“Única coligação que interessaria aos trabalhadores era de esquerda contra o PS e a direita”

Entrevista com Vasco Santos, candidato do MAS à Câmara de Barcelos
Foto: DR

Vasco Santos, de 48 anos, natural e residente em Barcelos, é pela segunda vez o candidato do MAS – Movimento Alternativa Socialista à Câmara de Barcelos. Auxiliar de saúde no Hospital de Barcelos, dirigente sindical e ativista, considera que, nestes 12 anos de poder socialista, “ninguém sabe” o que o presidente da Câmara, Miguel Costa Gomes, andou a fazer, porque os principais problemas continuam por resolver: concessão da água, novo hospital e transportes públicos para as freguesias.
Em relação à concessão da água de saneamento, o MAS defende a remunicipalização sem pagamento de qualquer indemnização, por considerar que o contrato foi um “roubo declarado”.
Vasco Santos diz que é urgente a construção de um novo hospital público. É mesmo uma das principais bandeiras do MAS e lamenta que o Governo não queira investir na Saúde, mas não hesite em “esbanjar na banca”.
Em relação ao novo cenário político que se apresenta nestas autárquicas a Barcelos, considera que não representa novidade, sendo que “uns que eram do PS vão com o PSD, outros que eram partidários ontem, assumem-se como verdadeiros independentes hoje”. E defende, ainda, que “o Chega deve ser ilegalizado”.
“A única coligação que interessaria às trabalhadoras e aos trabalhadores de Barcelos, era uma coligação de esquerda contra o PS e a direita”, sublinha Vasco Santos, apontando a necessidade um gabinete especializado de apoio às vítimas de violência doméstica e uma verdadeira aposta no rio Cávado.

Com as próximas eleições autárquicas, fecha-se um ciclo de 12 anos da presidência de Miguel Costa Gomes/PS. Que balanço faz desta gestão autárquica?

Em primeiro lugar, em nome do MAS, quero agradecer o convite para esta entrevista. Vivemos numa democracia, no entanto o MAS continua a ser vítima de um bloqueio da maior parte da imprensa. O MAS foi o único, de todos os partidos existentes, que teve de recolher duas vezes assinaturas para conseguir a sua legalização, ou seja 20 mil assinaturas. O que demonstra que somos um incómodo para o sistema. Sobre a pergunta que coloca é melhor começarmos pelo início. Costa Gomes venceu as eleições com a promessa de baixar o preço da água para metade e resolver o problema das Águas de Barcelos. A água continua cara, o saneamento por chegar a quase um terço do concelho, e o problema da indemnização à Águas de Barcelos continua sem fim à vista. O que aconteceu? Nada. O Hospital de Barcelos tão necessário e há tanto tempo prometido, continua sem sair da gaveta. O que tem feito Costa Gomes? Ninguém sabe. No entanto, na nossa cidade, foi recentemente construído um novo hospital privado. Os grupos de saúde privados só conseguem ter as portas abertas à custa do dinheiro do estado. E sobre os transportes? Continuamos isolados das outras cidades do quadrilátero, e as freguesias mais distantes do centro têm pouquíssimos ou nenhuns transportes. Só é possível reduzir a emissão de C02 com uma rede de transportes que colmate a necessidade da população, e esta possa prescindir do automóvel como meio de transporte principal. A circular rodoviária continua por acabar, a central de camionagem continua sem acessos adequados à cidade.

Como avalia a gestão política da questão da Águas de Barcelos e qual o modelo que defende para a sua resolução?

O negócio das Águas foi (é) ruinoso, e o município arrisca-se a ficar endividado para a próxima década e meia pelo menos. E não foi por incompetência ou azar, foi, como acontece por esse país fora, por puro compadrio com os “poderosos”. Como sabemos, o PSD entregou a gestão da água à empresa AdB (Águas de Barcelos) em 2005. Na altura em que se fez o contrato, considerou-se o consumo estimado por cada habitante superior à realidade e estipulou -se que caso as expectativas de consumo não se confirmassem (como obviamente veio acontecer) o município seria obrigado a indemnizar a empresa Adb. Agora a empresa Adb exige o pagamento de 172 milhões de euros, que , só para termos uma ideia, daria para construir três novos hospitais. Ou seja consideramos que este contrato é ilegal e ilegítimo, pois estabelece consumos irreais, e não corresponde aos interesses dos munícipes. Apenas foram acautelados os interesses dos acionistas da empresa. A água é um recurso de todos, não pode estar nas mãos de alguns. Consideramos que só é possível uma gestão sustentável da água se esta for pública. A água deve voltar a ser gerida pela Câmara, sem pagar um euro a mais à Adb. O MAS é única candidatura que defende a gestão 100% pública , sem indemnização. É imperioso acabar com este roubo declarado.

Relativamente ao novo hospital de Barcelos, como acha que o executivo municipal geriu o processo e, caso seja eleito, o que pretende fazer para que este seja uma realidade?

Mal. Nem “aproveitou” o facto Governo nacional ser do PS, para pressionar a construção do hospital, há tanto tempo prometida. O governo do PS que entrega uma fatia do dinheiro do estado para os grupos de saúde privados, não investe no SNS. Existem mais hospitais privados no país do que públicos. Em Barcelos precisamos urgentemente de um novo hospital público. Ao SNS faltam centros de saúde e hospitais mais equipados. E essencialmente mais profissionais de saúde. Faltam auxiliares, administrativos, médicos, enfermeiros e técnicos. O dinheiro que não querem gastar , por constrangimentos orçamentais, no SNS , não hesitam em esbanjá-lo quando é para salvar a banca.

Nestas eleições autárquicas há três novidades: a coligação PSD/CDS/BTF, o Chega e um candidato independente dissidente do PS. Que leitura faz deste novo cenário político na cidade e o que de bom ou mau considera que pode trazer para a governação da Câmara?

Era bom que essas novidades fossem de facto novidades. Só muda a roupagem. Uns que eram do PS vão com o PSD, outros que eram partidários ontem, assumem-se como verdadeiros independentes hoje. A única coligação que interessaria às trabalhadoras e aos trabalhadores de Barcelos, era uma coligação de esquerda contra o PS e a direita. Não foi por vontade do MAS que ela não se realizou. Sobre o Chega é necessário dizer, que embora se assumam como antissistema, são financiados por grandes grupos económicos, que não se sentem, atualmente, representados no PSD, por isso criaram um partido de extrema-direita que tem o objetivo de meter remediados contra pobres para conseguirem enriquecer os mais ricos à custa do dinheiro e dos direitos dos mais pobres. Espalham o ódio e a mentira. O MAS tem nas suas listas muitas ativistas antifascistas, e podem continuar a contar connosco nessa luta (e em todas) implacável contra aqueles que querem um retrocesso civilizacional. O Chega deve ser ilegalizado! Nenhuma liberdade para os inimigos da liberdade.

Quais as prioridades da sua candidatura para Barcelos?

Iremos continuar a exigir a construção de um novo hospital para o concelho. O MAS já fez uma manifestação, fez protestos, recolheu assinaturas para pressionar o executivo camarário. Muitas outras listas que concorrem só se lembram do hospital na altura da “caça ao voto”. É imprescindível que a água passe para a esfera pública, sem dar mais dinheiro a quem tem lucrado à custa da maioria da população de Barcelos. Melhorar imediatamente as redes de transportes rodoviário e ferroviário, e ligar a central de camionagem à cidade, criar parques de estacionamento à volta da cidade, para evitar que as pessoas se desloquem no seu carro para o centro da cidade. Não é possível resolvermos o grave problema ambiental que vivemos, sem transportes públicos gratuitos, não poluentes e que prestem um serviço adequado às necessidades da população. Depois é necessário um trabalho sério da Câmara sobre a questão da mulher. É urgente a criação de um gabinete especializado de apoio às vítimas de violência doméstica. Houve um aumento dos casos de violência doméstica no concelho entre o período de 2019 a 2020, diferente do que acontece com a média nacional, que diminuiu, as mulheres continuam a ser vítimas de todo tipo de violência, com a cumplicidade dos tribunais e da sociedade. Em muitos casos aos agressores nada lhes acontece porque conseguem penas suspensas. A justiça é moralista com a vítima e condescendente com o agressor. É reflexo do machismo estrutural que existe na sociedade.

Quais as potencialidades de Barcelos que gostaria de ver mais exploradas?

Temos a sorte de viver num concelho lindíssimo, que beneficia de uma localização geográfica super privilegiada, com uma diversidade de atividades de valor a nível cultural, com imenso património arquitetónico/arqueológico assim como natural. Tudo isto é um potencial incrível e está sobejamente mal cuidado e inexplorado/desaproveitado para a fruição das pessoas assim como em potencial gerador de postos de trabalho e de um crescimento económico do concelho. Mas temos tido a infelicidade de ter governantes que “governam” entregando o que é de todos a uns poucos. Porque será? Temos um dos nossos maiores valores, o rio Cávado, a servir de esgoto a capitalistas sem escrúpulos, temos a nossa água gerida por um fundo abutre de capitais de risco. Uma ínfima parte do dinheiro que o PSD e o PS vão entregar à empresa Adb dava para um investimento sério no rio Cávado. Permitindo com isso até criar postos de trabalho, como por exemplo para a manutenção/limpeza do rio e das suas margens, para fazer uma fiscalização apertada sobre as descargas e outros “atentados” ambientais, permitindo assim por exemplo podermos ter praias com acessibilidade e verdadeiras condições para usufruir plenamente delas, e principalmente um espaço nobre como é o rio no seu todo, com um ecossistema saudável, cuidado e valorizado como é essencial. Devolver, de facto, o rio à população, e também às suas espécies autóctones, é fundamental. Cuidar e proteger a Natureza (de todo património que nos foi legado) é cuidar, melhor, de todos nós.

 
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