O ex-diretor da Organização Internacional para as Migrações (OIM) António Vitorino afirmou hoje que a entrada de imigrantes são um teste à capacidade das sociedades contemporâneas de combaterem a falta de empatia e de confiança recíproca.
“Não vale a pena termos a nostalgia de um tempo e de uma sociedade que não vai voltar”, afirmou António Vitorino, que é também presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo (CNAIMA), numa referência à chegada de imigrantes para a Europa, que tem provocado reações políticas identitárias e conservadoras.
“A diversidade pode ser enriquecedora, mas exige uma ação permanente de persuasão, respeito pela dignidade humana dos imigrantes” ou “diálogo com as comunidades de acolhimento”, mas também constitui “um teste a características das sociedades contemporâneas que não são particularmente brilhantes”, como a “perda de empatia humana” ou comportamentos que “minam a confiança recíproca entre os cidadãos”, disse, durante uma conferência na Universidade de Lisboa, para assinalar o Dia Internacional das Migrações.
Comentando os dados do barómetro da imigração, publicado na terça-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, António Vitorino notou as visões diferentes sobre o fenómeno: “68 por cento dos portugueses acham que precisamos de imigrantes e 67 por cento acha que temos imigrantes a mais”.
No seu entender, os portugueses têm “consciência do sismo demográfico” que vai atingir Portugal, com o envelhecimento populacional e o “impacto económico e social que isso vai ter”.
A idade média dos europeus é 47 anos, nos EUA e China é de 38, na Índia é 28 e na África subsaariana é 19, recordou.
Por outro lado, “a perceção que há demasiado imigrantes é uma perceção partilhada em muitos países europeus” e, “em média, dizem que há quatro a cinco vezes mais imigrantes que existem” de facto, explicou António Vitorino, salientando que “mais de dois terços dos que estão em situação irregular nos países europeus chegou regularmente” aos locais de acolhimento.
Mais do que combater a imigração irregular, o controlo securitário das fronteiras tem mais a “ver com a luta das redes de tráfico humano”, disse.
Contudo, assiste-se a uma politização do fenómeno das migrações e há a “generalização [da ideia] de que há uma situação fora de controlo”, afirmou, recordando que o Brexit, no Reino Unido, é um “exemplo clássico” das consequências de um sentimento que não corresponde depois à realidade concreta.
“As perceções e as realidades não coincidem”, mas “não podemos ignorar a dificuldade que existe em ter uma política pública que atue simultaneamente sobre as realidades e que não pode ignorar as perceções”, reconheceu António Vitorino, evocando a “espantosa campanha de desinformação sobre o pacto europeu das migrações” como outro exemplo de manipulação da opinião pública.
“A deturpação da realidade das imigrações alimenta-se da desinformação e é também alimentadora da própria desinformação”, explicou, defendendo “firmeza na condução das políticas públicas da imigração que preserve os direitos humanos e responda às realidades” concretas.
Por isso, “as política públicas não podem ignorar as potenciais tensões entre os imigrantes e as comunidades locais”, explicou, admitindo que os fluxos migratórios também “exercem pressão [para baixo] sobre o nível salarial” médio e podem provocar uma crise na habitação, pelo que se exige políticas de “regulação do mercado laboral” e imobiliário.
“É tão injusto culpar os imigrantes pela crise na habitação como ignorar que o aumento dos preços tem impacto nas comunidades mais frágeis”, que incluem os próprios imigrantes, defendeu Vitorino.
Além disso, a economia paralela é sobretudo uma “fonte de abuso e exploração” sobre os imigrantes que aceitam condições de trabalho inferiores.
Estes factos explicam o aumento do voto dos imigrantes nos EUA “no maior exemplo de supremacia branca”, numa referência a Donald Trump. Isto sucede porque “as camadas mais frágeis da população são as que se sentem mais atingidas pela chegada dos imigrantes”.
Além disso, os imigrantes pretendem o “máximo de aforro possível no mínimo tempo necessário” o que os leva a querem as soluções mais baratas, acrescentou Vitorino, que deu o exemplo dos portugueses em França que viveram muito tempo em bairros de lata, também porque era o recurso mais acessível.
“É preciso comunicar com as comunidades e entender qual é o projeto de vida dos imigrantes”, defendeu, salientando que os “fluxos migratórios são de uma enorme flexibilidade” e o “planeamento dos serviços sociais” públicos exige que se ande “sempre a correr da realidade”.
Por isso, defendeu, “é necessário que haja plasticidade dos sistemas públicos para se adaptarem às alterações populacionais”, nomeadamente na saúde, educação e ao nível das autarquias.
E avisou: “os imigrantes também envelhecem” porque os que hoje “contribuem para os nossos sistemas sociais também têm o direito de serem beneficiários do sistema”, se decidirem permanecer em Portugal.