Vindima na Adega de Ponte de Lima promete um ano de “grandes vinhos Loureiro”

Reportagem
Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

À entrada da Adega Cooperativa de Ponte de Lima há uma fila de tratores carregados de dornas e tinões cheios de uvas. Estamos na fase final da vindima das uvas brancas. Dali vai sair o vinho Loureiro que, a partir de janeiro, estará nas garrafeiras de muitos portugueses – e não só.

Mas até a uva que ali chega em cima de tratores e pequenos camiões se transformar em vinho, há ainda um todo um complexo e interessante processo.

Tratores fazem fila à entrada da Adega Cooperativa. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

Os tratores entram à vez. É feita a leitura do cartão do sócio. Uma sonda entra nas dornas e recolhe uma amostra que dá o grau provável de álcool. De seguida é emitido o talão que indica o cais de descarga, conforme o grau de álcool e a qualidade da uva.

Sonda retira uma amostra das uvas para apurar o grau de álcool. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

Contudo, antes de avançarmos para a próxima fase do processo, lembremos que já houve trabalho anterior.

Para definir a data de vindima, a Adega Cooperativa de Ponte de Lima recolhe bagos de viticultores em quantidade representativa para perceber a evolução da uva.

Sonda retira uma amostra das uvas para apurar o grau de álcool. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

“Fizemos mais de 600 colheitas para definir uma data de vindima”, explica a O MINHO Ricardo Silva, engenheiro responsável pelo apoio aos associados na área da viticultura. “Vamos vendo a evolução semana a semana e projetamos uma data de vindima”.

A uva começa com um nível de acidez muito elevado e pouco açúcar, depois os valores começam a inverter-se e é importante apanhá-los no ponto.

Ricardo Silva, engenheiro responsável pelo apoio aos associados na área da viticultura. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

“É complicado, porque temos que definir a data de vindima muito cedo para informar todos os associados das datas que temos programadas para que eles venham cá”, sublinha Ricardo Silva, notando que “este ano correu bem”.

“Acertámos em cheio”, reforça o engenheiro, acrescentado que a Cooperativa de Ponte de Lima até começou “mais cedo do que a maioria das adegas” (no dia 8 de setembro) a receber as uvas dos associados.

Primeiro, é a chamada pré-vindima, com os produtores selecionados – que foram acompanhados pelo departamento de viticultura – e depois é geral.

“O associado faz a marcação condizente com a qualidade da uva e com a disponibilidade de mão de obra, que é uma dificuldade que também se tem nesta altura do ano”, refere Ricardo Silva.

“O Loureiro é uma marca de Ponte de Lima”

Os camiões dirigem-se para os respetivos cais, onde as equipas aguardam para içar as dornas e os tinões e os despejarem nas balanças. As uvas são pesadas, é emitido talão para entregar ao sócio já com a identificação do número de contribuinte.

Tratores dirigem-se para os respetivos cais para descarregar as uvas. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO
Tratores dirigem-se para os respetivos cais para descarregar as uvas. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO
Tratores dirigem-se para os respetivos cais para descarregar as uvas. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

O desengaçador separa os bagos da restante parte do cacho. A uva segue então para a prensa. “A prensagem é feita de forma suave”, assinala Ricardo Silva, o que permite uma melhor qualidade e sabor do vinho.

Equipas esvaziam as dornas e tinões para as balanças. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO
Equipas esvaziam as dornas e tinões para as balanças. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO
Equipas esvaziam as dornas e tinões para as balanças. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO
Equipas esvaziam as dornas e tinões para as balanças. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO
Equipas esvaziam as dornas e tinões para as balanças. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO
Equipas esvaziam as dornas e tinões para as balanças. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

O mosto – parte líquida – vai sendo extraído para as cubas onde irá fermentar, enquanto a parte sólida da uva – de onde saem os bagaços e aguardentes – vai saindo em tapetes rolantes para o exterior da adega.

O agradável cheiro que emana das cubas dá conta das diferentes fases de fermentação – quando mais adiantadas mais fresco e saboroso o aroma. Nas mais evoluídas, já se sente bem o aroma tão característico do Loureiro.

Uvas são ‘desengaçadas’. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO
Uvas são ‘desengaçadas’. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

Esta casta é o ex-líbris da Cooperativa e representa 95% dos brancos ali produzidos. O restante divide-se pelas castas Trajadura, Arinto, Fernão Pires e Alvarinho.

Já nos tintos, que representam cerca de 25% da produção da Adega, o Vinhão é predominante, mas também há Borraçal, Espadeiro e Espadeiro de Basto. Algumas delas são usadas também para o Rosé em que a Cooperativa começou a apostar desde há quatro anos.

Uva é prensada para extrair o mosto. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

“O Loureiro é uma marca de Ponte de Lima. Tem um longo histórico”, começa por explicar Ricardo Silva, dando contas das especificidades desta casta no vale do Lima, designadamente naquela vila “onde há maior produção”.

“Temos aqui uma influência atlântica muito forte. O vale do Lima é muito aberto para o mar, e essa frescura que daí vem influencia na produção de uva, que, consequentemente, vai ser marcante na produção dos vinhos”, contextualiza. “É uma casta muito aromática e ao mesmo tempo muito refrescante. E Ponte de Lima é a casa do Loureiro, é onde conseguimos tirar o melhor da casta”.

Casta Loureiro em “O Portugal Vinícola” de B. C. Cincinnato da Costa. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

As referências a esta casta já têm mais de cem anos, vindo mencionada em “O Portugal Vinícola” de B. C. Cincinnato da Costa, de 1900, cuja edição comemorativa do I Centenário está em lugar de destaque nas prateleiras da zona administrativa da Adega. Nas paredes estão afixados diplomas de participação de associados na Exposição Universal de Paris já em finais do século XIX.

Mosto é extraído para as cubas onde fica a fermentar. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO
Mosto é extraído para as cubas onde fica a fermentar. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

“É uma casta branca muito cultivada nos concelhos de Arco de Valdevez, Vila Nova de Cerveira, Ponte do Lima, Ponte da Barca, Melgaço, Monção, Caminha, Vila do Conde e Póvoa de Varzim. (…) É uma das castas mais doces do Minho, acusando ainda maior riqueza sacarina do que a Doçar, a qual entre as castas tintas é das mais sacarinas”, lê-se em “O Portugal Vinícola” sobre o Loureiro.

Variedade de vinhos da Adega Cooperativa de Ponte de Lima. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

O vinho deste ano será bom, confia Ricardo Silva: “Estamos expectantes, mas pelas primeiras impressões que trocámos com o departamento de enologia, estamos à espera de um ano muito, muito bom em termos de qualidade. Começámos a vindima na altura certa e estamos à espera de grandes vinhos Loureiro”.

Vinho Loureiro para missas. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

O Loureiro significa tanto para a Adega Cooperativa de Ponte de Lima que esta até produziu um vinho de missas com esta casta – o qual tem que ser aprovado pelas autoridades eclesiásticas.

Tratou-se de um pedido feito pelo recentemente falecido bispo de Viana do Castelo, Anacleto Oliveira. “Ele gostava de Loureiro e não havia nenhum Loureiro para missas”, recorda a presidente da Adega Cooperativa, Celeste Patrocínio.

Vindima em tempos de pandemia

A perspetiva de excelente vinho Loureiro é a melhor notícia num ano muito complicado por causa da pandemia. “Nos meses de abril e maio sofremos uma quebra enorme, irrecuperável”, nota a presidente, acrescentando que a partir de junho as vendas voltaram a “valores do ano passado”.

Celeste Patrocínio, presidente da Adega Cooperativa de Ponte de Lima. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

Além das quebras nas vendas, a pandemia obrigou a um “muito complexo” processo de adaptação a novas e exigentes regras sanitárias. A Adega criou o plano de contingência logo no mês de março e, para a vindima, criou um guia de recomendação para os viticultores e outro interno.

Diploma de participação de associado da Adega na Feira Universal de Paris. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

Questionada sobre o volume de faturação da Adega Cooperativa, Celeste Patrocínio prefere não adiantar valores. “Só fazemos vinho com uvas dos nossos associados. Exclusivamente. O que significa que estamos sempre dependentes da natureza. Podemos ter seis milhões de litros, ou cinco ou quatro, conforme o ano. A média anda nos seis milhões de litros, mas varia todos os anos”, refere a responsável.

Adega Cooperativa de Ponte de Lima. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

Com cerca de 2.000 associados, a Adega Cooperativa recebe uvas de grandes produtores como de pequenos que levam apenas “uma pipinha”, realça Celeste Patrocínio. “Uma grande companhia não vai buscar vinho a um pequeno produtor só pelo trabalho e custos que tem”, acentua.

“O bom da cooperativa é que damos liberdade às pessoas. O pequeno produtor tem uma opção, a Adega oferece-lhe essa possibilidade [de vender o vinho]”, complementa Ricardo Silva.

“O nosso tinto é muito cobiçado”

Entretanto, as uvas brancas já estão todas dentro de portas, seguem-se as tintas. “Agora, como há menos tintos na região dos Vinhos Verdes, o nosso é muito cobiçado. Vendemos o vinho tinto todo mesmo com a pandemia”, salienta a presidente da Adega Cooperativa.

Adega Cooperativa de Ponte de Lima. Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

Os tintos começarão a ser comercializados em dezembro, os brancos em janeiro. Refrescarão o palato de muitos portugueses, mas também de muitos estrangeiros.

A Adega Cooperativa de Ponte de Lima exporta para Estado Unidos (onde o rosé está a fazer sucesso), Canadá, Colômbia, Brasil (pouca quantidade devido à instabilidade política do país), Reino Unido, Alemanha, França (“só para a comunidade portuguesa e vendemos bem”, aponta a presidente), Holanda, Rússia (para onde está a vender “muito”), Polónia, Japão (“um mercado muito exigente”) e Suécia (que está a comprar Vinhão).

Os vinhos da Adega Cooperativa podem ser encontrados ainda noutros países através dos seus clientes exportadores.

É Ponte de Lima – neste caso, literalmente – nas bocas do mundo.

 
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