminha individual para cada um deles. Cestinhos, alguidares com uma mantinha ou uma caixa com um cobertor. Tudo muito limpo, não se vê um pelo em cima das bancadas, evidenciando um cuidado extremo com a limpeza e com os animais.
Desde que o Kiko inaugurou as instalações, muitos mais se juntaram a ele. A contagem atual ronda os 50, mas este nem sequer é o número máximo que já alojaram. “Deixam-nos ali nas grades, abandonados. Alguns trazem uma mensagem a dizer ‘aqui vou ser bem tratado’. Já nos deixaram gatos na boca de incêndio”, é assim que os gatos vão chegando ao Simãozinho, explica a professora responsável. “Algumas pessoas que deixam de ter condições para os ter em casa e pedem-nos para ficarmos com eles. Infelizmente, este é o caso menos habitual, é mais por abandono”, reconhece Benjamim Salgado.
No caso do Alex, o gato da Lia, quando nasceu um bebé os pais não se sentiam seguros de ter um gato lá em casa. Então o Alex veio para o Simãozinho e assim ela pode continuar a estar com o seu gatinho todos os dias, agora na escola. O Alex teve que aprender a viver numa colónia, mas a adaptação foi rápida.
Os alunos que participam no projeto, além de trabalharem no Gatil têm que colaborar nas várias iniciativas de angariação de fundos. A angariação de meios financeiros é uma tarefa que nunca termina no Simãozinho. Lanches solidários, rifas, venda de crachás, feirinhas semanais e cotizações e mesmo assim o dinheiro é sempre curto. “Tem uma grande vantagem, estes alunos trabalham nestas tarefas em grande autonomia. Na verdade, ficam com a disciplina de Cidadania feita”, brinca a professora.
“Os trabalhos no Gatil não são para qualquer um”
“Os trabalhos no Gatil não são para qualquer um”, comenta a auxiliar Luíza. “Não se trata apenas de fazer festas aos gatos, é preciso limpar. Aqui, agora, não há cheiros, mas isso dá imenso trabalho, permanentemente”, acrescenta.
Cristina relata que as férias das pessoas envolvidas no Gatil são marcadas de forma que fique sempre uma disponível para dar apoio. “Porque mesmo nas férias escolares é preciso continuar o trabalho do Gatil”, lembra.
“Os gatos do Simãozinho têm uma família, a família Santos Simões”, afirma Luíza Veiga. Os gatos sabem isso e, nos intervalos, abeiram-se da rede para receberem mimos dos alunos que os vêm visitar. Samira é aluna do 5.º ano, este é o seu primeiro ano na Santos Simões, aproveitou a reportagem de O MINHO para entrar na jaula e fazer festas aos gatos. “Fiquei muito feliz quando soube que vinha para esta escola porque já sabia que havia aqui o Gatil”, refere.
Benjamim Salgado destaca que o Gatil não se encerra na escola: “O Agrupamento de Escolas Santos Simões é transversal e, portanto, os alunos do 1.º ciclo vêm ao gatil, outras vezes são os gatos que vão lá. Há meninos de outras escolas do agrupamento que apadrinham gatos e até temos iniciativas com escolas de outros agrupamentos públicos e privados”.
Toda a ajuda é bem-vinda e as contas não param de chegar
Os gatos estão todos vacinados e nitidamente bem alimentados. As contas de alimentação, detergentes e veterinário não param de chegar, por isso, toda a ajuda que podem reunir é sempre pouca. Luíza Veiga salienta a colaboração do Continente e da Kiwoko, bem como do próprio veterinário e do Banco de Sangue Animal.
O Simãozinho também dá alguns dos seus gatinhos para adoção, contudo, “de uma forma muito criteriosa, só mesmo para uma família que os vá tratar muito bem”, observa Luíza Veiga. “Se for para irem para uma situação pior do que aquela que têm aqui, não vão”.
As auxiliares Luíza e Cristina destacam a adoção de alguns gatos por crianças com autismo. “É um sucesso, eles estabelecem uma relação muito forte com estes animais”, comenta Cristina. “Uma das iniciativas que se fazem é ir com os gatinhos à Escola João de Meira, onde há alunos com deficiência profunda. É espantoso ver as crianças com deficiência profunda que quase não comunicam a sorrirem, a mostrarem felicidade por estarem junto dos animais”, conta a auxiliar Luíza.
No Simãozinho todos os gatos têm um padrinho ou uma madrinha (alunos que se cotizam para os ajudar) e um nome a condizer com a sua história. A “Vida” é uma gatinha cega que foi abandonada na porta de um prédio. “Estava escanzelada, tinha uma infeção e um tumor mamário. Tudo apontava para que ela não resistisse. O veterinário disse-nos para não termos muita esperança”, lembra Luíza Veiga. O certo é que a gatinha resistiu, linda, muito meiga, ocupa o seu cestinho de onde sai para comer e fazer a sua higiene. “Nunca fez nada fora do sítio esta gatinha”, elogia-a a professora.
O prémio das mãos do primeiro-ministro
O Prémio Ghandi de Educação e Cidadania é excelente em termos de notoriedade, mas na prática não resolve os problemas do dia a dia do Simãozinho. “No passado, quando fomos à televisão, até tivemos alguns problemas com a exposição. Na semana seguinte inundaram-nos isto de gatinhos”, lamenta a professora. Ainda assim, a escola está orgulhosa do prémio recebido das mãos do primeiro-ministro, num ano em que o Prémio distingue o bem-estar animal.
Na cerimónia do Prémio, a aluna encarregada de receber o galardão, a Lara, furou um pouco o protocolo e presenteou o primeiro-ministro com uma fotografia do Ghandi, um dos gatos do Simãozinho. No discurso final, António Costa acabou por mencionar o Ghandi.