Uma equipa do Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CBMA) da Escola de Ciências da Universidade do Minho caracterizou 530 genomas de espécies de leveduras do vinho que, além de garantirem bom sabor, aroma e fermentação, têm capacidade de adaptação às alterações climáticas e às exigências do mercado.
Em comunicado, a academia minhota adianta que o estudo acaba de sair na conceituada revista “Studies in Mycology” e pode “impactar a economia global”.
Os cientistas mostraram o potencial escondido das leveduras não-Saccharomyces e, das espécies que analisaram, pertencendo a diferentes níveis taxonómicos, quais são as mais influentes na qualidade vínica.
A levedura é um microrganismo essencial na produção de vinho, pois no processo de fermentação transforma os açúcares das uvas nomeadamente em álcool e liberta compostos (como ácidos e fenóis) que influenciam a criação dos aromas e sabores próprios de cada tipo de vinho. Nos anos recentes, percebeu-se que as leveduras não convencionais não-Saccharomyces afinal não prejudicam a fermentação vínica, bem pelo contrário, pois complexificam o processo e até mitigam desafios de adaptabilidade.

“Quisemos detetar se haveria caraterísticas no genoma dessas espécies que explicassem porque algumas delas eram boas a influenciar o sabor e o aroma e porque outras fermentavam com grande capacidade o mosto, levando à produção de vinhos diferenciados que agradassem a mercados em constante mudança”, explica o investigador Ricardo Franco-Duarte, citado no comunicado.
Separou-se então as “leveduras boas fermentadoras” e descobriu-se seis genes comuns nelas, num conjunto de 35 genes essenciais, que os cientistas chamaram “fermentoma”. Já o conjunto que contribuiu com bom sabor ou aroma foi apelidado de “flavoroma”, após se apurar 96 genes em 19 categorias, havendo potencial a explorar para elevar a qualidade vínica, como com a espécie Torulaspora delbrueckii e o género Starmerella. Aliás, este foi o primeiro estudo a analisar genomas de 134 espécies em simultâneo, pois só havia estudos com genomas de determinadas espécies.
Prever o potencial para vários climas
E como isto se aplica no quotidiano do viticultor? “Na sua adega, recebe um investigador para se avaliar a presença ou ausência desse conjunto de genes nas leveduras, de modo a garantir a melhor qualidade possível do seu vinho”, ilustra Ricardo Franco-Duarte. Também pode ver se as leveduras se vão adaptar às alterações climáticas, como fermentar o mosto a temperatura elevada numa região mais quente. As estirpes nativas de cada local tendem a ser as mais propícias, mas “é preciso ver outras mais versáteis” face a climas em constante mutação. E se o fim é produzir vinho com certo perfil aromático, o viticultor pode ainda procurar o genoma ideal para determinada textura ou composto no sabor, respondendo assim às novas exigências do mercado, com propostas exclusivas ou que agradem a um conjunto mais diversificado de consumidores.
“A indústria vitivinícola enfrenta desafios sem precedentes face às necessidades do mercado e às mudanças climáticas, com repercussões socioeconómicas, por isso as nossas descobertas podem ter efeitos positivos nas práticas inovadoras de vinificação e investigação a nível mundial”, admite Ricardo Franco-Duarte, que assina o estudo com Ticiana Fernandes, Maria João Sousa, Paula Sampaio, Teresa Rito e Pedro Soares.
“A equipa é 100% portuguesa, algo raro numa publicação daquela revista, o que confirma o percurso internacional da UMinho na área há mais de duas décadas”, destaca o comunicado.
“Analisar genomas é como a impressão digital de uma levedura e cada vez mais importante, pois conseguimos prever o seu potencial para o futuro e, através de modelos computacionais e IA, poderemos simular o clima futuro e como cada levedura do vinho vai responder”, realça Ricardo Franco-Duarte.
O CBMA disponibiliza todos os genomas analisados e anotados desta pesquisa em acesso livre, no portal Data RepositóriUM da UMinho, pelo que fica a porta aberta a outros trabalhos de cientistas com interesse em aplicar aquelas leveduras para o pão, a cerveja, a parte clínica, a ecologia ou a evolução, por exemplo.
O pipeline bioinformático usado nesta investigação, com rigorosos pontos de controlo e múltiplas ferramentas analíticas, estabeleceu igualmente um novo padrão para futuros estudos filogenómicos e proteómicos.