A omissão por parte de um magistrado do Ministério Público (MP) de Guimarães, ao não inquirir as únicas vítimas de um tiroteio, no Bairro das Enguardas, em Braga, comprometeu, em definitivo, a única prova testemunhal que se pensava existir no processo do Grupo do Fujacal, cujos três arguidos começaram a ser julgados esta segunda-feira, deixando assim a procuradora do MP neste julgamento em apuros para obter a condenação dos suspeitos.
Isto porque as vítimas, três jovens irmãos residentes no Bairro das Enguardas, por razões desconhecidas, deram o dito por não dito, negando agora no julgamento tudo aquilo que haviam declarado na Polícia Judiciária (PJ), ficando os três juízes do Tribunal Coletivo com as ‘mãos atadas’, no que diz respeito à prova testemunhal, porque as declarações de uma testemunha não podem ser contraditadas entre o que afirmou num inquérito criminal e no julgamento, se não tiverem sido prestadas perante um magistrado.
Ora, acontece que, sendo apenas prestadas a uma força policial, neste caso na PJ de Braga, para que essas declarações tivessem valor jurídico para produzir prova durante o julgamento, era preciso autorização dos arguidos, o que já não era preciso se tivesse um magistrado, o titular do processo, neste caso Ricardo Tomás, inquirido as vítimas, depois de terem sido ouvidas na PJ, o que o procurador não fez.
Como esta segunda-feira, na primeira sessão do julgamento, o advogado dos três arguidos, Tiago Ferreira Freitas, não autorizou que tais declarações fossem contraditadas, a procuradora, Joana Piloto, ficou com as supostas vítimas a dizerem que afinal não foram atropeladas e que os tiros não foram disparados na sua direção, nem à queima-roupa.
Nesta ocasião, todos os magistrados, os três juízes e a procuradora do MP, perceberam a omissão que vinha de trás e que nem sequer podem processar as testemunhas por falsas declarações.
O procurador titular do inquérito, Ricardo Tomás, do DIAP de Guimarães, entendeu que não seria necessário inquirir as três testemunhas para validar as suas declarações na PJ de Braga, pelo que tendo sido somente prestadas a uma força policial, o próprio Tribunal não poderá sequer delas tomar conhecimento, explicou o juiz-presidente, Marco Martins.
Os incidentes nas Enguardas
Em causa está a provocação do Grupo do Fujacal a pintar o nome do seu bairro num bloco do Bairro das Enguardas, rasurando ao mesmo tempo a inscrição Enguardas Bronx, o que levou três irmãos ali residentes a reagir. Foram feitos pelo menos dois disparos contra esses mesmos moradores, por parte dos elementos do Fujacal, Davide Chilombo Portela, Rilker Richard Almeida e Henrique de Lima Marquês, o que foi admitido por estes dois últimos.
O primeiro optou por não prestar declarações, a não ser para desmentir as alegadas ameaças de Rilker a um agente da PSP, o que faz igualmente parte do processo, relativo à incursão abrupta de membros do Fujacal nas Enguardas, a 18 de março de 2021.
No julgamento foi ouvido o inspetor Milton Trigo, da PJ de Braga, que tal como todos os arguidos, relativizou a situação, afirmando que a comunicação social foi quem empolou a alegada guerra entre bairros rivais, Fujacal versus Enguardas, revelando que os factos mais graves foram em setembro de 2020, quando “poderia ter havido meia dúzia de mortes”, o que tem a ver com um ataque a tiro, perpetrado no Fujacal, pelo Grupo das Enguardas.
A apreciação neste julgamento sobre a guerra dos grupos rivais de Braga, o do Fujacal e o das Enguardas, está muito condicionada, porque apesar dos incidentes de 18 de março de 2021 incluirem, no espaço de meia dúzia de minutos, segundo as contas da PSP de Braga, um tiroteio que se seguiu em Nogueira, a separação dos processos por parte do mesmo DIAP do MP de Guimarães, não permite uma visão de conjunto do problema.
Houve sucessivos tiroteios, todos em Braga, mas os processos foram autonomizados, levando a que haja um julgamento por cada.