Neste Artigo
- “Eu recebia o dinheiro dos clientes e entregava-o a um intermediário, que pagava a três inspetores do SEF”
- As vítimas da “Bragasil”
- Burlada em 5.000 euros, a família de Cristiane Costa continua no Brasil
- Uma partida de futebol onde o meio-campo é a linha do equador
- “Existe uma casa em Maximinos com 47 pessoas recenseadas no respetivo endereço”
- Redes sociais ou rede de pesca
- A Rota dos Camionistas
Portugal representa uma porta de entrada para a Europa e consequentemente para o Espaço Schengen, a proximidade cultural entre o Brasil e Portugal e a língua pátria de Pessoa tornam o país apetecível para a imigração brasileira, que massivamente elegeu Braga como destino de preleção, pelo equilíbrio entre a qualidade de vida, a segurança, a dimensão geográfica ou populacional.
Braga perscrutou ser “Bragasil” e desenvolveu campanhas ferozes de comunicação, para se destacar nos meios de comunicação do país governado por Jair Bolsonaro, mas quão dramática pode ser a descoberta do “El dorado” lusitano, quando todas as promessas de paz, segurança, educação e saúde são defraudadas por oportunistas que encontram na imigração a “ocasião do ladrão”.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) reconheceu a O MINHO, a existência de esquemas dúbios de imigração ilegal em Braga e apelida-os de crimes de auxílio à imigração ilegal, mas garante que “não existem dados” referentes a inspetores do SEF envolvidos.
“O SEF recebeu reportes de situações que dão conta da existência de várias pessoas, ou intituladas empresas de assessoria, que prometem a legalização da situação documental e da permanência de cidadãos nacionais de países terceiros em Portugal, através da marcação de agendamento no SEF. De igual modo, constatamos a utilização das redes sociais — Facebook, YouTube e WhatsApp para fazer a promoção desses serviços”, afirma a força policial, quando questionada pelo jornal.
“Tal fenómeno tem sido acompanhado pelo SEF, porquanto poderão estar em causa a eventual prática de crimes relacionados com a migração, em particular os crimes de auxílio à imigração ilegal e de associação de auxílio à imigração ilegal”, acrescentou a polícia em resposta ao jornal.
O SEF refere que “correm termos processos de investigação do modus operandi sinalizado, sendo certo que a criminalidade associada é também de assessoria ilícita e de burla qualificada, porquanto os suspeitos fazem disto modo de vida”.
Nos processos em curso, na área de competência da Direção Regional do Norte do SEF, “não existem dados ou factos que indiciem que haja inspetores do SEF nessa atividade criminal, tanto mais que esses funcionários não exercem funções de atendimento ao público, e a marcação de agendamentos para os balcões do SEF é realizada online ou através do Centro de Contacto do SEF”.
“Eu recebia o dinheiro dos clientes e entregava-o a um intermediário, que pagava a três inspetores do SEF”
O MINHO contactou Sara, residente em Braga, referenciada por burlar vários imigrantes, no intuito de escutar a sua versão dos factos e para espanto do jornal é a própria quem assume a participação no esquema. “Sou só uma ervilhinha no meio disto tudo, reconheço que agi mal e agora responderei à polícia pelos meus atos, mas sou só um grãozinho de areia no meio disto”.
Sara afirma colaborar com uma rede maior, que possuía contactos dentro do SEF, para agilizar o acesso a títulos de residência.“Eu recebia o dinheiro dos clientes e entregava-o a um intermediário, que pagava a três inspetores do SEF, para obter a documentação mais rápido. Ao fim de 40 ou 30 dias a documentação estava toda tratada”, afirma Sara.
O jornal não conseguiu verificar a veracidade destas informações, mas as vítimas de burla reconhecem, que essa era uma das promessas da assessora: velocidade na obtenção do título de residência.
Sara registava empresas em nome de imigrantes e, segundo a própria, “em vez de haver todo um protocolo, a empresa desenvolver atividade, rentabilidade, criar postos de trabalho, como a lei diz, era feito sobre isso tudo, por parte das instituições, uma vista grossa”. Os investidores conseguiam obter o visto em Portugal, sem provar ao Estado a eficácia ou rentabilidade dos seus negócios.
Sara afirmou ainda, que a situação com Priscila e Ananda, assim como a situação com Cristiane, alvos da burla entrevistadas por O MINHO, só correu mal, porque “o trabalho foi mal feito e eu fiquei sem dinheiro e sem documentos, os contactos recusaram-se a terminar o serviço”.
Sara reconhece ainda a existência de esquemas com documentos falsos, empresas fictícias e diferentes métodos de imigrantes entrarem no país, sem reunirem as condições legais.
As vítimas da “Bragasil”
Priscila e Ananda eram sócias no Brasil e decidiram montar uma empresa em Portugal para obterem o visto de investidor. As amigas pagaram 5.800 euros a uma “assessora”, para tratar do processo de fundação da empresa em Portugal, mas o dinheiro desapareceu, a empresa nunca existiu e aguardam na lista do SEF pelo título de residência. O contexto muda, mas os casos repetem-se.
“Eu e a Ananda, éramos donas de uma empresa de fotografia e ‘design’ no Brasil, decidimos vir para Portugal com o objetivo de estabelecer cá o nosso negócio e, assim, poder imigrar com o visto investidor, vínhamos à procura de um sonho, mas não foi isso que encontrámos”, afirma Priscila Barroca, residente em Braga, natural de São Paulo.
No Brasil, uma amiga próxima da dupla de sócias aconselhou-as a contactar com Sara, referenciou-a como a pessoa indicada para as ajudar no processo de legalização em Portugal, e prestar o serviço de “assessoria à imigração”.
“A Sara prometeu-nos fundos e mundos e disse, que ia ser a nossa representante legal, que tratava de nos abrir uma conta bancária, número de Segurança Social, o início de atividade da empresa, enfim, toda a documentação necessária para podermos imigrar”, relembra Priscila, defraudada.
Confiaram em Sara para tratar do processo de emigração para Braga, “o eldorado brasileiro em Portugal”, e enviaram-lhe uma procuração, assim como diversas porções de dinheiro, perfazendo um total de 5.800 euros dos quais 5.000, para abrir a conta da empresa e solicitar o visto de investidor.
O processo arrastou-se durante meses e quando as duas sócias enviaram a totalidade do valor, Sara deixou de responder às mensagens, aos e-mails, aos telefonemas. As duas amigas vieram para Braga na busca pelo dinheiro, mas até hoje não o conseguiram encontrar.
Desesperadas, após diversas mensagens enviadas por “WhatsApp” a pedir a Sara a devolução do vil metal, acabaram por apresentar queixa na Polícia Judiciária. “Continuamos a esperar resposta por parte da polícia, mas até agora ainda não recebemos nada” afirmam, frustradas, em Portugal, enganadas e sem dinheiro.
Burlada em 5.000 euros, a família de Cristiane Costa continua no Brasil
O mesmo aconteceu à família de Cristiane Costa, que nunca chegou a sair do Brasil, frustrada no sonho de viver em Braga. 5.000 euros adiantados a Sara, 5.000 euros perdidos. Desta vez foi Francisco, um parente da família, que aconselhou Sara como a assessora a quem telefonar, para apoiar Cristiane no processo de imigração e legalização da família, em Braga.
A família enviou o dinheiro e Sara garantia que o processo de legalização, através da fundação de uma empresa, corria sobre rodas, em breve haveria um visto de investidor. À medida das desconfianças da família, Sara afirmava no “chat” de WhatsApp: “Vai dar certo sim, ainda esta semana recebemos uma família que há 10 meses vinha preparando a sua imigração; custa, mas é para uma boa formação dos seus meninos e por uma vida segura”, lê-se nas mensagens trocadas, que O MINHO acedeu.
Após meses sem resposta, a família começou a exigir a devolução do dinheiro enviado para Portugal. Sem respostas concretas de Sara, Cristiane contratou um advogado, para representar e mediar um processo judicial em Portugal, contra Sara: queixa na polícia.
O advogado representante da família conseguiu entrar em contacto com Sara e chegou a um acordo, para a devolução de parte do dinheiro. A família nunca viajou para Portugal e com as expectativas defraudadas acabaram por nunca partir do Brasil e o dinheiro nunca foi devolvido.
Os casos de imigrantes enganados, burlados, defraudados, repetem-se, mas o medo, a precariedade e o risco de deportação diminuem os rostos que dão voz a este terrível relato.
Uma partida de futebol onde o meio-campo é a linha do equador
Sete jogadores de futebol foram burlados no processo de imigração entre o Brasil e Portugal. Uma empresa, um intermediário e um agente prometeram aos jovens jogadores, emprego no Ribeirão Futebol Clube em Famalicão. Cada jovem pagou cerca de 2.000 euros pela assessoria, mas quando chegaram a Portugal, o agente abandonou-os, o clube não os conhecia, o intermediário não atendia o telemóvel e a empresa no Brasil transformou-se num escritório de contabilidade.
“A nossa certeza para vir para Portugal era o contrato de trabalho”, afirma Jefferson, 23 anos, Guarda-redes. Para Jefferson o futebol já não representava um sonho, representava uma profissão. “Paguei 1.700 euros, para vir jogar para o Ribeirão, mas agora procuro trabalho, para poder ficar em Braga”, conta o jogador.
Jefferson não estava sozinho no Alojamento Local, localizado no Centro Histórico de Braga, acompanhava-se por Rafael e por Carlos. Encontravam-se todos na mesma situação de fraude e de abandono, provocada pelos agentes responsáveis pela transição, entre os clubes de futebol no Brasil e, alegadamente, o Futebol Clube Ribeirão em Portugal. Dos seis rapazes recém-chegados a Braga com contrato de trabalho falso, três, Mateus, Zum e Bahía, já voltaram para o Brasil, após 15 dias sem receberem resposta do “agente de futebol”.
Um dos sete jogadores nem a Braga chegou, pois, a sua entrada no país foi barrada pelo controlo à imigração do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto.
“Disseram-lhe que o documento não podia ser considerado um contrato de trabalho”, explica Rafael Souza, 19 anos, o único dos jovens com dupla cidadania, luso-brasileira, que, entretanto, partiu para a Itália para voltar a jogar futebol.
Viajaram todos juntos, com o mesmo objetivo e com a mesma promessa, uma porta de entrada para as ligas de futebol europeu. No entanto, encontraram-se emaranhados num esquema dúbio de imigração, com um custo de 2.000 euros.
“No Brasil recebia 1.000 reais por mês, mas o Djalma apresentou-me um contrato de trabalho no Ribeirão, em Portugal, a receber 900 euros”, explica Jefferson Merli, como veio parar a Braga, com Rafael. “Por momentos parecia uma oportunidade ótima, poder jogar em Portugal e apoiar a minha família no Brasil”, acrescenta o guarda-redes, com as expectativas defraudadas.
Todos os jogadores pagaram montantes entre os 1.500 e os 2.000 euros para um agente brasileiro, apelidado pelos jogadores de “Djalma”, que os encaminhou para Portugal. Em Portugal, os jogadores profissionais de futebol deveriam ser recebidos pelo “representante oficial” do Ribeirão Futebol Clube.
Em Portugal, o “representante oficial” informou os jogadores que se encontrava desvinculado do clube e não assumiu nenhuma responsabilidade, nem pelo contrato de trabalho, nem pela carreira dos jogadores, nem pelo valor pago. “Ainda esperamos reaver o nosso dinheiro, mas ninguém nos atende o telemóvel e, quando atendem, descartam a responsabilidade de um lado para o outro”, afirmou Rafael.
Cada jovem paga a estadia e o tempo perdido no país com recursos próprios. “Supostamente, o valor do alojamento estava incluído no montante pago, à empresa no Brasil”, comentou Jefferson.
“Este não é só o nosso sonho é também o sonho dos nossos pais e o dinheiro que paguei para o Djalma falta à minha família”, contou Rafael.
Carlos é lateral dentro das 4 linhas, mas sem clube, sem salário e com a carreira suspensa, a família no Brasil está obrigada a atrasar as despesas para o ajudar. “A minha mãe deixou de pagar a faculdade, para pagar o meu voo e os 2.000 euros do agente. Eu vinha ganhar 900 euros por mês, era bom demais”. Agora, o ex-jogador profissional trabalha numa fábrica de tintas.
Os jogadores de futebol apresentaram queixa na PSP sendo encaminhados para depoimento com inspetores do SEF. No dia 13 de janeiro, será a primeira audição em tribunal e em causa estarão crimes de falsificação de documentos, auxilio à imigração ilegal e burla qualificada.
Rui Oliveira, presidente do Ribeirão Futebol Clube, afirma: “Esse indivíduo apresenta-se como representante oficial ou diretor-geral do clube, mas ele não tem nenhum vínculo com este clube. Os contratos de trabalho do Ribeirão têm de ser assinados por mim e por dois vice-presidentes, já recebi cópias de vários contratos, com a assinatura dele”.
Rui Oliveira, bem como os jovens, já depôs aos inspetores do SEF. “Esse senhor engana todas as pessoas, às vezes recebo e-mails do Brasil, de mães de jovens a perguntarem se os filhos podem vir, digo-lhes que os contratos são falsos e não são realizados pelo Ribeirão”, denúncia o presidente do clube.
Na busca por outros caminhos, os jovens jogadores foram para o intervalo à procura de soluções: trabalham numa fábrica, mas de olhos postos nos relvados, a procurar oportunidades para regressar ao mundo do futebol. O SEF continua a investigar o “representante oficial” em Portugal e o agente no Brasil, protagonistas do golpe deferido nas vidas dos jovens jogadores de futebol.
“Existe uma casa em Maximinos com 47 pessoas recenseadas no respetivo endereço”
Os ‘assessores à imigração’ praticam uma atividade que atua sob uma lacuna legal e consiste na facilitação na obtenção dos documentos necessários à imigração. Os casos clássicos são o “representante legal” nas finanças e o atestado de morada na junta de freguesia.
Uma parcela significativa da imigração brasileira entra em Portugal com um visto turístico, mas visando permanecer no país, então recorrem ao processo de Manifestação de Interesse, para obter o título de residência. Este processo só é possível mediante, entre outros documentos, um comprovativo de morada e um responsável fiscal. Os assessores cobram por serviços de natureza gratuita.
O presidente da junta de freguesia da Sé, Cividade e Maximinos, no Centro Histórico de Braga, Luís Pedroso, revela que “existe uma casa em Maximinos com 47 pessoas recenseadas no respetivo endereço”.
“O responsável pela morada é um assessor”, afirma Pedroso, indignado. Este caso, apesar der ser o mais gritante, não é o único nesta freguesia do centro de Braga.
“Muitas dessas pessoas, já nem sequer moram em Braga ou em Portugal e fazem vida noutros países da União Europeia”, afirma o autarca. No entanto, é a própria junta quem atesta a residência dos imigrantes.
Redes sociais ou rede de pesca
As redes sociais desempenham um papel fundamental entre assessores e imigrantes. É através das mesmas que, por diversas vezes, se estabelecem contactos entre as partes. Os imigrantes, que necessitam de apoio/facilitação nos processos de legalização, manifestam-se em grupos de WhatsApp ou de Facebook, como “Manifestação de Interesse em Portugal”, ou “Brasileiros em Portugal”.
Após a primeira publicação, onde, normalmente, o imigrante apresenta-se e coloca ao grupo as suas dúvidas, é abordado por mensagem privada pelos “assessores à imigração”, que prontamente se disponibilizam a esclarecê-lo e apoiá-lo no seu processo de legalização, pelo preço certo, claro, que varia conforme o perfil da presa.
A Rota dos Camionistas
O processo de conversão da carta de condução de camiões, para cidadãos com dupla nacionalidade brasileira e europeia, é muito mais simples e barato em Portugal do que no resto da Europa.
“Tenho cidadania portuguesa e italiana e quero converter a minha carta de condução. Em Itália eu pagaria uns 4.000 euros, em Portugal com menos de 1.000, consigo convertê-la e é válida para toda a União Europeia”, conta Ulysses Carvalho, antes de regressar a Itália, onde já tem trabalho garantido como camionista, após converter a carta em Portugal. O processo é facilitado pelos acórdãos entre os dois países, Brasil e Portugal.
A “assessora” mais famosa por desenvolver este processo em Braga, é a Ana P., que após sucessivas chamadas telefónicas, sem resposta, o jornal não conseguiu obter um contraditório por parte da “assessora”, no entanto, ouvimos um camionista que explicou como funciona o processo de conversão da carta.
“O primeiro passo é o atestado de morada e o número de identificação fiscal. Após a obtenção destes documentos, requer-se o Certificado de Registo para Cidadãos europeus, documento disponível na Câmara Municipal. Na posse de toda a documentação os imigrantes brasileiros, com dupla nacionalidade europeia, podem converter a carta de condução em Portugal, sendo um processo muito mais simples e barato do que em Itália”, afirma Ulysses, brasileiro com dupla nacionalidade italiana.
Ulysses não recorreu à Ana P., para converter a carta, mas devido à fama da “assessora” garante que ela é a principal mentora deste método de conversão de cartas de condução no espaço europeu. Agora, Ulysses é já camionista para uma empresa de transportes, no Sul de Itália.