Há três décadas, o comboio “deixou de apitar” em Cabeceiras de Basto, sendo prometida em troca uma variante para Amarante, mas aquele troço “ainda não chegou” e todo este tempo deixou marcas na vida do concelho.
Do comboio já só se lembram os “dinossauros” da terra. Os mais novos nunca o viram a chegar à estação de Cabeceiras de Basto, que, entretanto, ganhou uma carreira rodoviária e uma ligação à A7. Mas, pela vila, ainda se fala da promessa que os governos de Cavaco Silva “não honraram”, embora tenha sido feita pelo seu antecessor no cargo de primeiro-ministro, Mário Soares.
“Perdemos muito com a saída do comboio aqui da terra. Não só porque era bonito de ver a estação com vida, mas porque nos dava jeito para ir à cidade [Braga]. E ainda trazia muita gente. De ‘caminete’ [autocarro] a viagem não sabe tão bem”, lamenta José Apolinário, 84 anos, agricultor, que se diz a um tempo reformado e a outro “ainda ativo, porque é preciso pôr comida na mesa”.
Ao lado de José, o “compadre” António Carvalhinho também revela saudades do transporte ferroviário. “O comboio servia para tudo. Para ir passear, trabalhar, estudar – os que tinham dinheiro para isso. As lojas pequenas iam abastecer à cidade. Depois acabou isso tudo”, lamenta.
O objetivo da “troca” do comboio por estrada, explica Joaquim Barreto (PS), que foi autarca de Cabeceiras de Basto entre 1994 e 2014, era fazer a ligação de Cabeceiras de Basto, juntamente com Celorico de Basto e Mondim de Basto, a Amarante através de uma variante.
“O que ficou acordado em 1984 é que a variante seria construída, assim como passaria a haver transporte público rodoviário, para compensar a saída da linha férrea do concelho. A verdade é que o troço só foi feito até Celorico e dentro deste concelho. Depois são 20 e tal quilómetros de estrada sinuosa até Cabeceiras”, explica o autarca.
Joaquim Barreto refere com alguma “mágoa” o “sucessivo atrasar” do projeto.
Para o ex-autarca, “houve e tem havido da parte da Administração Central, dos sucessivos governos, um adiamento na construção de um troço que tem projeto feito e aprovado”.
E isso teve consequências para Cabeceiras de Basto, “mas não só”.
“Todo o Vale do Tâmega foi afetado. É uma zona cheia de potencialidade, mas que tem sido castigada com desertificação, despovoamento e, com isso, [sofre] as consequências económicas. Sem boas acessibilidades, por muito bons que sejam os autarcas, a população e recursos naturais, fica complicado desenvolver, criar emprego e fixar população”, refere Joaquim Barreto.
Ainda assim, Barreto considera que Cabeceiras de Basto “conseguiu dar o salto” e fazer-se “uma boa vila”. E isto com a “ajuda” da ligação do concelho à A7.
“Foi uma ligação muito importante para o concelho, mas não veio substituir a outra que tinha sido prometida, que fez falta, e que continua a fazer falta àquela terra”, conclui.
José Apolinário e o “compadre” António Carvalhinho concordam. E, sentados num banco de jardim – “onde mais podem parar os reformados se não nos jardins se os cafés são caros?” -, os dois continuam a recordar histórias dos tempos do comboio.
“Casei e fui feliz por causa do comboio. A minha mulher era de Braga e todas as semanas eu apanhava o ‘bicho’ para lá. Quando viemos viver para aqui, trouxemos o enxoval todo no comboio”, recorda António Carvalhinho.
“Agora já não apita o comboio. Nem o meu coração”, lamenta.
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