Vila Verde: Processo de divórcio com juiz ‘fantasma’ acaba em burla de meio milhão

Advogada no epicentro do caso
Vila verde: processo de divórcio com juiz 'fantasma' acaba em burla de meio milhão
Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

Um casal de antigos emigrantes em França e agora morador em Vila Verde diz-se burlado, em cerca de meio milhão de euros, por um conjunto de pessoas que se aproveitou da sua separação temporária. Por isso, apresentou queixas no Ministério Público e na Ordem dos Advogados contra uma advogada desta comarca e uma antiga amiga.

A advogada Patrícia Melo Antunes, da Comarca de Vila Verde, visada pela participação disciplinar à Ordem dos Advogados, não respondeu às tentativas de esclarecimento de O MINHO, para dar a sua versão dos factos, sendo que apesar do valor de cerca de meio milhão de euros não se reportar só à causídica vilaverdense, era quem esteva encarregada de defender os interesses da agora queixosa. 

Ana Bela Pereira Sequeira, residente na freguesia de Marrancos, Vila Verde, queixou-se não só da ex-advogada, Patrícia Melo Antunes, como já de uma antiga amiga, Fernanda S., da freguesia da Loureira, no mesmo concelho.

Arménio Lopes Figueiredo Sequeira, o marido de Ana Bela Pereira Sequeira, confirmou O MINHO: “Tudo isto começou com uma intromissão, na nossa vida conjugal, de Fernanda S., pois no pouco tempo em que eu a minha esposa estivemos desavindos, apresentou Anabela à advogada Patrícia Melo Antunes, de Vila Verde, sendo esse o princípio do caso”.

“Numa primeira estimativa, nós calculamos as burlas e os desvios, de dinheiro, de ouro e de outros valores, no valor de cerca de 300 mil euros, mas todos os dias estamos a apercebermo-nos de novos ‘rombos’, porque até à minha filha afinal desviaram mais dinheiro que de início pensávamos, além de outras trafulhices, em Portugal e em França”, acrescentou Arménio Sequeira.

Anabela Sequeira queixou-se de “ter sido burlada por essa falsa amiga, que é a Fernanda”.

“Ficou-me com todas as suas peças de ouro, com um valor superior a 50 mil euros, que lhe pedi para guardar e quando dei por mim já tinha sido todo vendida a uma ourivesaria, aqui, em Vila Verde”, dsse.

Fernanda S. também não respondeu às questões de O MINHO.

“Advogada dizia-me que o dinheiro era para dar ao juiz de Vila Verde”

Na origem dos processos, de consequências criminais para ambas as suspeitas e também disciplinares para a advogada, está a situação do divórcio do casal de emigrantes, residente em Vila Verde, que, entretanto, se reconciliou, altura em que ambos se aperceberam de abusos de confiança de que foi vítima numa primeira fase a esposa e depois em consequência o próprio marido.

A advogada, com escritório no centro de Vila Verde, exercendo já a advocacia há cerca de 15 anos, é acusada pela sua antiga cliente, de conluio com uma amiga, residente na freguesia da Loureira, em Vila Verde, ter convencido a então cliente, a vender o automóvel e peças de ouro alegadamente para “pagar” ao “juiz de Vila Verde”, segundo mensagens que enviou para a cliente.

Ana Bela Sequeira, com o marido, Arménio Sequeira, diz que a advogada vendeu por 7.500 euros um automóvel, com 50 mil quilómetros, que o seu marido tinha comprado pouco tempo antes por 20 mil euros.

“Vendeu ainda muitas peças de ouro, porque a advogada, exigia-me, sempre, cada vez mais e mais dinheiro, dizendo-me sempre que ‘esse dinheiro seria para se dar ao juiz’”, acrescentou.

“Só mais tarde descobri que nem tão pouco nada foi entregue ao juiz de Vila Verde, que nem sequer existia, nem ao Tribunal Judicial de Vila Verde, nem a advogada me devolveu o dinheiro ou sequer parte das avultadas verbas que lhe entreguei, aliás, vim a saber pelo novo advogado que em Vila Verde não havia nenhum juiz, mas sim duas juízas”, afirmou Ana Bela Sequeira.

Segundo as queixas, quer a criminal, quer a disciplinar, no decorrer do processo de inventário que decorria no Tribunal Judicial de Vila Verde, relacionado com o divórcio, que, entretanto, não se chegou a concretizar, no Tribunal de Família e Menores de Braga, terá sido convencida a reunir e pagar milhares de euros, não de custas judiciais, mas para “pagar ao juiz de Vila Verde”.

Apesar de na data não existir sequer nenhum juiz colocado em Vila Verde, mas sim juízas, numa primeira fase, a mulher, com base nas mensagens de telemóvel enviadas pela advogada, que guardou fazem já parte integrante de ambos os processos, o criminal e o disciplinar, convenceu-se então que o seu processo de inventário “só andava para frente, porque na ocasião ainda estaria parado no Tribunal Judicial de Vila Verde, se pagasse milhares de euros para a advogada ‘pagar’ ao juiz de Vila Verde”.

Queixa contra a advogada por crime de burla qualificada

O casal, Arménio Lopes Figueiredo Sequeira e Ana Bela Pereira Sequeira, residente em Marrancos, Vila Verde, nas suas duas queixas, apresenta, entre diversas outras testemunhas, dois advogados, um com o escritório em Vila Verde e o outro em Braga, referindo que a advogada vilaverdense terá recebido “muito dinheiro” e “nem sequer intentou nenhuma das duas ações judiciais para as quais foi contratada, factos que só veio ter conhecimento em final de 2024”, tendo-se queixado a 31 de janeiro de 2025.

A emigrante vilaverdense afirma na sua participação criminal, que “a nota de honorários foi-me sendo apresentada verbalmente sempre nas várias consultas agendadas, pelo que transferi os valores, sem questionar, porque confiando na advogada, porque pensava serem os valores reais e justos, que tinha que pagar sempre uma taxa sempre que apresentava uma peça processual”.

“A advogada disse-me que ia apresentar uma providência cautelar no Tribunal, mas só mais tarde descobri que afinal nunca apresentou a tal providência cautelar que a senhora advogada disse ser necessária, só que eu não conhecendo os meandros das leis e os tribunais, fui pagando sempre mais e mais dinheiro, sem ter consciência estar a ser burlada”, diz Ana Bela Sequeira.

E segundo a mesma emigrante vilaverdense, “também a outra ação judicial, que era uma partilha, por conta de um divórcio a correr no Tribunal de Família e Menores de Braga, nunca chegou sequer a dar entrada em nenhum tribunal”. “E eu fui pagando sempre tudo quanto me pedia a senhora advogada, mas vejo agora que fui vítima de burlas”, acrescenta.

Nas suas duas queixas, às quais O MINHO teve acesso, Ana Bela Sequeira explica que começou por contratar aquela advogada, com o escritório no centro de Vila Verde, com um divórcio, a decorrer em Braga, do qual, entretanto, desistiu, sendo que ambos visavam o marido, Arménio Sequeira, do qual esteve separada de facto durante cerca de um ano, mas com quem voltou a viver.

“No final apercebi-me que as quantias solicitadas pelos serviços prestados pela advogada eram excessivas e avultadas”, referindo ter pago a quantia global de exatamente 113.427,78 € (cento e treze mil, quatrocentos e vinte e sete euros e setenta e oito cêntimos), explicando que “somente no final tomei conhecimento que estas quantias eram exorbitantes e excessivas, comparando com todos os valores praticados pelos restantes advogados da Comarca de Vila Verde”.

“A advogada aproveitou-se da minha fragilidade e instabilidade”, sublinhou, pormenorizando as quantias e as datas que transferiu para a conta da advogada de Vila Verde: 7.500 euros a 07 de fevereiro de 2024; 6.708 euros a 21 de fevereiro de 2024; 3.500 euros a 11 de março de 2024; 800 euros no dia 18 de março de 2024; 47.256,78 euros a 04 de abril de 2024; 8.255 euros a 20 de maio de 2024; 4.506 euros a 21 de maio de 2024; 13.139 euros a 28 de maio de 2024; 18.763 euros a 07 de junho de 2024; totalizando-se já 113.427,78 euros (cento e treze mil, quatrocentos e vinte e sete euros e setenta e oito cêntimos).

Por isso, foi já apresentada a queixa, no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Ministério Público, no Palácio da Justiça de Vila Verde, contra a advogada vilaverdense, ao mesmo tempo que o casal de Marrancos pede o procedimento disciplinar contra a causídica vilaverdense, pelo Conselho de Deontologia do Norte da Ordem dos Advogados.

Marido também se queixou

Arménio Sequeira confirmou a O MINHO a versão da sua esposa, Ana Bela Pereira Sequeira, acrescentando que “os valores que a Ana Bela foi vítima são cerca de um terço daquilo que o “vigarizaram”.

Vila verde: processo de divórcio com juiz 'fantasma' acaba em burla de meio milhão
Foto: Joaquim Gomes / O MINHO

“Desviaram-nos de várias contas bancárias nossas, que de início ascendiam a uns 300 mil euros, mas vim a descobri que afinal já vai em cerca de meio milhão de euros”, esclarece.

“De uma das contas bancárias ‘limparam-me’ 170 mil euros, de outra, 76 mil euros, de uma outra 28 mil euros e 26 mil euros de outra ainda, tendo sido este último o valor mais baixo daquilo que me roubaram”, segundo explicou ainda Arménio Sequeira.

De acordo com o mesmo emigrante vilaverdense, o que lhe “valeu em grande parte”, na recuperação dos prejuízos, foi ter já o Posto da GNR de Prado recuperado grande parte do ouro que as duas “obrigaram” a sua mulher a vender.

“Agradeço o esforço da GNR de Prado, bem como da GNR de Vila Verde, que têm sido incansáveis com as suas investigações”, refere.

“Andei depois a comprar outra vez o mesmo ouro que a minha mulher tinha vendido numa ourivesaria de Vila Verde, assim como o automóvel Smart que a advogada vendeu e eu fui outra vez comprar a um stand na cidade do Porto, essas duas mulheres tiraram-nos tudo o que podiam, ando agora a recomeçar a minha vida, com ajuda dos meus advogados”, diz Arménio Sequeira.

“Esses dois advogados, João Araújo da Silva, de Vila Verde, e Luís Sepúlveda Cantanhede, de Braga, tal como empresários aqui de Vila Verde que me conhecem como homem de trabalho e me estão a ajudar já para eu levantar novamente as minhas atividades comerciais, caso contrário estaria na miséria à custa da falsa amiga da minha mulher e da sua ex-advogada”, afirmou.

As mensagens estranhas a invocar o “juiz de Vila Verde”

Nos dois processos, quer no criminal, quer no disciplinar, constam algumas mensagens de telemóvel da advogada vilaverdense, com a sua cliente, emigrada em França, mas com residência em Marrancos, onde se invoca “o juiz de Vila Verde”:

Dia 31 de outubro de 2024

Advogada – “Dona Ana Bela, a Dona Fernanda mandou-me o documento da venda do carro e você tem de fazer igual a outra coisa para depositar no Tribunal [de Vila Verde] a ver se na sexta-feira tem as duas coisas“.

Advogada – “Está bem?“.

Advogada – “Está bem? Senão dá problemas no Tribunal [de Vila Verde] e eu não quero isso“.

Cliente – “A Fernanda já lhe enviou a semana passada.

Cliente – “O da outra coisa”.

Advogada – “Sim, Ana Bela, o da outra coisa“.

Advogada – “Eu preciso é que se faça igual como se fez com a primeira coisa“.

Advogada – “Depositar ao juiz“.

Advogada – “Quando tiver tem de me vir trazer ou a Dona Fernanda“.

Advogada – “Para o Juiz ver“.

Dia 05 de novembro de 2024:

Advogada – “Boa tarde, Ana Bela“.

Advogada – “O Juiz ainda não proferiu despacho por causa da entrega das coisas aos bocados“.

 
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