A Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM), através do hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo, já executa uma técnica inovadora, com recurso a micro-ondas, para remover pequenos tumores nos utentes de forma pouco invasiva, revelando-se uma alternativa à cirurgia ou a outras terapêuticas em casos selecionados. Para já, esta técnica está mais estabelecida em tumores do rim e fígado, havendo também evidência crescente que sustenta a sua eficácia noutros órgãos, como o pulmão e a tiróide.
Neste 10 de março, em que se assinala o Dia Mundial do Rim, O MINHO quis saber um pouco mais sobre esta técnica, chamada termoablação por micro-ondas, que evoluiu a partir da utilização de ondas rádio e que começa a ganhar espaço e adeptos nos serviços hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.
Manuel Cruz, médico radiologista dos quadros do Serviço de Radiologia da ULSAM, que integra a equipa de radiologia de intervenção, coordenada pelo médico Rui Ramos, explicou a O MINHO que esta técnica tem vindo a ser utilizada com maior frequência na unidade hospitalar central do Alto Minho, com resultados promissores, sobretudo a nível do rim e do fígado.
“O procedimento é mais frequentemente realizado no rim e também no fígado, onde há significativa evidência científica a atestar a sua eficácia, tanto a curto como a longo prazo, em comparação com a abordagem cirúrgica”, explica. Há outros locais onde tem vindo a ser utilizado – como é o caso do pulmão ou da tiróide – mas não está tão estabelecido.
Na grande maioria, é dirigido a carcinomas de células renais (o cancro do rim mais comum) de pequenas dimensões ou em doentes que não podem ser operados. No fígado, o alvo mais frequente são metástases ou pequenos carcinomas hepatocelulares (o cancro hepático mais comum).
Trata-se de “uma opção terapêutica minimamente invasiva e guiada por imagem, com potencial curativo, que permite maior preservação da função renal e com tempo de recuperação reduzido, podendo ser realizada em contexto de ambulatório”. Ou seja, o utente pode submeter-se ao procedimento, que demora entre 30 a 45 minutos, e ter alta no mesmo dia, saindo pelo próprio pé.
“É uma alternativa, sobretudo para tumores renais pequenos”, começa por explicar, comparando com as nefrectomias parciais (tirar parte do rim) ou com a vigilância ativa em doentes já idosos e com comorbilidades, onde o risco cirúrgico é muito elevado.
No caso deste órgão, não é só o tamanho do tumor que conta, mas também a localização do mesmo. Quando, por exemplo, um carcinoma (tumor maligno) se encontra na periferia do rim, é mais fácil eliminar o ‘mal’ com recurso à ablação.
Vantagens
As vantagens são variadas, explica Manuel Cruz. Enquanto numa intervenção cirúrgica tradicional (para além de todo um procedimento mais invasivo) é necessária anestesia geral, no caso da termoablação é suficiente uma sedação consciente, com o doente a poder colaborar durante o procedimento. Eventualmente, poderá ser necessária a utilização de anestesia geral, mas apenas em casos onde o doente não colabora ou seja necessário controlo da respiração com ventilador.
“É mais económico, poupa-se tempo em análises, exames e camas durante o internamento, tempo de bloco com cirurgiões, anestesistas…”, sustenta o radiologista.
Procedimento
Manuel Cruz explica que, após anestesia local, é introduzida uma antena através de um pequeno orifício na pele. A antena (que possui o emissor de micro-ondas na sua ponta) é então avançada até ao tumor com o auxílio da ecografia e da tomografia computorizada (TC).
“Introduzimos a antena, e após confirmação do correto posicionamento, definimos o tempo e a potência das micro-ondas para conseguirmos a área de ablação desejada com boas margens à volta do tumor. Durante a remoção da antena é também feita a ablação do trajeto, e depois é feito o controlo por TC para perceber se o resultado foi o pretendido ou se é necessário algum pequeno reajuste”, explica.
O sucesso da ablação a longo prazo é controlado com recurso a “exames de TC seriados, para perceber se não há recidiva do tumor”.
Perspetiva do clínico
Manuel Cruz considera que não existe problema em definir qual a melhor forma de tratamento – se a termoablação, a cirurgia ou outra estratégia terapêutica: “Essa decisão não pode partir só de nós. Tem que ser uma decisão conjunta, num contexto multidisciplinar, com o envolvimento da Radiologia, Urologia, Oncologia, Anestesia, entre outros, sendo sustentada nas características do tumor e nas condições e comorbilidades do doente”.
O radiologista explica que há ainda a opção da crioablação, uma técnica que causa ablação por ciclos de congelamento e descongelamento do tumor em vez de aquecimento por micro-ondas: “Tem vantagens, sobretudo em tumores próximos do sistema coletor renal (que é onde passa a urina), pois tem menor risco de causar lesões nesta estrutura que é mais vulnerável às elevadas temperaturas”. Esta tecnologia é, no entanto, menos acessível pelo seu custo e menor disponibilidade de equipamentos.
Este procedimento é incentivado pelo Serviço Nacional de Saúde?
Questionado sobre se este tipo de terapêutica é incentivado pelos serviços centrais de Saúde (SNS), Manuel Cruz refuta, e revela que a iniciativa acaba por partir mais dos serviços locais, como é o caso da ULSAM. “Tem de haver esse estímulo e vontade de iniciar procedimentos novos. Aqui [na ULSAM] temos sempre vontade de inovar e oferecer à população outras alternativas. Não há muitos centros em Portugal a fazer termoablações, e assim evitamos que os utentes tenham de se deslocar ao Porto, Coimbra ou Lisboa”, considerou.
Porque é que tem de ser programado?
Apesar de ser um procedimento pouco invasivo, são precisos todos os cuidados. “É um procedimento terapêutico, que implica sempre a introdução de uma antena dentro do corpo até ao tumor. É fundamental uma consulta de anestesia, um estudo de imagem prévio para planear o procedimento e análises laboratoriais, nomeadamente para perceber o estado de coagulação, pelo risco de hemorragia”, explica.
“Se eventualmente o utente tomar medicação para o sangue, é preciso interromper uma semana (regra geral, dependendo do medicamento em concreto). Hoje é também preciso o teste covid. E é preciso saber se a lesão tem critérios para ablação. É preciso perceber se é uma alternativa importante para o doente ou se há outras alternativas, onde, por exemplo, seja necessário retirar o rim todo ou fazer quimioterapia ou radioterapia. Este tipo de decisões nunca pode partir de um só serviço, tem de haver consenso multidisciplinar”, explicou Manuel Cruz.
Aumentar o leque de opções em Viana e Braga
A finalizar, o radiologista sublinha que a intenção do serviço de Radiologia da ULSAM, na perspetiva da equipa de intervenção, “é manter a motivação constante em continuar a evoluir e a implementar progressivamente novas técnicas ao serviço da população. A perspetiva de uma nova sala dedicada à radiologia de intervenção, eventualmente com um angiógrafo, será um passo fundamental para aumentar significativamente o leque de procedimentos diagnósticos e terapêuticos disponíveis a todos os utentes que recorram ao hospital”.