Centenário
A Universidade do Minho homenageou esta terça-feira Salgado Zenha, dia do centenário do seu nascimento, em Braga, numa cerimónia caracterizada pela emoção e unanimidade, em redor da figura ímpar do grande democrata bracarense, que nem a ausência do primeiro-ministro, António Costa, tendo já à última hora cancelado a sua deslocação a Braga, por causa da crise governamental, retirou qualquer impacto e brilho à evocação do legado que deixou a Portugal o fundador do Partido Socialista.
O anfiteatro nobre da Escola de Direito da Universidade do Minho, no Campus de Gualtar, em Braga, foi durante toda a tarde desta terça-feira o palco das intervenções, como não poderia deixar de ser, não só, mas também, por ter a Biblioteca Salgado Zenha como mais-valia, repousando na casa jurídica da academia minhota o espólio do homem que foi ministro da Justiça e o responsável pelo acesso das mulheres à magistratura, bem como a revisão da Concordata com a Santa Sé, que permitiu entre outras profundas alterações na sociedade portuguesa o divórcio nos casamentos católicos e também a revisão do Código Civil.
Na academia minhota foram recordadas expressões celebrizadas por Francisco Salgado Zenha, como “não serei instrumento de ninguém” e “só é vencido quem nunca desiste de lutar”, bem como um slogan partidário do PS, “Soares e Zenha, não há quem os detenha”, reunindo familiares e amigos de longa data do lutador antifascista, como recordou João Soares, evocando, a propósito as sucessivas prisões arbitrárias da PIDE no Estado Novo, inclusivamente proibindo Salgado Zenha de ter carta de condução, assim como os mais básicos direitos de cidadania, o que nunca demoveu Zenha de lutar para implantar a democracia.
O advogado Daniel Proença de Carvalho falou da carreira profissional de Francisco Salgado Zenha, indissociável de todas as suas convicções, defendendo, contra ventos e marés, os réus julgados por “crimes” políticos, pelos Tribunais Plenários, mesmo sendo o próprio Zenha perseguido pela polícia política, a PIDE, inclusivamente vítima de agressões à bastonada como nunca se vira, segundo revelou João Soares, falando da relação umbilical do seu pai, Mário Soares, com Francisco Salgado Zenha, o que só mais tarde, por divergências sobre a estratégia a seguir pelo Partido Socialista, levou a uma rotura entre Soares e Zenha.
A luta contra a unicidade sindical, quando se pretendia a existência de uma única central sindical, a CGTP, em detrimentos de outras organizações congregadoras de correntes sindicais, como a UGT, uma luta dificílima protagonizada principalmente por Francisco Salgado Zenha, foi também recordada por outros oradores, como o seu sobrinho, José Henrique Salgado Zenha, que curiosamente foi relator da proposta de criação do Curso de Direito na Universidade do Minho, falando da afetividade do tio.
Esse tributo e agradecimento foram manifestados pelo reitor da Universidade do Minho, Rui Vieira de Castro, bem como pela presidente da Escola de Direito, Cristina Dias, que anunciou estar já prevista para o próximo dia 15 de dezembro, a data das comemorações 30º aniversário daquela escola, uma sessão com vários oradores convidados e a apresentação de um livro escrito por um conjunto de professores e juristas acerca de Francisco Salgado Zenha, fixando a memória de todas as facetas daquela figura ímpar da oposição ao Estado Novo, do desenvolvimento da democracia e sempre com a afirmação dos direitos humanos.
A sessão teve a participação da vice-presidente da Assembleia da República, Edite Estrela, bem como da provador da Justiça, Maria Lúcia Amaral, sendo que foi precisamente Francisco Salgado Zenha quem criou em Portugal a Provedoria de Justiça, o que foi destacado na cerimónia, onde estiveram igualmente a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, a par da ministra da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, Elvira Fortunato, bem como o deputado Joaquim Barreto, entre outros políticos.
Existe uma fundação com o nome de Zenha na Universidade de Coimbra, que atribui um prémio e bolsas de estudo, além de uma rua em Lisboa e uma avenida em Braga, cujo município criou também um prémio académico e um memorial em sua homenagem, o “Silo da Memória”, no Campo da Vinha, no centro da cidade de Braga, curiosamente erigido no primeiro mandato do atual presidente da Câmara Municipal de Braga, Ricardo Rio, numa maioria de direita e no longo reinado socialista em Braga, como tem vindo a ser assinalado ao longo dos últimos dias, a propósito das homenagens a Francisco Salgado Zenha.
Francisco Salgado Zenha, falecido aos 70 anos de idade (1923-1993), licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, onde presidiu à Associação Académica, tendo-se notabilizado como advogado na defesa de presos políticos, além de ter sido cofundador do Partido Socialista, na Alemanha, em 1972, tendo sido vice-presidente da Assembleia do Conselho da Europa, primeiro presidente da Assembleia Municipal de Braga, ministro da Justiça e das Finanças no pós-25 de Abril, tendo criado a Provedoria de Justiça, além de renegociar a Concordata com a Santa Sé, candidatando-se à Presidência da República, em 1986.